O Brasil vive os anos com a maior população jovem (15-29 anos) da história, mostra a pesquisa do Atlas das Juventudes de 2021. São 47,8 milhões de pessoas nessa faixa etária. Além do direito ao voto, a partir dos 16 anos, como elas podem participar de decisões políticas que impactam suas realidades? Dentre as possibilidades, estão os conselhos de juventude: espaços de participação popular para diálogo, fiscalização e tomada de decisões, formados e comandados por jovens.

Em Campinas, não é preciso ir longe para observar que esses espaços estão em expansão. Em março de 2021, o Programa Juventudes da Fundação FEAC concretizou um desejo antigo: a formação de seu próprio conselho, formado 100% por representantes de organizações da sociedade civil (OSC).

Trata-se de um conselho consultivo, ou seja, uma comissão externa de trocas e aconselhamentos para guiar as estratégias do Programa Juventudes. “Como não podemos estar o tempo todo com todos os jovens, em diferentes territórios, eles que estão nesses diferentes espaços são os nossos olhos, para entendermos de fato as demandas das juventudes”, explica Tatiane Zamai, líder do Programa Juventudes.

O Conselho Jovem do Programa está em fase experimental e é composto por dez jovens que participam ou já participaram de projetos da FEAC. Eles foram convidados por educadores de OSC parceiras para darem os primeiros passos para a formação de um conselho.

Gabriela Araújo, 20 anos, é uma das integrantes. Desde a pré-adolescência ela frequenta o Progen, OSC da região Satélite Íris, onde tomou conhecimento do conselho. “Uma das minhas motivações [para fazer parte] foi ouvir e ser ouvida por outros jovens. Por meio de trocas, eu acredito que a gente consegue observar o que está defasado pelo Estado, conversar e procurar mudanças que sejam tangíveis”, destaca.

O conselho não possui uma estrutura hierárquica, todos os membros estão na mesma posição. Tatiane, da FEAC, prevê que mais para frente eles comecem a se dividir em comitês e grupos de trabalho, assumindo lideranças ocasionais.

Durante as reuniões, que são realizadas mensalmente, e via plataforma virtual até o momento, eles contam com um facilitador da Casa Hacker, organização parceira da FEAC.

A atual fase é de expansão: “Em fevereiro, nossa tarefa é fazer com que mais jovens conheçam o conselho e se interessem em participar. Para isso, vamos fazer um formulário de inscrição para que os jovens do conselho divulguem para outros”, conta Gabriela.

Trocas e reflexões

Os membros do Conselho Jovem do Programa são responsáveis por levantar as pautas de cada reunião, de acordo com suas realidades e necessidades. Até o momento, eles já discutiram questões como saúde mental na pandemia, racismo, violência policial, trabalho e renda, empreendedorismo e propósitos para o futuro.

Gabriela avalia que há uma grande desesperança quando o assunto é oportunidades de trabalho, principalmente entre os jovens de territórios mais vulneráveis. “Nas reuniões, nós já discutimos que a desigualdade é uma das dificuldades para essa inclusão [no mercado de trabalho]. Durante a adolescência, muitos jovens não conseguem concluir o ensino básico ou se capacitar para se sair bem numa entrevista de emprego”, reflete a jovem.

Durante as reuniões, Tatiane explica que a FEAC sistematiza todas as reflexões geradas, a fim de direcionar melhor os projetos. Em 2022, por exemplo, o programa está construindo novas estratégias para a inclusão socioprodutiva de jovens. “Nós estamos considerando tudo o que eles já trouxeram: seus medos, necessidades, desafios e potências. Tudo isso vai influenciar diretamente na construção do plano estratégico de cada ano do Programa Juventudes”, pontua a líder.

Conselhos no Brasil: inspirações

Dentre as inspirações para a criação do Conselho Jovem do Programa, estão os conselhos de juventude na esfera pública: são órgãos que podem existir nos âmbitos municipais, estaduais ou nacional, e têm a função de discutir e deliberar a respeito de políticas públicas da juventude.

Para entender a importância dos conselhos é necessário contextualizá-los no regime democrático, como explica Paulo Afonso Garrido de Paula, procurador de Justiça. A democracia pressupõe a soberania popular, ou seja, o povo exerce o poder, como garante a Constituição Federal de 1988.

“Historicamente, a soberania popular foi desenvolvida pela representação. Como o povo participa do governo? Por meio da escolha de pessoas que possam representá-lo. Porém, isso se mostrou insuficiente ao longo dos anos”, analisa Paulo Afonso.

Os conselhos dão um passo a mais nesse sentido, uma vez que são expressões da democracia participativa. “Quando se cria um conselho, o governante está partilhando o seu poder”, diz o procurador.

Paulo Afonso também é um dos redatores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, o primeiro instrumento jurídico que regulamenta os conselhos ligados à infância e juventude. O ECA estabelece que os conselhos sejam deliberativos (tenham o poder de tomar decisões) e paritários (integre 50% de representantes do poder público e 50% da sociedade civil).

“Todo município que inova e dá poder ao povo para deliberar sobre determinados assuntos, mais se aproxima da ideia de que a democracia se exerce diretamente”, diz Paulo Afonso.

Jovens nas políticas públicas de Campinas

Em Campinas, essa inovação já aconteceu: em 2015, uma lei municipal criou o Conselho Municipal da Juventude, de caráter consultivo e deliberativo. Isso significa que o Conselho possui a função de fiscalizar e aconselhar as políticas de juventude, além de tomar decisões.

A praça Pastor Alessandro Monare, rebatizada de “Praça da Juventude”, marca uma das principais conquistas do conselho: logo na primeira gestão, os membros pressionaram a prefeitura para retomar a obra, localizada no bairro DIC 5, que estava abandonada. Em 2018, a praça foi concluída.

“A ideia do conselho é dar voz à juventude de Campinas que há muito tempo lutou pela sua consolidação, desde a época do movimento ‘pró-conselho da juventude’, composto por movimentos de jovens de diversas organizações”, explica Dário Saadi, prefeito do município. Ele se refere a movimentos da juventude que se intensificaram no início dos anos 2000, por todo o país.

Em 2013, a criação do Estatuto da Juventude (lei federal que dispõe sobre os direitos dos jovens) foi uma conquista que pressionou ainda mais a criação de conselhos municipais. “Para a criação do conselho em Campinas, o prefeito na época teve muita vontade política, mas também houve todo esse movimento de cobrança e mobilização social”, reforça Felipe Gonçalves, de 29 anos, vice-presidente do conselho e coordenador de políticas públicas para juventude de Campinas.

O Conselho Municipal da Juventude é formado por 24 membros: 12 representantes do poder público e 12 representantes da sociedade civil, ligados à OSC ou movimentos sociais. Além disso, há a diretoria formada por quatro membros, que são escolhidos por votação interna.

Os representantes do poder público são nomeados pelos chefes das secretarias municipais (secretaria de educação, cultura, trabalho e renda, entre outras), enquanto os da sociedade civil participam de uma eleição, a cada dois anos, onde qualquer morador de Campinas, a partir de 15 anos, pode votar.

Para participarem da eleição, os jovens precisam ter vivências com políticas da juventude, seja por meio de organizações da sociedade civil ou de movimentos sociais, como grêmios estudantis.

“O conselho acabou se tornando uma rede de organizações que consegue pensar projetos em conjunto e falar uma língua só na questão da política de juventude”, observa Felipe.

Diálogo produtivo

Membros do Conselho Jovem do Programa Juventudes, da FEAC, e do Conselho Municipal da Juventude de Campinas encaminharam à FEAC perguntas para o prefeito Dário Saadi. As questões foram elaboradas de forma coletiva pelos dois conselhos e focadas em políticas para juventude. Confira a entrevista. 

Conselho Jovem do Programa Juventudes Eu acredito que, para atuar em políticas para juventude, você tem que conhecer a juventude. O que o poder público pode fazer para conhecer melhor a juventude de Campinas? 

Dário Saadi – No Conselho Municipal da Juventude, todos os representantes do poder público são pessoas que atuam com a política da juventude, pois essas políticas acontecem em várias secretarias (educação, esporte, cultura, entre outras). É claro que sempre há muito a aprender, para conhecer as diversas realidades dos jovens de Campinas. A nossa grande aposta é no diálogo entre a sociedade civil e o poder público para que essa interação aconteça com mais frequência e assertividade.  

Conselho Jovem do Programa Juventudes Para os jovens que moram em comunidades de Campinas, questões de violência policial são um agravante e causam sensações de insegurança. Como as políticas municipais podem ajudar nessa questão? 

Saadi – É importante lembrar que as polícias militar e civil são gerenciadas pelo governo de São Paulo. Contudo, a Guarda Municipal de Campinas atua com projetos comunitários de prevenção à violência e passa por capacitações continuadas sobre diversos temas relacionados às abordagens de diversos públicos, incluindo temáticas de gênero e raciais. Além disso, políticas de promoção e desenvolvimento social, educacional, econômico e cultural da juventude são ferramentas para diminuir as vulnerabilidades e, consequentemente, o cenário de violência policial.  

Conselho Jovem do Programa Juventudes e Conselho Municipal da JuventudeNos bairros distantes do centro, quase não existem opções de lazer para jovens e, quando há, não recebem a manutenção adequada. O que pode ser feito para se avançar nas pautas de infraestrutura em espaços públicos, como praças, parques e centros de convivência? 

Saadi – Nos últimos anos, a prefeitura tem feito grandes investimentos em áreas de lazer, tais como parques e praças em todas as regiões de Campinas. O Parque Dom Bosco, que é maior que a Lagoa do Taquaral, Praça da Juventude, Centros Educacionais Unificados (CEUs) são exemplos de como os equipamentos de lazer e convivência podem mudar a realidade das periferias.  

Conselho Municipal da Juventude Em 2022, quais ações estão sendo encaminhadas para a manutenção dos estudos dos jovens, com segurança, considerando esse cenário pandêmico? 

Saadi – No âmbito da educação municipal, incluindo ensino fundamental I e II, Educação de Jovens e Adultos (EJA), cursos técnicos e profissionalizantes (através da FUMEC), estão sendo cumpridos rigorosamente todos os protocolos sanitários de prevenção à Covid-19. Distribuímos chips com conexão de internet e notebooks para alunos e professores do ensino fundamental, implantamos o Google Sala de Aula e o Aplicativo EducaSaúde para monitorar os sintomas, em parceria com Ministério Público do Trabalho, Unicamp, Devisa e Secretaria Municipal de Educação.  

Conselho Municipal da JuventudeO que tem sido feito, no âmbito do poder público, para incentivar a participação popular e a mobilização social dos jovens em atividades culturais e artísticas? 

Saadi – Em 2021, foi lançado o Prêmio Cultura Presente, que premia moradores de Campinas que vivem de cultura. Em um dos módulos, constou a categoria “Juventude Criativa” para reconhecimento de jovens entre 16 e 29 anos, atuantes em diversos segmentos culturais. Foram contemplados mais de 100 jovens, com R$ 1,9 mil cada. Neste ano, queremos seguir com a iniciativa.  

 

 

Novo mandato

A nova gestão do conselho municipal tomou posse no dia 2 de fevereiro. É a chance de dar continuidade ao trabalho desenvolvido pela gestão 2020/2021, que Felipe considera que foi bastante prejudicada pela pandemia.

Suspensas em 2020, as reuniões foram retomadas em fevereiro de 2021, de forma virtual, devido à mobilização de seus membros. Apesar do “tempo perdido”, Felipe considera que o legado dessa gestão é o Papo Reto, projeto iniciado durante a pandemia, que promoveu encontros virtuais e temáticos com mais de 400 jovens de diferentes OSC, conduzidos pelo conselho. Os encontros foram pautados nos eixos do Estatuto da Juventude, como direito à educação, profissionalização, cultura e diversidade.

Agora, cabe à nova gestão seguir com o projeto. Emanuel Leite, representante da organização Progen, é um dos novos eleitos. O jovem, que quer ser educador social ou professor no futuro, acredita que o conselho é uma oportunidade de mostrar que adolescentes podem, sim, ser cidadãos ativos.

Aos 15 anos, ele pretende dar o exemplo e propor avanços na área dos esportes. “Eu acho que em Campinas temos uma decadência muito grande nos esportes. Os jovens não procuram por isso e os bairros não oferecem opção. Levando isso ao conselho, já é uma esperança de mudança”, diz o adolescente.

Para a nova gestão, Felipe, que atuou como vice-presidente na gestão anterior, conta que pretende propor a criação do Plano Municipal de Juventude, visando um planejamento para os próximos dez anos. “A política da juventude está em diversas secretarias, e a ideia do plano é abranger todas elas. Por exemplo, na secretaria do esporte, quais metas e ações precisamos cumprir em dez anos? Eu avalio que agora já temos maturidade para isso”, diz o jovem, que participa do conselho desde a sua criação.

O vice-presidente também é otimista em relação ao conselho se aproximar mais de organizações da sociedade civil, inclusive da Fundação FEAC e suas OSC parceiras. Em 2021, por exemplo, foi a primeira vez que ambos se uniram para organizar a Semana da Juventude, realizada na semana do dia 12 de agosto (Dia internacional da Juventude). Ao todo, foram 33 atividades virtuais voltadas à população jovem e mais de 2000 participantes.

“Para nós, estar em contato com organizações de Campinas é fundamental, porque muitas vezes elas estão presentes em regiões muito vulneráveis onde o poder público não chega. Quanto mais potencializarmos esse trabalho, melhor será para atender as necessidades das políticas públicas”, conclui Felipe.

Por Laíza Castanhari