Por Laura Gonçalves Sucena
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) determina que os dois primeiros anos do ensino fundamental tenham como foco o processo de alfabetização. Isso significa que nesse período a criança passe a dominar o sistema de escrita e seja capaz de ler e escrever textos. Mas qual seria realmente a idade certa para a alfabetização? Essa questão norteou o debate da live Alfabetização na Idade Certa, promovida durante a 11ª Semana da Educação de Campinas.
Mediada pela especialista em educação Anna Penido, o encontro virtual reuniu a coordenadora pedagógica Maria Teresa Cruz de Moraes, e Renata Frauendorf, coordenadora de projetos do Instituto Avisa lá, que logo no início já levantou outra questão: existe idade errada?
Renata explicou que a alfabetização na idade certa vem do programa desenvolvido no Ceará que, devido aos bons resultados, inspirou o MEC para que fosse colocado em prática. A ideia é que a alfabetização aconteça até o final do segundo ano do ensino fundamental.
“Mas há muitas questões a serem pensadas. Nós como sociedade e profissionais da educação temos que nos indignar com a situação dos alunos que chegam ao 5º ou 6º ano sem uma compreensão do funcionamento do sistema de escrita. Se não há uma idade certa, existe o desejo que esses meninos e meninas não passem tanto tempo na escola e cheguem ao final de um ciclo com tantas questões”, pontuou Renata.
Teresa lembrou que a alfabetização é um processo que começa muito cedo. “O Pacto Nacional para a Alfabetização coloca um prazo limite até o 3º ano e a BNCC antecipou para o 2º ano. Mas como disse Renata, se a gente acreditar que existe uma idade certa, como fica a EJA (Educação para Jovens e Adultos)? Então temos que nos perguntar qual é a hora certa! E sabemos que não tem uma hora certa porque a oportunidade e o acesso é que permitem a alfabetização. O melhor momento é a partir das condições que foram oferecidas para a criança. A alfabetização não começa na escola, vem muito antes”, acrescentou.
Condições para a alfabetização
Teresa falou sobre a importância da relação do aluno e professor. “Para que alfabetização aconteça, temos que ter a criança e a relação professor aluno deve ser saudável. O aluno precisa estar presente, e tem que haver o olho no olho. Nessa relação é necessário haver o acolhimento, o protagonismo, a valorização, o diálogo, a empatia. Também temos que estar atentos a avaliação diagnóstica porque ela irá subsidiar a tomada de decisões. O planejamento tem que ter foco nas habilidades a serem desenvolvidas”, disse.
A coordenadora também falou sobre as mudanças que estão acontecendo na educação. “As crianças não são mais as mesmas. Temos que pensar nas práticas inovadoras porque a comunicação e a aprendizagem mudaram. Temos também nas salas de aulas as crianças com deficiência, então esse olhar tem que ser diferenciado”, disse Teresa.
Renata também frisou a importância da presença do estudante e citou que no período pós-pandemia será necessário um esforço ainda maior na busca ativa pelos alunos. “Para que o aluno se alfabetize ele precisa de alguma forma estar na escola, seja presencialmente ou virtualmente. Muitos alunos se distanciaram da escola por diversas razões e temos que ter esse olhar e realizar essa busca. A questão da presença é fundamental”.
Para Renata, a alfabetização é um processo que se inicia desde antes dos pequenos irem à escola ou pré-escola. “Desta forma temos que pensar na garantia de vagas para essas crianças na educação infantil. Pensar em alfabetização não é somente pensar em um sistema de escrita. Já sabemos que as experiências vividas pelas crianças na pré-escola, na creche, experimentando a arte, a música, a natureza, possibilitam estabelecer relação com a escola, com o ensino fundamental”, falou.
Formação
A questão da formação e valorização dos professores também foi pauta do encontro virtual. Teresa citou a necessidade de uma formação continuada. “São oferecidos cursos, mas percebo que muitos são breves e muitas vezes o professor não tem condição de arcar com essas despesas. Pela minha experiência, os cursos gratuitos são breves demais e os educadores acabam tendo dificuldade de colocá-los em prática. O conteúdo não vai ao encontro da necessidade dos profissionais. As turmas são diferentes, elas mudam. Então precisa haver um olhar diferenciado para o professor alfabetizador”.
A coordenadora ainda lembrou que muitos cursos de qualidade são oferecidos aos coordenadores, mas que é essencial que os professores também tenham a possibilidade de vivenciar essas formações. “E temos que lembrar que hoje a formação tecnológica é essencial e acabamos sentindo isso na pele na pandemia”, falou Teresa.
Renata lembrou que um grande desafio é pensar na formação continuada dos diferentes atores que estão na escola.
“As necessidades do professor são diferentes da do diretor que são diferentes do coordenador. Não pode ser uma coisa pasteurizada. E agora temos que focar, mais do que nunca nesse pós-pandemia, no aluno que de alguma forma não conseguiu concluir seu processo de ensino e aprendizagem. Pensar em como a rede irá atuar nisso como um ponto a ser perseguido”.
Outro ponto citado foi as parcerias que podem ser realizadas. Renata citou que a parceria com a universidade é sempre muito bem-vinda e que ambas têm muito a contribuir umas com as outras.
Políticas complementares
Eleições municipais significam pensar a cidade como um todo e a educação é uma política prioritária. Desta forma, a live trouxe outros questionamentos: que outras condições precisam acontecer para que o professor de alfabetização ocorra a contento? Que outros atores da cidade precisam ser mobilizados para uma política mais intersetorial?
Teresa acredita que para o retorno às salas de aula muitos dados devem ser levantados. “Acredito que a saúde terá que atuar e a escola deverá pensar primeiro que muitos pais estão com medo dessa volta e isso já traz um trabalho a ser realizado. Então a escola terá que pensar nessa parceria intersetorial. Os equipamentos sociais do território terão que se unir ainda mais. As parcerias serão essenciais”.
Entre os principais desafios estão justamente a construção e a implementação de políticas que possam gerar a transformação de currículos, práticas pedagógicas e ambiente escolar.
Aprendizados e legados
Se a educação já vem passando por uma transformação, inclusive no que se refere às tecnologias, o processo acabou sendo impulsionado pela pandemia, que modificou também as formas de aprendizado, a participação da família e as relações sociais.
“Foi um período muito difícil, mas que realmente trouxe aprendizados. Já deveríamos estar pensando em tecnologia há tempos. Aprendemos que ela veio para ficar e não é nossa inimiga, ela veio para auxiliar. Muitos professores aprenderam a lidar com a tecnologia e sabem que é muito importante. Outra coisa positiva é o trabalho colaborativo que nunca esteve tão evidente. Também foi muito importante a família presente nos estudos de seus filhos. Sempre esperamos esse comprometimento da família e isso aconteceu”, disse Teresa.
Renata acredita que olhar para o processo e pensar no que aprendemos é fundamental. “Uma das principais questões que percebo é que a mudança de espaço e de tempo foi muito radical para os professores. Nosso tempo sumiu, os professores estão presentes o tempo todo nesse mundo digital. Então, acredito que a pandemia acabou sendo uma ótima situação problema no sentido que nos deslocou de tempo e espaço e nos fez pensar em alternativas”.
Para Renata houve muitas iniciativas de acesso e isso é um ponto a ser considerado. Tem que haver um mapeamento desses estudantes que têm acesso e que têm ferramentas digitais. Esse é um ponto que pode e deve ser considerado nos governos.
As especialistas também falaram da importância de socializar as boas práticas que ocorreram tanto nas escolas, quanto nas famílias, do investimento na tecnologia e na necessidade de escuta dos estudantes para um diálogo cuidadoso. “Os pais precisam confiar na escola e em seus filhos e acreditar que tudo irá melhorar. E os professores precisam saber que não estão sozinhos”, finalizou Teresa.
Para a mediadora Anna, a live – que até agora já teve mais de 3 mil visualizações – foi extremamente rica. “Além das debatedoras experientes, o encontro teve grande participação. Foi um momento em que pudemos abordar temas relevantes para uma sucessão municipal, com muitas propostas para os candidatos a prefeito de Campinas. Também foram levantadas questões sobre a formação de professores e muitas ideias para aproveitarmos ao máximo os aprendizados que foram gerados durante a pandemia e que podem virar política pública, uma vez que têm dado resultados interessantes”, relatou.
Rossenilda Gomes Farias, dirigente regional de ensino – Diretoria Campinas Oeste – acredita que a live trouxe um debate importante para a sociedade. “O momento foi oportuno para o aprofundamento das reflexões sobre a alfabetização na idade certa, com um diálogo que permeou a teoria e prática, trazendo para a discussão um pouco da realidade que tem acontecido nas escolas neste momento de pandemia, apontando muitos desafios para superar, na relação ensino-aprendizagem híbrida”, comentou.
Semana da Educação
A 11ª Semana da Educação de Campinas acontece de 19 a 23 de outubro como um espaço de voz de quem está na sala de aula, especialistas, candidatos e de conexão com o poder público. O evento, já consolidado na agenda da cidade, é um movimento suprapartidário organizado pelo Comitê de Governança, composto pela Fundação FEAC, Fundação Educar DPaschoal, Secretaria Municipal de Educação de Campinas e Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, por meio das Diretorias de Ensino Leste e Oeste de Campinas.
O objetivo da iniciativa é mobilizar a sociedade para o diálogo sobre a educação pública, colocando o tema em evidência e reconhecendo que a educação deve ser um projeto de política pública, contribuindo assim para um ensino/aprendizado cada vez melhor.
A realização da 11ª Semana da Educação tem o patrocínio da Fundação Educar DPaschoal e Iguatemi Campinas.
Confira a live sobre alfabetização na idade certa: https://www.youtube.com/watch?v=zFW-qr9q_ts
Saiba mais em: semanadaeducacao.org.br