(Por Claudia Corbett)

Marcos, João e Teo têm muitas coisas em comum. São feras no videogame, têm 13 anos, adoram desafios, são filhos únicos e rápidos nas respostas em jogos de conhecimentos gerais. Os três adolescentes fazem parte do Alta Assistida: um Olhar para além da Instituição, programa inédito ofertado pela Associação para Desenvolvimento de Autistas de Campinas (Adacamp).

A proposta do Alta Assistida é preparar a pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA), de 07 a 17 anos, sem associação com o déficit intelectual, que atingiu a independência nas atividades de vida diária e prática e com bom desempenho na escola, para a inclusão efetiva no ambiente do convívio social. Isto é realizado através de intervenções comportamentais, individuais e em pequenos grupos e visa diminuir a dependência dos demais programas da instituição que possuem carga horária extensa.

O Alta Assistida é mais uma conquista da Adacamp junto ao Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (Pronas/PCD), por um período de dois anos – 2016/2018. Este mecanismo permite que organizações da sociedade civil, devidamente credenciadas, apresentem iniciativas para análise da coordenação de Projetos de Cooperação Nacional do Ministério da Saúde. A partir deste incentivo a Adacamp pôde ampliar o Programa de Inclusão – Mercado de Trabalho que visa capacitar, encaminhar, acompanhar e monitorar mais pessoas com TEA que apresentem condições para inserção no mercado de trabalho, por meio de ações em grupo e individuais.

Metodologia

Em oito meses de programa, a equipe do Alta Assistida, formada por terapeuta ocupacional, psicóloga, assistente social e acompanhante social, já nota mudanças de comportamento social nas 25 crianças e adolescentes que acompanham. As intervenções acontecem semanalmente, não só dentro da instituição, com sessões com um profissional de psicologia e terapia ocupacional que desenvolvem ações do dia a dia envolvendo familiares, educadores e alunos das escolas onde eles estudam.

“Utilizamos como embasamento metodológico a Análise Aplicada do Comportamento. Pesquisas em Análise do Comportamento têm comprovado e contribuído para a identificação e compreensão das variáveis que afetam o repertório de indivíduos autistas, sendo atualmente o mais adequado no tratamento de pessoas com TEA”, ressaltou Roseli Cruz Guirao, coordenadora geral da Adacamp.

Dia a Dia

Considera-se de grande importância que os atendidos generalizem para o seu ambiente as habilidades que são ampliadas durante as intervenções propostas. A equipe realiza grupos terapêuticos na própria instituição, assessorias para os responsáveis e educadores pedagógicos e atendimentos externos, que são planejados e realizados levando em consideração as dificuldades e potencialidades de cada atendido.

“Eu os levo para andarem de ônibus ou a pé pelo bairro onde moram. Vamos à farmácia e à padaria. Movimentos do dia a dia que precisam aprender para começarem a fazer sozinhos”, conta a terapeuta ocupacional (TO), Raquel Ortega. Muitas vezes as famílias, por medo, excedem os cuidados e estas crianças e adolescentes passam a ser dependentes para fazer tudo.

Com o propósito da autonomia, a equipe também vai à escola onde eles estudam. Capacita os profissionais para que possam, munidos de informações, entenderem melhor os alunos com TEA. “É importante conhecer a realidade deles dentro do estabelecimento de ensino. Perceber o relacionamento que eles têm com os colegas e quais são as dificuldades de aprendizado. Por isso, essa proximidade com o professor é importante”, complementou a TO.

A princípio seriam somente acompanhamentos individuais, mas com o tempo a equipe de terapeutas entendeu que o ideal seria fazer grupos com os que tivessem afinidades entre si. “Quando organizamos este grupo, por exemplo, no qual participam Marcos, Teo e João, buscamos por intermédio de jogos ou outras atividades descobrir as afinidades”, Raquel.

Um dos desafios das pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) é a dificuldade de relacionamento social, de interagir com outras pessoas e com o ambiente ao seu entorno. “Por este grupo já estar bem entrosado, resolvemos fazer uma experiência e levá-los a um show de rock de uma banda formada por adolescentes, no Pub Grainne’s. A nossa ideia era que eles conhecessem “modelos” que estão em cima do palco, tocando instrumentos, fazendo músicas. Os meninos com TEA têm repertório, o que fazemos é criar possibilidades para eles usarem este repertório”, exaltou Raquel. Em circunstâncias como esta, a equipe tem a oportunidade de lidar com as aptidões sociais dos atendidos nos próprios ambientes em que se espera que os mesmos se comportem de forma socialmente mais habilidosa.

Estas ações são de extrema importância para que as pessoas com TEA estejam em ambientes que antes não tinham acesso, convivam com quem tem os mesmos interesses e ainda ampliem o repertório de habilidades sociais.

As pessoas com autismo não têm uma aparência física característica.  Quem olha não percebe nada, são simplesmente jovens, crianças ou adultos. Muitas vezes acontecem comportamentos inadequados – seja falar mais alto ou gritar por causa de um estágio de euforia. “Propor este trabalho fora da instituição também tem como objetivo tratar o outro e a sociedade. No evento de rock, por exemplo, eles fizeram o pedido e o garçom veio nos perguntar se poderia servi-los. Momentos como estes são ideais para esclarecermos o que são as pessoas com TEA”, exemplificou Ana Carolina Pokay Kamada, psicóloga do programa.

“Ações extramuros institucionais são essenciais, em especial para grupos que sempre foram segregados. Pessoas com transtorno do espectro autista são taxadas como quem tem comportamentos inadequados e a sociedade em geral não tem interesse em conviver com indivíduos que fogem do padrão imposto”, ressaltou Regiane Fayan, assessora técnica do Departamento de Assistência Social da Fundação FEAC. Segundo Regiane, a partir do momento em que passam a conviver e se mostrar, e com acompanhamento e apoio, tendem a contribuir para uma convivência mais saudável e para a mudança de olhar sobre a questão da ‘diferença’. “Quando paramos de apontar o outro como diferente, temos a possibilidade de olhar para as pessoas como elas realmente são, nas suas diferenças e assim, a capacidade de lidar com as pessoas de modo mais aberto, heterogêneo e plural”, concluiu Regiane.

 

Acordos que funcionam

 

Alguns dos atendidos têm mais dificuldades em relação ao comportamento. Para isso são adotados acordos que são mediados por meio de trocas denominadas como Economia de Fichas, uma estratégia de intervenção da Análise Aplicada do Comportamento. Funciona assim: são apresentadas fichas, pontos ou qualquer outro estímulo que reforce o condicionamento que possa sinalizar um reforço em um momento posterior. As fichas, por exemplo, podem ser trocadas por atividades, alimentos, objetos ou outro tipo de acordo previamente estabelecido. “Utilizamos a técnica das fichinhas quando há necessidade. O atendido recebe três fichas e cada vez que infringir o que foi acordado tem que entregar uma delas. Com isso, conseguimos que desenvolva um autocontrole”, explicou Ana Carolina.

Um outro método utiliza fichas de cores diferentes, um cronômetro e algum comportamento que foi estabelecido para ser cumprido durante uma atividade. Se a pessoa cumprir o que foi acordado, ganha uma fichinha. Se descumprir, reinicia-se o cronômetro e ela não recebe a ficha. “Orientamos a escola a utilizar a mesma metodologia. Com as fichas acumuladas pelo bom comportamento, revertem ao que gostam de comer, jogar ou até locais onde queiram ir”, concluiu a psicóloga. Estes combinados contam com uma parceria da família com a escola. Algumas famílias aderem, mas com restrições. “Quando a família não compartilha destas trocas, há a necessidade de trabalharmos de uma outra forma. Existem casos que indicamos psicoterapia para os familiares”, analisa a psicóloga do Alta Assistida.

Há um tipo de acordo, no qual a ferramenta de troca é uma lista onde se anota os comportamentos que devem ser realizados. “Avaliamos o que é primordial no comportamento para que ele tenha ganho de convívio social, por exemplo cumprimentar, não desviar o olhar, que é um pré-requisito para que ele entenda alguns códigos sociais”, observou a psicóloga do programa, Ana Carolina.

O Programa Alta Assistida: Um Olhar para Além da Instituição busca atender o meio social, a família e o indivíduo. E com todas as intervenções quer que a pessoa com TEA amplie sua independência, autonomia, autovalorização e sentimento de pertencimento aos grupos de convívio.

Saiba Mais: http://www.adacamp.org.br/