No vídeo de Carlos Mesquita, 21 anos, o telespectador acompanha o rapaz subindo uma escada no seu quintal, em direção ao jardim. Ele segura o celular e filma seus passos, enquanto ouvimos a sua voz: “Você tem que enfrentar os degraus da vida para chegar ao ponto que você quer. E eu quis chegar no ponto das rosas”. Em seguida, ele mira as roseiras. 

Há dois anos, Carlos sofreu um acidente de moto, que o deixou na cadeira de rodas. Hoje, já usando muletas, ele foca nos aprendizados. “Por causa do acidente, eu tive que recomeçar tudo do zero, reaprender a andar, por isso quis trazer as rosas: mesmo com os espinhos, nasce aquela flor linda”, explica, em entrevista à FEAC.  

A história de Carlos é um dos trechos exibidos no curta-metragem da Sorri Campinas, que participou da terceira edição do projeto “CinemAQUI – curta o território”, realizado no segundo semestre de 2021. A Sorri formou um grupo de jovens com deficiência intelectual, que realizou todas as etapas de produção de um curta, das filmagens à edição.  

O CinemAQUI, executado pela Casa de Maria de Nazaré em parceria com a FEAC, leva oficinas de audiovisual para regiões vulneráveis de Campinas. O objetivo é promover narrativas a partir do olhar da própria comunidade, além de fortalecer os vínculos sociais. Desde a primeira edição, em 2019, o projeto foi realizado em 16 territórios de Campinas e soma a participação de 224 pessoas.  

Nesta edição, o projeto contou com 40 participantes. O resultado foram três curtas-metragens produzidos e recém-lançados por diferentes organizações da sociedade civil (OSC): Sorri Campinas, Casa dos Anjos (unidade da Casa de Maria de Nazaré) e Grupo Primavera.  

“Os curtas são uma ferramenta de empoderamento para essas organizações contarem suas histórias. O objetivo é que os participantes sejam os verdadeiros protagonistas de suas vivências”, diz Adriana Silva, analista de projetos do Programa Fortalecimento de Vínculos, da FEAC. 

Da teoria à ação 

As oficinas da terceira edição do CinemAQUI foram realizadas em formato remoto, assim como em 2020, devido à pandemia. Apenas os dois últimos encontros do Grupo Primavera e da Casa dos Anjos foram presenciais, após a flexibilização das medidas restritivas.  

De setembro a dezembro, as três turmas participaram de oficinas semanais, de duas horas cada, onde aprenderam técnicas audiovisuais para produzirem curtas-metragens pelo celular.  Dentre os conhecimentos adquiridos, estão os tipos de enquadramento da filmagem (plano aberto, médio e fechado), a importância do som, como gravar vídeos e como editá-los.  

Após os conteúdos teóricos, cada turma colocou a mão na massa e realizou as filmagens, respeitando todos os protocolos de segurança da pandemia. “É uma coisa diferente, que eu nunca tinha feito. Foi difícil, mas tentamos até conseguir”, analisa Carlos, participante da Sorri.  

Novidades 

A cada ano, o projeto trabalha com uma temática diferente. Na edição anterior, os grupos saíram em busca de entrevista com moradores dos bairros, a fim de mostrar como a pandemia estava impactando a rotina. Dessa vez, o conteúdo foi mais subjetivo: com o tema “Sobre Nós”, os participantes narraram os vídeos em primeira pessoa, contando suas próprias vivências.  

Os curtas foram produzidos no formato “videocarta”, o que significa que foram introduzidos elementos como destinatário e remetente: uma OSC direcionou uma mensagem à outra.   

“Nos anos anteriores, eu identifiquei que eles não se deslocam muito dos bairros periféricos. No máximo, dialogam com o centro da cidade. Então, eu perguntei: o que vocês querem mostrar do cotidiano de vocês para esse outro grupo?”, explica Juliana Brombim, documentarista responsável pelas oficinas.  

CinemAQUI: OSC é protagonista da nova edição

A terceira edição do CinemAQUI contou com mais uma novidade: a Casa de Maria de Nazaré estreou como a organização executora. Até então, esse papel era da Fundação FEAC, que agora atua apenas como investidora social do projeto.  

Com o apoio da FEAC nessa transição, a Casa de Maria de Nazaré lançou em edital e selecionou as demais organizações participantes.  

“O CinemAQUI proporciona a oportunidade para as pessoas contarem suas histórias e trocarem com os outros as vivências do cotidiano. Isso foi o que mais despertou essa vontade de estarmos liderando esse processo”, diz Valdirene Vitor Souza, coordenadora da OSC. 

 

Escolha das mensagens  

As mensagens das videocartas foram definidas no decorrer das oficinas. Enquanto ministrava o conteúdo técnico, Juliana estimulava o diálogo, para entender o que cada grupo queria contar. Ela, aliás, ensinou a importância de colocar intenção nas gravações: “Quando você aponta uma câmera, tem que saber exatamente o que está gravando e o que quer mostrar”. 

No caso da Casa dos Anjos – unidade da Casa de Maria de Nazaré, as mulheres participantes queriam falar sobre alguma atividade que fazem bem. Durante as conversas, Juliana descobriu que elas realizam oficina de artesanato na OSC, onde costuram peças como bolsas, tapetes e fazem pinturas em tecido.  

O conteúdo do vídeo, então, começou a ganhar forma: a união proporcionada pelo artesanato foi a narrativa principal. “O nosso objetivo é trazer o audiovisual como uma ferramenta de autodescobrimento, de percepção do cotidiano. O processo da oficina acaba sendo muito mais rico do que a gente vê nos vídeos”, explica a oficineira.  

Participantes do Grupo Primavera

Já o Grupo Primavera, localizado no Jardim São Marcos, formou uma turma de adolescentes para participar do projeto. No curta-metragem, eles focaram no bairro onde moram. “O nosso bairro não tem muito espaço para gente se divertir, e as ruas passam muito carro”, narra um dos adolescentes, enquanto o telespectador assiste às imagens das ruas. 

Por outro lado, eles destacam as potencialidades do território, como a presença de um Centro Educacional Unificado (CEU), – onde usam a quadra para jogar futebol e andar de skate – uma pracinha e o próprio Grupo Primavera, OSC que oferece programas educacionais e culturais para cerca de 500 crianças e adolescentes de 6 a 18 anos. No vídeo, eles contam que lá praticam esportes, dança, bordado, teatro, entre outras atividades. 

“No dia a dia, você não tem esse olhar atento para o território. Gravar um curta-metragem faz você enxergar o potencial que existe ali”, reforça Valdirene, coordenadora da OSC executora.  

No caso da Sorri Campinas, o percurso foi um pouco diferente: em vez de se juntarem para gravarem coletivamente – como fez a Casa dos Anjos e o Grupo Primavera –, os 17 participantes gravaram vídeos individuais, mostrando as rotinas e vivências de cada um. No final, a oficineira Juliana juntou os vídeos.

Essa decisão foi tomada porque os usuários da Sorri moram em diferentes regiões de Campinas, o que dificulta o encontro presencial. Apesar do trabalho individual, todos os vídeos foram guiados pela mesma mensagem, reproduzida no vídeo de cada jovem com deficiência: “A minha rotina é igual a de todo mundo, só um pouco diferente.”

Esses jovens gravaram diversos fragmentos da sua rotina: a ida ao trabalho, a caminhada até o ônibus, o movimento das ruas, a visão da janela do quarto, a árvore que traz memórias da infância, as rosas do jardim, entre tantos outros.

Ester Piza, coordenadora da Sorri Campinas, destaca a inclusão social que o audiovisual é capaz de proporcionar: “Às vezes, as pessoas esperam menos dos jovens com deficiência e eles acabam surpreendendo, como aconteceu nesse projeto. Quando você trabalha estimulando o potencial, os limites são superados de uma forma muito tranquila.”

O participante Carlos, após filmar e editar o vídeo das rosas, conclui que os ganhos do CinemAQUI superam os conhecimentos técnicos: “O que eu mais gostei foi gravar o áudio para colocar por cima das imagens porque consegui colocar para fora o que estava sentindo. [Com o projeto] eu aprendi a ir além, sempre buscar aprender coisas diferentes.”

No dia 25 de janeiro, uma live no Youtube da FEAC lançou os curtas-metragens e marcou o encerramento da edição. Assista aos filmes:

Por Laíza Castanhari