Tema abre outubro com um olhar diferenciado para o mês da criança e alerta sobre a necessidade de proteção e cuidado
(Por Laura Gonçalves Sucena)
O Brasil ocupa a segunda posição no ranking de países com maior número de ocorrências de exploração sexual infantil. A cada 1 hora, quatro meninas de até 13 anos são estupradas. 90% dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes são registrados no ambiente familiar. Esses dados estarrecedores servem para mostrar a urgência do debate e de ações contra a violência sexual que assolam nosso país.
Um grupo conectado no combate à violência infantil reuniu-se durante mais uma edição do CinemAQUI, que colocou em pauta o documentário “Um crime entre nós”. O filme traz um olhar provocativo e se soma à luta pelo fim da violência e exploração sexual de crianças e adolescentes. O debate contou com a mediação de Natália Valente, líder do programa Enfrentamento a Violências da Fundação FEAC, e participação da professora e psicóloga, Elânia Francisca; do advogado e representante do Instituto Alana, Pedro Hartung e Itamar Gonçalves, representante da Childhood.
Para abrir as discussões, Sílnia Prado, líder do programa Fortalecimento de Vínculos da Fundação FEAC, lembrou da importância de se falar da segurança das crianças neste mês de outubro. “Este assunto é de responsabilidade de todos nós e o silêncio não ajuda a resolvê-lo. Ao contrário, só o deixa mais velado e obscuro. Quanto mais debatermos e dermos luz a ele, maior o alcance e o engajamento de cada um de nós no enfrentamento e na redução destes casos, que nos envergonham e colocam o Brasil em posições críticas diante do mundo. Com esta ação, usamos o cinema como uma potente plataforma para sensibilizar as pessoas e abrir espaço para um debate que amplia o conhecimento e pode motivar outras ações e mudanças de comportamento.”
Discutindo a violência
Para iniciar o debate, Elânia Francisca falou que vivemos num mundo adultocêntrico, no qual a criança não é levada a sério. Na terra do adultocentrismo só adulto falava, só adulto era ouvido, só adulto era visto como pessoa sabida e parecia tão verdadeira essa ideia que todo mundo achava mesmo que só adulto sabia das coisas. “Corremos o risco de duvidar de crianças e adolescentes quando vivemos numa sociedade adultocêntrica”, falou.
Elânia também falou dos prejuízos no processo de erotização da infância. “Isso ocorre quando a criança é incentivada a falar que está namorando. Criança não namora. Não temos que promover danças sensuais, uso de maquiagem ou outras coisas que não são do mundo infantil. Criança precisa é de uma escuta atenta, de um olhar para ela”, enfatizou.
Para a psicóloga, um fator essencial é a educação sexual. “A criança quando aprende desde cedo a diferenciar carinho de um toque indevido em seu corpo, se conhece e se projeta. A educação sexual não irá sexualizá-la”.
Pedro Hartung, falou da importância de se discutir o tema em tempos de pandemia, uma vez que a maioria dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes ocorre no ambiente familiar.
“As crianças precisam ser reconhecidas como sujeito de direito não só na sociedade, mas também dentro da família”, pontuou. O advogado alertou que a violência sexual afeta todas as crianças, de todas as classes sociais. “ É inadmissível que o Brasil tenha a cada hora, 4 meninas de até 13 anos sendo estupradas. Se isso não chocar, é preciso fazer um exame de consciência. É preciso pensar na nossa omissão como indivíduo, como sociedade e como Estado. A criança precisa ser protegida, isso é o principal, e os adultos precisam ser responsabilizados e afastados da possibilidade de cometer novamente esse tipo de violência”, enfatizou.
“Nós como sociedade e Estado também temos que enfrentar o tema da violência sexual com seriedade. Temos um dever constitucional de garantir os direitos da criança e do adolescente com prioridade. Isso faz com que todos (empresas, organizações, escolas, fundações, hospitais) devam pensar nas crianças em primeiro lugar. Isso significa olhar para esse tema com prioridade”, disse o advogado.
Para Hartung, é preciso cobrar o Estado, e os gestores públicos e parlamentares, e o sistema de justiça, para que eles possam assumir essa luta com prioridade absoluta. “O Estado tem o dever de organizar políticas contundentes contra esse crime. Nossa rede de proteção deve estar integrada no cuidado à criança”.
O representante da Childhood também falou da importância da proteção das crianças e adolescentes e citou a necessidade da sistematização de dados sobre as situações de violência. “Temos que conhecer esses dados, o que realmente acontece, para que possamos fazer propostas que impactem na vida de crianças e adolescentes. Os municípios não sabem quais são as lacunas na proteção das crianças. Com esses dados podemos aprimorar o atendimento”, falou.
Itamar ainda trouxe para o debate a relevância da escuta das crianças. “Quando a criança sofre a violência ela precisa de um espaço amigável e acolhedor para que seja escutada uma única vez por uma equipe técnica devidamente formada e, principalmente, que essa fala fosse de fato registrada para acompanhar todo o processo”, explicou.
Um crime entre nós
Antes de participar da live, todos os interessados receberam um link para assistirem ao documentário “Um Crime entre nós”, produzido e idealizado pela Maria Farinha Filmes, Instituto Liberta e Instituto Alana, com direção de Adriana Yañez. O filme fortalece e amplia um diálogo mais urgente do que nunca: estima-se que a exploração sexual infantil afeta cerca de 500 mil crianças e adolescentes ao ano no Brasil, isso significa que em média, são mais de mil casos por dia. No entanto, apenas 10% são notificados às autoridades, segundo a Childhood Brasil, uma das organizações apoiadoras do filme.
O filme também investiga os motivos que posicionam o Brasil em segundo lugar entre os países com maior número de ocorrências de exploração sexual infantil, segundo a The Freedom Fund. Para Natália Valente, o tema é urgente e deve estar como pauta prioritária nas nossas discussões. “Precisamos enquanto sociedade civil, poder público e família, atuarmos de fato como agentes de proteção dessa criança e desse adolescescente. Temos inumeros gargalos na resposta para o enfrentamento a essa violação de direitos, mas abrir momentos como esse, que nos fazem refletir, unir esforços, pode ser um passo importante para pensarmos em ações eficazes para o combate da violência sexual”, finalizou.
Fortalecimento de Vínculos
O CinemAQUI faz parte do Programa Fortalecimento de Vínculos, iniciativa da Fundação FEAC que investe na qualificação de ações integradas de cultura, esportes e cidadania com o objetivo de prevenir o agravamento da vulnerabilidade social e reforçar os vínculos familiares e sociais protetivos.
Sobre o Enfrentamento a Violências
O programa é uma iniciativa da Fundação FEAC que investe na mitigação dos impactos das violências e no enfrentamento para romper os ciclos que as perpetuam com objetivo de promover o bem-estar e a cultura de respeito, empatia, tolerância e paz.
Saiba mais: https://www.feac.org.br/fortalecimentodevinculos/ https://www.feac.org.br/enfrentamentoaviolencias/