Diálogo resultará em um manifesto a ser entregue ao prefeito eleito
Por Laura Gonçalves Sucena
Mais um evento da 11ª Semana da Educação de Campinas , que acontece até o dia 23 de outubro com a finalidade de ser um espaço de voz para quem está na sala de aula e de conexão com o poder público, agitou o mundo acadêmico. Dessa vez, os professores das escolas municipais e estaduais de Campinas, soltaram a voz e falaram sobre os desafios do ensino.
A escuta com os professores foi realizada a partir de três questões norteadoras: garantir a alfabetização na idade certa; superar a evasão no ensino médio e implementar tecnologias e metodologias ativas. O objetivo é construir um manifesto, com as demandas e necessidades levantadas pelos profissionais levando-se em consideração o panorama pandêmico e pós pandêmico, que será entregue ao prefeito eleito.
Mediado pelas especialistas em educação Flávia Vivaldi e Elvira Pimentel, os encontros abordaram o momento atual que estamos passando, levando em conta a pandemia do Coronavírus. “O momento reforça a vulnerabilização da sociedade e quem trabalha com educação não pode se distanciar dessas situações de desigualdade. Além disso, existe o fator de impacto psicológico, e nosso estado mental se encontra como uma montanha russa”, disse Flávia.
Ansiedade e aprendizagem
Flávia apresentou dados de uma pesquisa do Instituto Península sobre o sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do Coronavírus no Brasil. Os dados mostram que a grande maioria dos professores estão ansiosos, sobrecarregados, estressados e cansados. “Os professores continuam se sentindo ansiosos. No período anterior, ou seja, nos primeiros meses da pandemia, apenas 32% se sentiam sobrecarregados, agora são 53%, por exemplo”, explicou.
Atualmente, a maior preocupação do professor está relacionada à saúde mental de seus alunos. No começo da pandemia a preocupação era referente à saúde de seus familiares. “Isso mostra a nobreza e a competência do altruísmo dos professores”, comentou Flávia.
Com relação à área pedagógicas, a pesquisa mostra que a maioria dos professores estão focados em atividades à distância. Além disso também há uma busca por diferentes conteúdos e formações online. O Whatsapp segue como ferramenta mais utilizada nesta interação aluno-professor.
A insegurança com relação a volta às aulas permanece. De acordo com a pesquisa, o nível de conforto em relação ao retorno das atividades presenciais é de 1,07%. “Ou seja, não há segurança por parte dos professores que denote tranquilidade. Não há condições sanitárias adequadas e infelizmente, é fato que a educação em nosso país não é valor nacional”, comentou Flávia.
Principais mudanças
A pesquisa também aponta que antes da paralisação das aulas presenciais, 88% dos professores nunca tinha dado aula à distância de forma remota. Além disso, 83% declararam que não se sentiam preparados. Hoje, 94% dos professores reconhecem a importância da tecnologia para a aprendizagem.
Entre abril e maio, 74% dos professores gostariam de treinamento para o ensino à distância. Atualmente, apenas 49% indicam que a falta de formação é um desafio para o ensino remoto. “Os professores se viraram, aprenderam e fizeram a diferença, mas estão sobrecarregados porque além de tudo isso, eles estão acolhendo as angústias dos alunos e das famílias. E essa escuta tem que ser empática e respeitosa e com uma fala ética”, pontuou Flávia.
A partir dos dados apresentados e do cenário atual, as mediadoras pediram para os professores falarem sobre os sentimentos que eles têm em relação aos temas norteadores. Com relação à evasão, as palavras mais citadas foram: tristeza, desafio, impotência, preocupação, angústia e necessidade de trabalho. Já com relação ao uso das tecnologias e metodologias, foram citadas: desafio, superação, inovação, aprendizagem e curiosidade. No que se refere à alfabetização, as palavras foram: benefício, desafio, sucesso, preocupação.
Soltando a voz
Para os professores, o encontro foi positivo e abriu um espaço de diálogo necessário para fortalecer e exercitar as relações e parcerias. Todos os participantes das redes estadual e municipal ouvidos também irão responder a um questionário que será a base de um manifesto com as demandas e necessidades apontadas, e será entregue ao futuro prefeito eleito.
Fúlvia Santana, professora da Escola Estadual Jamil Gadia, conta que a pandemia trouxe um grande desafio tanto para os professores quanto para os alunos. Para ela, o maior desafio é fazer com que o aluno participe das aulas online e se sinta motivado. “Além de me sentir desafiada a utilizar a tecnologia, acredito que esse diálogo com o aluno e com sua família é essencial. Precisamos de todos perto para um melhor resultado”, falou.
Para a professora mediadora da EE Paulo Luiz Decourt, Márcia Spezi, a valorização salarial e da carreira são essenciais. “São várias questões que surgiram durante a pandemia. Temos que ter condições de nos capacitar no horário de trabalho. Isso é essencial”, pontuou. A professora também falou que as questões emocionais e materiais muitas vezes são precárias e isso atrapalha o trabalho. “Falta estrutura na escola, nas casas dos alunos e nas nossas. Essa é uma realidade escancarada pela pandemia”, acrescentou.
“A política de valorização do professor não é somente salaria. O professor precisa de condições de trabalho, de tempo e de disposição para investir no conhecimento. Precisamos pensar em atingir o máximo dos alunos e também de nós mesmos”, completou a professora Carolina Brito, da Jamil Gadia.
Angélica Pereira, professora coordenadora do núcleo pedagógico da Diretoria Leste, acredita que o maior desafio é a acessibilidade, inclusive a tecnológica. “Precisamos construir uma escola diferente agora que estamos trabalhando remotamente. Os professores estão lutando muito, se doando ao máximo porque amam o que fazem. A escola tem que mudar e esse é o nosso nó”, enfatizou.
Aziz Ramos, diretor da Escola Municipal Oziel Alves Pereira, participou lembrando que é necessário que os professores, coordenadores e diretores participem das discussões das políticas públicas da educação. “Esse é um espaço de discussão que temos que ocupar porque o gestor público não pode discutir educação sem o nosso olhar, o olhar de quem está todos os dias na escola. Temos que mostrar que temos a capacidade de falar sobre o que acontece no lugar que conhecemos, que fazemos parte”, pontuou.
“Falta uma política pública dirigida à escola e essa discussão precisa virar rotina. Temos que estar atentos e participar da escuta política educacional de nossa cidade. E acredito que nosso projeto político pedagógico para 2021 tem que ser outro, porque muita coisa mudou. A escola mudou”, finalizou Aziz.
Para a mediadora Elvira, realizar a escuta ativa dos professores de Campinas foi uma oportunidade de reflexão sobre o nosso papel político enquanto educadores . “Escutamos sobre as dificuldades diante dos desafios da evasão, alfabetização na idade certa e uso das metodologias ativas e tecnologias, mas para além disso escutamos falas propositivas, ou seja, do que fazer diante dos desafios apresentados”, comentou.
Para Elvira, os encontros foram oportunidades para que as pessoas que vivem a escola ocupassem seus espaços legítimos de fala sobre a educação, espaços de proposição de políticas públicas coerentes com as necessidades reais do cotidiano, espaços frequentemente ocupados por quem não está vivenciando a educação. “A escola precisa ser também este espaço democrático para que possamos, progressivamente, transformar a cultura de participação, sendo cada vez mais latente a vontade de todas e todos da comunidade escolar de soltar as suas vozes”, acrescentou.
“Precisamos de uma escola que comporte todas as transformações que este momento fomentou e isso requer mudanças de concepção e infraestrutura em nível micro (nas escolas) e em nível macro (nas políticas públicas para a educação). Sabemos que muitos são os desafios da educação, mas vimos mais uma vez nesses encontros, que as propostas e a vontade de superação de obstáculos dos educadores são ainda maiores. Vimos professores com consciência do seu papel político, que não fogem a luta e por isso buscam políticas públicas que contemplem e consolidem a educação de qualidade que já constroem em seus cotidianos”, finalizou Elvira.
Semana da Educação
A 11ª Semana da Educação de Campinas acontece de 19 a 23 de outubro como um espaço de voz de quem está na sala de aula, especialistas, candidatos e de conexão com o poder público. O evento, já consolidado na agenda da cidade, é um movimento suprapartidário organizado pelo Comitê de Governança, composto pela Fundação FEAC, Fundação Educar DPaschoal, Secretaria Municipal de Educação de Campinas e Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, por meio das Diretorias de Ensino Leste e Oeste de Campinas.
O objetivo da iniciativa é mobilizar a sociedade para o diálogo sobre a educação pública, colocando o tema em evidência e reconhecendo que a educação deve ser um projeto de política pública, contribuindo assim para um ensino/aprendizado cada vez melhor.
A realização da 11ª Semana da Educação tem o patrocínio da Fundação Educar DPaschoal e Iguatemi Campinas.
Saiba mais em: semanadaeducacao.org.br