Dentre as muitas exclusões existentes no Brasil, há também a exclusão financeira. As pessoas nessa situação encontram, por diversos motivos, dificuldades enormes para conseguir melhorar ou até manter sua renda. Mas, afinal, por que a inclusão financeira é importante e como ela pode beneficiar populações mais vulneráveis?
“Existem três dimensões para avaliarmos a inclusão financeira: o acesso ao sistema financeiro, seu uso e a qualidade desse uso. O Brasil está bem na primeira. Os gargalos estão nas outras duas”, diz o professor e pesquisador Lauro Emilio Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira, da Fundação Getulio Vargas (FGV).
De fato, segundo o Banco Central (BC), 96% da população adulta do Brasil tinham uma conta em banco em 2020. Essa é a dimensão acesso. Mas o próprio BC faz uma ressalva em relação a esses dados: ele inclui tanto contas com saldos baixos quanto aquelas inativas, ou seja, que não são usadas.
Um estudo do próprio BC ajuda a entender melhor esse cenário. Com dados referentes a 2019, a publicação “O brasileiro e os hábitos de uso de meios de pagamento” aponta que 77% dos brasileiros adultos mantinham efetivamente uma relação com o sistema financeiro. Isso mostra haver uma barreira entre acessar e usar uma conta.
“O Brasil avançou muito no acesso nos últimos anos com a criação, por exemplo, dos correspondentes bancários (lojas e lotéricas que funcionam como bancos onde não há agências). O Bolsa Família também foi importante, pois o beneficiário precisa abrir uma conta para receber o recurso. O auxílio emergencial também previa a necessidade de ter uma conta e impulsionou ainda mais o acesso. Só que muitas vezes essas pessoas só tiram o dinheiro e não usam nenhum serviço bancário”, explica Lauro.
Exclusão financeira
A pesquisa do BC permite uma visão sobre, afinal, quem está financeiramente excluído. Indivíduos com renda de até dois salários mínimos são os que proporcionalmente têm menos contas abertas (65% possuem), além de serem os que mais usam dinheiro vivo em transações (87%). Dentre os sem escolaridade, 60% têm conta. Quando se olha ocupação, desempregados (55%), freelancers (64%) e assalariados sem registro (67%) lideram o ranking dos desbancarizados.
“A exclusão financeira é uma barreira para a inclusão produtiva e o empreendedorismo. Sem acesso a crédito, por exemplo, os microempreendedores de territórios vulneráveis não conseguem fortalecer seus negócios ou mesmo mantê-los funcionando”, aponta Arthur Goerck, líder do Programa Desenvolvimento Local, da Fundação FEAC.
E as pessoas mais vulneráveis, quando acessam o crédito, acabam esbarrando na terceira dimensão da exclusão: a qualidade do uso. “Os bancos oferecem condições e serviços que não melhoram a vida da pessoa, como créditos a juros muito altos e opções ruins de poupança. E poupar é fundamental para momentos de crise, como o que estamos vivendo”, diz Lauro.
Já o empreendedor social João Joaquim de Melo Neto Segundo não hesita na hora de apontar culpados pela falta de acesso a serviços financeiros por pessoas vulneráveis: “O sistema financeiro é extremamente excludente. Bancos não foram feitos para incluir, só para dar lucro. Eles viram uma barreira para as pessoas pobres que querem trabalhar, ter um negócio.”
Um banco para os excluídos
O Conjunto Palmeiras era, segundo um levantamento da prefeitura de Fortaleza (CE) com base no Censo de 2010, o bairro que tinha o pior Índice de Desenvolvimento Humano da cidade em 2014. Mas o bairro também tinha outra coisa já naquela época: um banco comunitário para chamar de seu (veja o quadro para saber mais sobre bancos comunitários).
O Banco Palmas foi criado em 1998 em resposta à falta de dinamismo econômico local. “Nós fizemos uma pesquisa e percebemos que ninguém gastava dinheiro no bairro. Tudo vinha de fora. Naquela época, só existiam umas birosquinhas aqui”, recorda-se João Joaquim, um dos idealizadores do banco criado pela associação local de moradores, e hoje seu diretor de projetos.
O banco criou uma moeda própria. A pessoa deposita R$ 1 no Palmas e recebe uma palma, dinheiro que pode ser gasto em negócios locais credenciados, movimentando a economia do bairro.
Não se trata apenas disso, no entanto. A instituição também oferece outros serviços, como linhas de crédito com juros que chegam a 0,25%, inexistente em qualquer outro banco comercial. Com isso, incentiva a terceira dimensão da inclusão, que é a da qualidade do uso.
“Começamos com apenas cinco estabelecimentos credenciados e R$ 2 mil. Hoje, temos 12 mil correntistas, 560 negócios parceiros e mais de R$ 12 milhões em circulação no bairro”, diz Joaquim, ressaltando o dinamismo econômico do banco.
Se no começo a moeda era impressa num mimeógrafo, hoje, ela nem existe mais fisicamente. O Banco Palmas se digitalizou completamente, acompanhando, por sinal, uma tendência de todo o sistema financeiro nacional.
Tecnologia e inclusão
Lauro, da FGV, ressalta que o Banco Palmas é um exemplo das “finanças da proximidade”, uma customização de serviços que instituições gigantes como os grandes bancos comerciais não conseguem oferecer. A boa notícia é que a digitalização vai propiciar cada vez mais essa proximidade. Mas isso esbarra em outra exclusão: a digital.
A FEAC, por exemplo, criou no ano passado o Tempo de Empreender, em parceria com o negócio de impacto Firgun e com o Instituto Meio, que trabalha a inclusão produtiva. A ideia é dar formação para microempreendedores de territórios vulneráveis e, no fim, possibilitar que eles pleiteiem um crédito para seus negócios. Mas a exclusão digital apareceu como uma barreira.
“Grande parte do percurso era virtual. Nós fizemos parceria com a Alô Social (empresa popular de telefonia) para dar aos participantes chips com internet para superar essa barreira”, conta Arthur.
Ainda assim, Lauro traça um cenário otimista para a inclusão financeira. “A indústria de serviços financeiros está em mudança no mundo todo com as novas tecnologias. No Brasil, o PIX é um ótimo exemplo de como praticamente zerar os custos de transação”, diz o professor e pesquisador, que destaca ainda o papel que as startups começam a ter para oferecer a muito mais pessoas um acesso de qualidade a serviços financeiros.
Os bancos comunitários |
O real você conhece. É a moeda que usamos diariamente. E a palma? Você conhecia? A mumbuca? A pira pirê? Pois saiba que todos os dias milhares de pessoas também realizam transações com essas e outras moedas. Cada uma delas é emitida por um banco comunitário, um tipo de instituição que tem algumas características próprias. Sua criação é iniciativa de moradores de uma comunidade, que são seus proprietários e gestores. Têm como fim o estímulo à criação de uma rede local de produção e consumo, atuando sempre em áreas de alta vulnerabilidade social. Por buscarem apenas sua sustentabilidade financeira e não o lucro, conseguem fazer empréstimos com taxas de juros baixíssimas. A experiência pioneira do Banco Palmas frutificou e deu origem à Rede Brasileira de Bancos Comunitários, que reúne mais de 120 instituições espalhadas por todo o país. Em 2018, foi criada a e-dinheiro, uma plataforma virtual customizável que possibilitou até agora a digitalização total de 48 desses bancos, levando à criação da Rede de Bancos Digitais Solidários. |
Por Frederico Kling
![]() | Edição 8 – Exclusão financeira• Exclusão financeira é barreira à mobilidade social de população vulnerável |