O brincar é essencial para o desenvolvimento pleno da criança, tanto que se tornou um direito garantido pela Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1959. Segundo o documento, “a sociedade e as autoridades públicas se esforçarão para promover o exercício deste direito”. Em 1988, a Constituição Federal reafirmou esse direito em seu artigo 227 e, em 1990, ele também apareceu no Estatuto da Criança e do Adolescente.
“Às vezes, acreditamos que o brincar é algo de um momento específico, de um lugar específico, mas o brincar deve estar na vida da criança o tempo inteiro, por ser a linguagem principal e a mais potente para ela se desenvolver plenamente”, diz Claudia Vidigal, representante da Fundação Bernard van Leer no Brasil, organização internacional referência em primeira infância.
Os espaços de brincar, por sua vez, não precisam estar restritos à casa ou à escola: a cidade toda pode ser brincante. “Se você acompanhar uma criança por uma hora, você vai ver que ela brinca com tudo que aparece na frente. Nós temos que lembrar que o espaço público também é um espaço de desenvolvimento, é um espaço de brincar”, continua Claudia.
Ela ressalta ainda que “as políticas de aberturas e melhoria de espaços para brincar devem começar pelos locais periféricos, onde há menos oportunidades de brincar do que nos espaços privilegiados”.
Além do lúdico
Brincar é bem mais do que fazer atividades lúdicas, ainda mais quando realizadas da maneira a mais livre possível, sem interferência dos adultos. Ana Claudia Arruda Leite, mestre em Ciências Sociais da Educação e consultora do Instituto Alana explica que “muitas vezes, em instituições, as brincadeiras são muito dirigidas e isso acaba comprometendo uma essencialidade do brincar, que é a liberdade”.
Ana Claudia reforça os benefícios desse livre brincar. “É uma ação que parte da criança, então traz uma dimensão que é muito importante para o desenvolvimento humano: a capacidade de definirmos, desde pequenos, nossos propósitos, aquilo que nos motiva e nos faz caminhar ao longo da vida.”
Ela ressalta que brincar é uma atividade tão importante para a formação da criança que se encontram brincadeiras semelhantes em países diferentes.
“Quando analisamos as brincadeiras que compõem a cultura da humanidade, percebemos que muitas se encontram em diferentes lugares do mundo e tempos históricos, como a brincadeira de cinco pedrinhas, variações de amarelinha, brincadeira de boneca ou brincadeiras de empurrar um aro com bastão. Elas vão ganhando outras roupagens”, diz Ana Claudia.
Perdas e resgates
O livre brincar, porém, encontra-se ameaçado por mudanças culturais e de hábitos decorrentes de um processo de crescimento e urbanização pouco planejados, e que afetam as crianças, cada vez mais privadas do contato com a natureza e do convívio comunitário.
“Elas ficam cada vez mais dentro de casa, usando eletrônicos e superprotegidas. As crianças que não andam descalças na terra e na grama estão sendo privadas de oportunidades fundamentais para o seu desenvolvimento”, afirma Juliana Di Thomazo, líder do Programa Primeira Infância em Foco, da Fundação FEAC.
Foi pensando em fortalecer o livre brincar nas comunidades que a FEAC criou o projeto Caminhos do Brincar. O objetivo é, a partir do engajamento de crianças e suas famílias, realizar transformações em territórios vulneráveis de Campinas, tornando-os mais lúdicos e seguros para as crianças. O trabalho é realizado em rede, unindo organizações locais, o poder público, as crianças e a comunidade.
“A criança se desenvolve nos diversos contextos em que está inserida. Além da família e da escola, a comunidade onde a criança vive é de fundamental importância para o seu desenvolvimento. Um território mais amigável, seguro e lúdico oferece às infâncias oportunidades de interação mais potentes e, dessa forma, o direito à convivência comunitária é garantido”, explica Juliana.
Se tudo ocorrer como esperado, as crianças de dois territórios de Campinas ganharão um novo espaço para brincar no primeiro trimestre de 2022. Os bairros Cidade Satélite Íris e Jardim Novo Flamboyant foram escolhidos para receber, desde setembro, o projeto-piloto do Caminhos do Brincar.
Nesta primeira fase, as atividades em campo estão voltadas a ocupar os espaços potenciais do brincar tanto no Satélite Íris quanto no Buraco do Sapo. Nesses locais, que são identificados junto com a comunidade, é estabelecida uma rotina de brincadeiras envolvendo crianças e cuidadores, proporcionando a interação com o lugar, suas realidades ambientais, geográficas e históricas. Dessa forma, a equipe de campo tem também a oportunidade de conhecer e compreender o território sob a perspectiva da infância.
A próxima fase do Caminhos do Brincar é o momento de sonhar e engajar as crianças para atuarem em favor da comunidade em que vivem. Trata-se de assegurar e desenvolver a participação delas para a promoção de melhorias para o bairro onde vivem. A partir do primeiro trimestre de 2022, a proposta é transformar os sonhos das crianças em realidade: um espaço público de cada território vai ser transformado em um espaço lúdico, com a instalação de equipamentos de brincar, produzidos pelo parceiro Erê Lab, escritório de arquitetura especializado em espaços para crianças.
Por Laíza Castanhari
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Edição 10 – Direitos da criança• Pobreza atinge cerca de 40% das crianças brasileiras com menos de 9 anos
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