Por Jair Resende*
Ao longo de quase três séculos de história, Campinas passou por diversas fases. Houve muitos altos e baixos, mas um sentimento foi sempre o impulsionador do desenvolvimento social e econômico do município: a solidariedade.
Desde 2020, estamos enfrentando a maior crise sanitária vivida pela nossa geração. Mas um olhar para o passado mostra que a cidade já teve forças para encarar e sair fortalecida de outros momentos de enormes dificuldades.
Na sua história, Campinas já passou por sete períodos de pandemia antes da Covid-19. Todos abalaram as estruturas econômicas e sociais – e ceifaram vidas. A eles se somam também diversos momentos de ruptura, como a crise do café, em 1929, e as duas guerras mundiais.
Mas a solidariedade da população campineira, aliada ao planejamento e ao empenho, fez com que aos poucos essas situações dramáticas fossem se revertendo – e o município voltasse a trilhar o caminho de crescimento que mantém até hoje.
Não é à toa que a fênix, a lendária ave que renasce das cinzas, está representada no centro do brasão municipal, acompanhada da divisa que só complementa e reforça essa ideia: “a cidade floresce no trabalho e na virtude”.
Em todos os momentos de crises, os cidadãos campineiros mostraram a força do trabalho e da virtude. A disposição para ajudar na solução dos problemas veio de todos os cantos. Entre as primeiras ações filantrópicas do município estão a criação da Santa Casa de Misericórdia e a implementação, por Dom Nery e Maria Ubelina Alves Couto, de orfanatos para acolher meninas e meninos que ficaram órfãos em virtude da febre amarela.
Muitas outras iniciativas filantrópicas, apoiadas e dirigidas por empresários, intelectuais e religiosos, foram criadas para combater a pobreza e a vulnerabilidade que se seguiram às crises.
No início da década de 1960, Campinas já contava com cerca de 40 entidades filantrópicas. Eram os então chamados orfanatos e asilos, os educandários, além de hospitais, abrigos, casas de apoio, centro de distribuição de alimentos etc.
Em 1963, um grupo de diretores dessas organizações passou a estudar possibilidades de atuação conjunta para arrecadação de recursos e para apoio à gestão das entidades filantrópicas de Campinas. Surge aí a ideia de se criar uma federação de entidades.
Concomitantemente um grande fazendeiro da cidade e sua esposa, o casal Lafayette e Odila Alves, decidiram deixar parte de seu patrimônio para criação de uma fundação que tivesse como foco a combate as vulnerabilidades, com atenção especial a crianças e adolescentes. O encontro desse grupo de representantes de entidades com o casal resultou na junção de ideias e na criação da Fundação FEAC.
Em seus anos iniciais, a FEAC sobrevivia com doações periódicas de empresas e pessoas físicas e de outras parcerias pontuais. No início da década de 70, 35 entidades já recebiam o apoio contínuo da FEAC.
Aos poucos, o fundo patrimonial criado a partir da doação de Lafayette e Odila Alves começou a dar frutos. Base da filantropia nos Estados Unidos e em outros países, os fundos patrimoniais ainda são pouco conhecidos no Brasil. Eles se caracterizam por um sistema que recebe doações em dinheiro ou bens, e usa os rendimentos desse patrimônio para a manutenção de organizações sociais ou defesa de causas. Com a criação de projetos imobiliários em parte dos terrenos de seu patrimônio, a FEAC pôde ampliar sua atuação. No início do ano de 1980, a FEAC já apoiava cerca de 95 entidades sociais.
Desde sua criação, a FEAC atuou sempre no formato de fundação comunitária, muito comum fora do país. Nesse modelo, uma organização local, a Fundação, apoia uma série de entidades de um determinado território em diferentes temáticas, investindo recursos próprios e mobilizando recursos por meio de parcerias com empresas, outras fundações e institutos, governos e agências e campanhas junto a pessoas físicas.
Queremos tornar a Fundação FEAC um ambiente cada vez mais representativo de toda a sociedade campineira.
Embora conte com recursos próprios, para crescer mais, e auxiliar a cidade a ultrapassar mais esta fase de crise, temos buscado estreitar as parcerias da Fundação FEAC com a sociedade. Queremos tornar a Fundação FEAC um ambiente cada vez mais representativo de toda a sociedade campineira. O sucesso da iniciativa emergencial Mobiliza Campinas – que agora entra em seu terceiro ano – é prova da solidariedade de todos. Neste ano, com o apoio de cidadãos e de empresas, pretendemos beneficiar com cartões alimentação mais de 6 mil famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade por conta da pandemia.
Temos certeza de que Campinas renascerá ainda mais forte desta crise – aliás, já está fazendo isso. Participar dessa iniciativa solidária é algo que todos podem fazer.
*Jair Resende atua há mais de 30 anos no terceiro setor e tem experiência em ONG, institutos empresariais e fundações. É mestre em Economia do Desenvolvimento pela Università degli Studi di Milano e acumula experiências de trabalho no Brasil, na América Latina e na África. Atualmente é superintendente Socioeducativo na Fundação FEAC.
Artigo originalmente publicado no jornal Correio Popular, em 15/03/2022.