Por Frederico Kling
Poucos negariam o papel que a cultura pode ter no desenvolvimento territorial. Mas há uma pergunta importante a fazer. Do que falamos quando abordamos cultura como estratégia de impacto?
“Para promover o desenvolvimento, a cultura precisa ser encarada de uma maneira mais ampla do que das linguagens artísticas. Promover ações pontuais, ainda que importantes, como grupos de teatro ou rodas de percussão não traz necessariamente uma agenda de desenvolvimento para as comunidades”, alerta a consultora Marta Porto, que atualmente lidera uma consultoria própria e já foi secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do extinto Ministério da Cultura.
Para ser um instrumento de desenvolvimento, as políticas de cultura devem, segundo Marta, atuar de forma sistêmica. “Isso significa entender tudo o que forma a prática e os arranjos comunitários, como o tempo que as pessoas dedicam a criar seus filhos, a trabalhar e a se deslocar, e as formas de convivência e ocupação do tempo livre. A Rocinha [comunidade na Zona Sul do Rio de Janeiro], por exemplo, tem o maior contingente de trabalhadoras domésticas da cidade. O que isso significa para essas mulheres, em termos comunitários, para seus filhos e filhas, para a sociedade e para as políticas públicas?”
Além disso, a consultora ressalta a necessidade de que qualquer iniciativa cultural também seja capaz de organizar consensos entre os atores locais caso busque atingir um desenvolvimento que afirme o espaço comum como aquele capaz de promover justiça social e oportunidades concretas.
Da cultura à horta
Fazendo coro com Marta, Sílnia Prado, líder do Programa Fortalecimento de Vínculos, da Fundação FEAC, aponta que “cultura é tudo o que envolve um povo, como a gastronomia, o artesanato, os legados da paisagem urbana e a arte”.
Foi para lidar de maneira integral com o conceito de cultura que a Fundação criou, em 2017, o UrbanizArte. Seu objetivo é promover atividades gratuitas em Campinas (SP) com foco em esportes, artes e cidadania, criando, assim, um momento e um espaço de convivência e de encontro comunitário.
“A cultura trata de identidade, ou seja, com a maneira como as pessoas se enxergam, produzem e se identifica. Cultura também trata de inclusão, de pertencimento e de reconhecimento, de como a identidade se encaixa num grupo, em um espaço”, diz Sílnia.
Dentre as 23 edições do projeto, uma em especial é exemplar tanto da visão ampla de cultura, citada por Marta, quanto da prática capaz de lidar com identidade e pertencimento.
“No bairro Parque São Quirino, uma praça divide um território rico e outro vulnerável. Havia uma preocupação entre os envolvidos sobre como esses públicos iam acolher um ao outro quando fizemos uma edição ali”, lembra Sílnia.
No dia do UrbanizArte, os moradores com mais recursos financeiros produziram e ofereceram pedaços de bolo ao longo de todo o encontro. Essa aproximação estimulou o convívio entre os todos os moradores. “Depois deste dia, a relação saudável cresceu e agora compartilham uma horta coletiva que atende a todas as pessoas.” E este é só um dos inúmeros exemplos.
Cultura e estilingues
Um dos principais efeitos do uso da cultura enquanto estratégia de desenvolvimento territorial é o estímulo à criação de laços. “Ao criar maneiras de convívio, as pessoas se reconhecem no espaço e acabam entendendo outras necessidades locais e maneiras de construir redes para buscar soluções”, afirma Sílnia.
Às vezes, os agrupamentos surgem em torno dos temas mais surpreendentes, como eventos de carrinhos de rolimã. “Hoje, é a comunidade que organiza essas corridas. Isso é importante porque significa que ela assumiu para si a responsabilidade, o que era um dos objetivos do UrbanizArte. Mensalmente, cerca de 1.200 pessoas participam.”
Ainda mais surpreendente foi a descoberta de uma associação de entusiastas do estilingue. “Eles montaram um stand para promover a prática, e foi um enorme sucesso. Isso é valorizar as potências locais e, com isso, encontrar sinergias entre as pessoas para, com o tempo, se entenderem como grupo e superarem desafios.”
UrbanizArte: experiência contada em livro
A experiência de quatro anos do UrbanizArte acaba de ser sistematizada em um livro que será lançado em março pela Fundação FEAC. A ideia é que os aprendizados das 23 edições já realizadas do projeto ajudem as comunidades e também estimulem organizações e lideranças de outras geografias a se apropriar desse método de trabalho e de engajamento social.
“A cultura para o desenvolvimento territorial precisa de uma agenda que reconheça em cada território potencialidades e diferenças que contribuam para que todas as políticas acessórias – econômicas, urbanísticas, sociais – considerem esses recursos, esses talentos”, ressalta Marta Porto Esse é um dos grandes objetivos do UrbanizArte.
Edição 2 – Desenvolvimento territorial
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