Nos Jogos Paralímpicos de Tóquio, o Brasil vibrou com seu maior atleta e também se despediu dele: Daniel Dias. Aos 33 anos, o nadador soma 27 medalhas em jogos, incluindo 14 de ouro, e mantém o posto de maior medalhista paralímpico brasileiro.
Dentre as conquistas de Daniel, também está o “Laureus do Esporte Mundial”, prêmio considerado o “Oscar do esporte”, como melhor atleta paralímpico. Ele venceu três vezes a premiação, único brasileiro a conseguir esse feito.
O nadador encerra sua história competitiva com a tranquilidade do sucesso e com a determinação de continuar na luta pela inclusão. A deficiência é uma característica, mas não define quem a pessoa é. Essa é a mensagem que ele quer passar adiante.
“Para a minha carreira, o fato de eu ter ou não deficiência não é relevante. Eu fui um atleta. E um atleta de alto rendimento. A minha deficiência não me ajudou ou atrapalhou nessa jornada. Eu fico extremamente feliz com esse feito na história do esporte brasileiro e espero inspirar mais atletas também”, afirma.
De Tóquio, Daniel voltou para casa com três medalhas de bronze e foi escolhido pelo Comitê Paralímpico Brasileiro para ser o porta-bandeira do Brasil no encerramento da competição. “Foi uma grande honra e uma forma muito bonita e simbólica de encerrar a minha carreira. Fiquei muito emocionado com os meus momentos em Tóquio”, declara.
Nem bem encerrou sua trajetória como atleta, Daniel Dias já tem uma nova missão no esporte. Durante os jogos, foi anunciado como membro do Comitê Paralímpico Internacional (CPI), no qual vai atuar até os Jogos Paralímpicos de Paris, em 2024. Ele espera ser uma voz dos nadadores dentro da organização, por considerar que o comitê precisa ouvir mais os atletas.
O início do sonho
Daniel nasceu em Campinas com uma má formação congênita nos membros superiores, na perna direita e no pé esquerdo. Morou durante sua infância e adolescência com a família em Camanducaia (MG). Apesar da deficiência física, ele afirma que viveu a infância como qualquer criança.
Sempre muito ativo, jogava futebol, vôlei e basquete na escola, porém desconhecia que existia uma competição esportiva voltada para pessoas com deficiência. A descoberta se deu aos 16 anos, ao assistir pela TV aos Jogos Paralímpicos de Atenas. “Quando eu vi o Clodoaldo Silva ganhando medalhas para o Brasil, em 2004, eu também quis ser atleta”, lembra.
Naquele ano, Clodoaldo conquistou seis medalhas de ouro para a natação do Brasil. E Daniel recebeu o apoio dos pais para ir atrás do seu desejo. A família procurou a Associação Desportiva para Deficientes (ADD), em São Paulo, onde recebeu orientações sobre o esporte adaptado.
“Eu sempre fui fã de atividade física e brinquei de tudo. Por mim eu seguiria no futebol ou basquete. Mas, quando me explicaram que eu não era elegível para essas modalidades no paralímpico, segui com a natação”, conta.
E foi na piscina que Daniel se encontrou como atleta de alto rendimento: em apenas oito aulas, aprendeu a nadar. Um ano depois, participou da sua primeira competição, em Belo Horizonte (MG), onde saiu vencedor. “Tive a certeza de que seguiria na carreira quando ganhei a minha primeira medalha, um bronze no Campeonato Brasileiro, em 2005. Senti que o esporte poderia me ajudar a realizar meus sonhos”, relembra.
Chegada às Paralimpíadas
Quando Daniel assistia aos Jogos de Atenas mal imaginava que, quatro anos depois, estaria no mesmo lugar que seu ídolo. Em 2008, logo na sua estreia nas Paralimpíadas, em Pequim, conquistou nove medalhas e se tornou o atleta com mais conquistas em uma única edição dos jogos. Depois, vieram os Jogos Paralímpicos de Londres (2012), Rio (2016) e Tóquio (2021).
Daniel considera que os Jogos do Rio representaram um marco nos esportes paralímpicos do Brasil por causa da visibilidade que os atletas tiveram no país. Por outro lado, ele avalia que ainda falta muito em termos de investimento e reconhecimento. “É preciso ter mais divulgação na mídia sobre os esportes, sobre os eventos e também mais interesse das empresas em patrocinarem os atletas”, aponta.
Esporte: expressão e inclusão
O atleta avalia que, além de todos os prêmios, seu legado é inspirar outros meninos e meninas a conquistarem seus pódios. “Assim como eu me inspirei no Clodoaldo para começar no esporte, sei que muitos já se inspiraram em mim também e acho que esse é o caminho: termos mais exemplos a serem seguidos e cada vez mais mostrar para as pessoas com deficiência que elas podem ser campeãs na vida também.”
Na natação, Daniel afirma que nunca esbarrou com preconceitos, pelo contrário. “Acredito que o preconceito tenha sido mais na época da infância. O esporte me ajudou bastante nesse quesito, inclusive. O atleta se sente completo e com infinitas possibilidades à sua frente, com conquistas que refletem o seu potencial enquanto pessoa.”
Pensando em fazer mais pelo esporte paralímpico e pelas pessoas com deficiência, em 2014, o atleta fundou o Instituto Daniel Dias, em Bragança Paulista, cidade onde morava na época com sua esposa e três filhos.
O objetivo é usar o esporte como ferramenta de inclusão social, oferecendo treinos de natação para pessoas com deficiência desde a iniciação até o alto rendimento. Atletas do instituto participam de competições nacionais e internacionais da modalidade.
“O esporte é uma potente ferramenta para transformar este cenário de preconceito que ainda existe”, ressalta.
Hoje, recém-aposentado das piscinas, Daniel planeja se dedicar ainda mais na luta pela inclusão. O próximo passo é expandir as atividades do instituto e inaugurar uma unidade em Atibaia, sua atual cidade.
“Eu espero que o instituto possa servir como ponte para realizações. Não espero necessariamente que todos sigam para o alto rendimento, esse nem é o foco, mas gostaria que mais pessoas pudessem ter oportunidades”, almeja.