A cidade foi sede do Seminário Internacional que trouxe diversos especialistas da área. Foco é a qualificação de profissionais

(Por Laura Gonçalves Sucena)

Campinas foi palco para as discussões do III Seminário Internacional sobre Acolhimento Familiar, que em outubro reuniu profissionais do Brasil e exterior para discutir a temática. A secretária Nacional de Assistência Social do Ministério da Cidadania, Mariana Neris, foi responsável pela palestra de abertura do evento, na qual apresentou um panorama nacional dos serviços de acolhimento e ações que estão sendo realizadas.

Com a presença de especialistas, assistentes sociais, psicólogos, promotores, famílias acolhedoras e outros profissionais da área, o Seminário levou à reflexão a qualificação dos profissionais e a necessidade de se ter mais famílias acolhedoras. Também contou com a palestra magna “Acolhimento familiar: os vínculos afetivos no cotidiano”, ministrada pelo professor da Universidade de Sevilha (Espanha), Jesús Palacios.

Com uma programação ampla, o III Seminário Internacional de Acolhimento Familiar trouxe profissionais que compartilharam suas experiências na área. Na mesa com o tema “Acolhimento Familiar: compromisso nacional de cuidado e de proteção”, coordenada pelo gerente-geral da Fundação FEAC, Lincoln Moreira,  discutiu-se ‘Os primeiros 1000 dias da criança’; ‘A relevância da primeira infância e do acolhimento familiar nas políticas públicas’ e ‘Proteção da criança e do adolescente na família: inovar e garantir a prioridade absoluta’.

O médico Nelson Neumann Arns, coordenador da Pastoral da Criança, falou sobre os primeiros anos de vida das crianças e ressaltou a importância da gestação, do aleitamento e dos cuidados, atenção e afeto que as crianças devem receber. Já o vice-coordenador da Infância e da Juventude, Reinaldo de Carvalho, enfatizou a importância do Pacto Nacional pela Primeira Infância e as vantagens do acolhimento familiar.

O coordenador do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana, Pedro Hartung, traçou um panorama da história dos direitos da criança e lembrou os 30 anos do artigo 227 da Constituição Federal. “Nossa maior inovação é o artigo 227 que fala sobre o dever da família, da sociedade e do Estado em assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, ao lazer e muito mais. O melhor interesse da criança deve estar sempre em primeiro lugar”, ressaltou.

“Para a FEAC, o Seminário foi uma oportunidade para conhecer os próximos  desafios e perceber que Campinas já avançou e se compromete em continuar garantindo direitos de crianças, adolescentes e jovens na proteção e no acolhimento”, comentou o gerente-geral da Fundação, Lincoln Moreira.

 Visões e experiências

Outra mesa que chamou a atenção foi “O desafio da formação de profissionais e famílias acolhedoras para atender as necessidades humanas no acolhimento familiar”, coordenada pelo superintendente socioeducativo da Fundação FEAC, Leandro Pinheiro.

 

Na mesa, os temas tratados foram ‘Fronteiras da neurociência: do desenvolvimento do cérebro à formação de memórias e construção de vínculos’, comandada pela presidente do Instituto Geração Amanhã (IGA), Sandra Sobral; ‘Como formar famílias e profissionais para atender crianças e adolescentes que viveram experiências traumáticas’, com Cristina Peixoto, presidente da Spauling for Chieldren; e ‘A importância da formação de profissionais e famílias acolhedoras no serviço de acolhimento familiar’, liderada pelo coordenador técnico da Associação Brasileira Beneficente Aslan, Delton Hochstedler.

Com a pergunta ‘O que aconteceu com o cérebro do Bruno?’, a fundadora do IGA iniciou sua fala contando sobre sua experiência de adoção. “Percebi sérias dificuldades cognitivas e emocionais que ele apresentava por ter crescido longe do ambiente familiar. As crianças são retiradas de suas famílias no Brasil por sofrerem abusos, negligência ou abandono, e quase 95% delas são mantidas em abrigos enquanto a Justiça decide se voltarão para casa ou seguirão para adoção. Só que esses processos demoram muito e a criança vai crescendo sem uma família que a ame e a ajude a se desenvolver. Isso traz sérios danos neurológicos”, afirmou Sandra, que percebeu essas consequências no comportamento de seu filho, adotado aos quatro anos.

A empresária falou da importância da socialização, afeto, estímulos e do vínculo. “Meu filho tinha muita dificuldade para se socializar e não sabia nem diferenciar as cores porque nunca alguém havia parado para ensinar isso a ele”, comentou. Além disso, “tinha muita dificuldade de interação social por não ter conhecimento do que era um supermercado, uma farmácia ou uma igreja”.

Já Cristina Peixoto apresentou a situação dos Estados Unidos no acolhimento familiar. Segundo ela, 470 mil crianças estão em situação de acolhimento, mas apenas 3 a 4% estão em instituições. “A remoção da criança, do que ela entende como lar, é uma experiência traumática que pode interromper sua capacidade de conectar e estabelecer vínculos”, comentou.

Segundo Cristina, a instituição norte-americana trabalha com recrutamento e seleção das famílias e profissionais; processo de onboarding das famílias acolhedoras; formação técnica conjunta; formação continuada para funções complexas; e parcerias com universidade. “Trabalhamos pensando no que podemos fazer para prevenir que a criança entre no sistema”, resumiu.

Delton Hochstedler, coordenador técnico da Associação Brasileira Beneficente Aslan (ABBA), citou a importância da formação de profissionais e famílias acolhedoras. “As famílias não chegam prontas, por isso precisamos cuidar delas e formá-las. Nesse processo de capacitação é preciso verificar se as famílias têm habilidades para lidar com situações que surgem no dia a dia do acolhimento. Eles têm que ter como valor que a intenção é que a criança volte para sua família de origem”, ponderou.

Com relação à formação dos profissionais, Delton ressaltou a necessidade de reuniões semanais com o gerente do projeto e os técnicos; supervisão por um profissional externo; participação em seminários e capacitação com temas relevantes à área; e plano anual de capacitação. Também falou dos desafios dos profissionais, que acabam lidando com um serviço em que os principais colaboradores são voluntários (famílias).

O Seminário também contou com uma série de oficinas e diálogos e com depoimentos de famílias acolhedoras de Campinas, que contaram suas experiências práticas com o acolhimento. Diversos vídeos com depoimentos do projeto Trilhar e Família Acolhedora, da Fundação FEAC, também foram exibidos durante o encontro.

 Acolhimento Familiar

O acolhimento familiar é uma medida protetiva, temporária e excepcional, prevista em Lei pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Representa um serviço dentro da proteção social especial junto com os demais serviços de acolhimento institucional (abrigos e casas lares) para crianças e adolescentes em situação de risco social que foram afastados de suas famílias de origem por decisão judicial.

 A equipe técnica do serviço é responsável por selecionar, capacitar, cadastrar e acompanhar as famílias acolhedoras, bem como realizar o acompanhamento da criança e do adolescente acolhido e sua família de origem.

 As famílias acolhedoras assumem, temporariamente, os cuidados integrais da criança ou adolescente incluindo educação, saúde e lazer com amor e dedicação. Para isso conta permanentemente com o trabalho compartilhado de uma equipe de profissionais e de apoio financeiro, em forma de bolsa-auxílio.

Campinas conta com dois serviços que trabalham com o acolhimento familiar: o Sapeca e o Conviver. A Fundação FEAC apoia o acolhimento familiar por meio do programa Acolhimento Afetivo.

 

Saiba mais: https://www.feac.org.br/acolhimentoafetivo/