Muito se fala do impacto social do terceiro setor por meio de sua atuação direta nos territórios vulneráveis e, também, das dificuldades enfrentadas pelas organizações do setor na captação e gestão de recursos para executar sua missão. O que pouco se discute é a relevância – e potência – do terceiro setor para a economia do país. E por isso é tão bem-vindo o estudo inédito A importância do terceiro setor para o PIB no Brasil e em suas regiões, lançado esse ano e coordenado pela Oscip Sitawi em parceria com a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) e o Movimento por uma Cultura de Doação.

O estudo joga luz neste sistema e traz dados consolidados sobre seu dinamismo econômico. Aponta que o terceiro setor responde por 4,27% do PIB (Produto Interno Bruto) e, aproximadamente, 6% dos empregos gerados no país, o que equivale a 5,9 milhões de ocupações (trabalho formal e informal).

Embora tenha como ano-base para seus cálculos 2015, este é o levantamento mais abrangente e sistematizado da contribuição econômica de instituições, fundações e organizações da sociedade civil nas diferentes regiões do país. Mede não apenas o investimento individual, mas toda a cadeia de negócios impulsionada por ele.

Terceiro setor contribui com 5,9 milhões de empregos

A partir de um conjunto de dados e estratégias metodológicas, a pesquisa buscou mensurar as estruturas produtivas das principais atividades (em que é expressiva a atuação do terceiro setor), como educação, saúde, atividades artísticas e organizações associativas. E para medir seu impacto econômico, contabilizou dados de produção, emprego e renda.

“Não há razão para que gestores públicos não deem a devida atenção a um setor que contribui com mais de 4% do PIB e quase 6% da ocupação”, afirma Leonardo Letelier, CEO e fundador da Sitawi. “Esses dados deveriam estar na mente dos gestores ao formular políticas públicas, sejam estas direcionadas ao terceiro setor ou transversais, que impactam a economia como um todo”, conclui, em artigo que aborda a “invisibilidade” do potencial econômico do terceiro setor, publicado na Stanford Social Innovation Review Brasil, em setembro de 2023.

Atualmente, existem no Brasil mais de 815 mil organizações sociais registradas, abrangendo áreas como cultura, defesa de direitos humanos, proteção animal, saúde, educação, assistência social, esportes, entre outras. Dedicam-se a diversas atividades econômicas, com cadeias produtivas próprias e geração de postos de trabalho, influenciando assim o cenário de gastos públicos e privados.

“O Investimento Social Privado (ISP) possui hoje uma capilaridade no país muito grande que às vezes o próprio governo não tem. Então, esta rede, bem articulada com as políticas públicas, órgãos governamentais, esfera municipal, estadual e federal, contribui muito para o desenvolvimento social”, diz o superintendente socioeducativo da Fundação FEAC Jair Resende.

Instituições focam na qualificação das OSC para ampliar impacto

As instituições que investem nas causas sociais e contribuem para movimentar essa economia solidária atuam hoje para qualificar ainda mais as organizações parceiras e ampliar o impacto de seus trabalhos junto a pessoas em situações vulnerabilidade social.

“O desenvolvimento e qualificação das instituições visa organizações mais sustentáveis do ponto de vista financeiro, técnico, organizacional e executando a sua missão-fim com mais propriedade e mais impacto”, pontua Resende. 

Fundada na década de 1960, a FEAC é uma prova viva da resiliência do setor, que sobreviveu a diversas crises econômicas e políticas e segue saudável e firme em sua missão social, consolidada hoje como um importante ativo social e econômico de Campinas.

Levantamento do Monitor Idis de Fundos Patrimoniais no Brasil 2023 mostra que a FEAC figura entre os 20 maiores fundos do país, avaliado em R$ 175 milhões. Também é um dos patrimônios mais longevos, criado em 1964.

Com o seu patrimônio e parcerias com mais de uma centena de organizações da sociedade civil de Campinas, a FEAC investe em projetos implementados em territórios vulneráveis e atua em parceria com o poder público e empresas privadas para impulsionar o desenvolvimento social em Campinas e região.

“A articulação em rede é básica para o terceiro setor, pois ele precisa de representatividade. Quando há um conjunto de organizações sociais trabalhando um mesmo tema e fazendo propostas conjuntas, elas potencializam seus recursos e há muito mais facilidade de ser ouvido”, explica Resende.

Capital social revela grau de desenvolvimento de um país

Todo esse trabalho que foi sendo construído nas últimas décadas é um desdobramento da Constituição Federal de 1988, a nova carta criada no processo de redemocratização do país. Com seus princípios de descentralização e participação, promoveu a criação de diversos conselhos de políticas públicas, por meio dos quais as organizações sociais passaram a exercer, de forma institucionalizada, seu papel de apoiar uma causa social.

O jornalista Devam Bhaskar (também conhecido como Geraldinho Vieira), diretor-executivo do Instituto Alok, organização de investimento social criada há três anos pelo DJ Alok, destaca que o capital social é fundamental para medir o grau de desenvolvimento de um país. E o que é o capital social de uma nação? Para Bhaskar isso se mede pela intensidade e qualidade do diálogo, cooperação e transparência entre os diversos setores: empresa, governo, organizações da sociedade civil, terceiro setor.

“O terceiro setor é personagem fundamental para a construção desse capital social, porque ele está no campo, nas favelas, nas comunidades indígenas, ribeirinhas. É quem está na ponta daqueles que são desassistidos e cabe a essas organizações criarem experiências no campo que podem se tornar modelo para políticas públicas eficazes”, aponta.

Ele ressalta que, historicamente, o terceiro setor tem se mostrado um parceiro importante do poder público. “O Brasil possui uma gama bastante relevante de ações que nasceram de organizações sociais e que hoje são políticas públicas”. E isso ocorre também nas áreas de saúde, educação e assistência, que são papel prioritário do estado.

“As organizações da sociedade civil são parceiras relevantes não só na execução de ações de assistência social, por exemplo, mas de inovação, de criação de modelos de assistência que possam impactar as políticas públicas”, avalia.

Um exemplo, segundo ele, é o Projeto Saúde e Alegria, do Pará, que há 30 anos começou um atendimento de saúde para populações ribeirinhas através de barcos-hospitais. Antes disso, a população ribeirinha precisava pegar o barco e levar a criança doente para o hospital na cidade. O projeto começou com um pequeno barco, levando médicos até as populações ribeirinhas e nas aldeias indígenas.

Atualmente, na Amazônia, circulam pelo menos 30 barcos-hospitais, já inseridos nas políticas públicas de governo. “Hoje parece óbvio, né? Mas 30 anos atrás não tinha nada disso”, observa Bhaskar. E esse avanço é resultado do trabalho em rede que mobilizou organizações, instituições, empresas e poder público.

FEAC impulsiona desenvolvimento social em Campinas

A atuação da Fundação FEAC em Campinas também aposta nesse modelo de parceria para impulsionar o desenvolvimento social na cidade, transformar a realidade das pessoas e superar as vulnerabilidades, com foco nas crianças e adolescentes.

A capacidade de articulação e a capilaridade destas redes nos territórios vulneráveis do município são características estratégicas da Fundação FEAC. “A vulnerabilidade social é um fenômeno multidimensional e requer diversas formas de ação por parte da sociedade civil organizada. Através de projetos filantrópicos, do voluntariado, de ações do poder público, de ação das empresas, diversas tecnologias sociais precisam ser implantadas para superação de problema tão complexo”, avalia Jair Resende.

Recentemente, uma das iniciativas apoiadas pela fundação em parceria com organizações firmou um acordo de cooperação técnica com a prefeitura. Trata-se da Campinas Solidária e Sustentável, um projeto de horta comunitária que tem o objetivo de promover, por meio da agricultura urbana, alimentação saudável e, futuramente, geração de renda no município de Campinas. A assinatura do acordo é uma referência de parceria entre o poder público e a sociedade civil e representa um avanço para a política de segurança alimentar e nutricional do município.

“Hoje, a FEAC consegue apoiar organizações que atuam diretamente nos territórios, fazendo um trabalho de articulação junto ao poder público, a outros institutos e fundações de Investimento Social Privado e às empresas. Sempre buscando desenvolver projetos inovadores na área social, e que tenham potencial de se transformar em política pública”, conclui Resende.

A importância econômica do terceiro setor no mundo

A pesquisa também trouxe o impacto econômico do terceiro setor em outros 26 países. Nos dados apontados no mapa abaixo estão a participação do setor no PIB e na geração de emprego em nove países: Canadá, Estados Unidos, México, Colômbia, Peru, Brasil, Argentina, Reino Único e Holanda.

A = Participação no PIB (Produto Interno Bruto) no país.

B = Participação na geração de vagas de emprego no país.

Fonte: A importância do terceiro setor para o PIB no Brasil e em suas regiões

 

Por Natália Rangel

Revista Narrativa Social nº 34 – Terceiro setor

   Edição 34 – Terceiro setor

 

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