Live reuniu representantes da comunidade escolar para dialogar sobre os desafios e possíveis soluções para manter os estudantes na escola pós pandemia

Por Ingrid Vogl

Por que os estudantes deixam a escola? O que os jovens gostam e não gostam na escola? Como repensar a formação do professor inicial e continuada? Quais os cuidados no retorno das aulas presenciais são necessários para suprir as deficiências de aprendizagem e acesso vivenciados ao longo da pandemia?

Todas essas questões foram abordadas de diferentes visões com densidade, complexidade e riqueza de reflexões durante a live Evasão Escolar, uma das ações que integram a 11ª Semana da Educação de Campinas. Mediada pela especialista em educação Anna Penido, o evento online teve como convidados Alexsandro Santos, especialista em educação; Aziz Ramos, professor e diretor educacional e Pedro Calheirani, aluno da Escola Estadual Profª Israel Schoba.

Pela ótica do estudante e sua vivência escolar, Pedro trouxe os principais motivos que levam os jovens a evadirem da escola pública. Entre eles estão o clima e a falta de acolhimento escolar, a falta de suporte da família ou de monitores na escola, considerados essenciais, principalmente com o distanciamento social durante a pandemia.

Aziz complementou a fala do estudante ressaltando que o maior desafio é construir uma escola de todos, com todos e para todos. “Nós sabemos que o acesso é dado por lei com o direto pela vaga na escola, mas como garantir a permanência? A escola enfrenta essa questão diariamente, e um dos pontos principais é quando a gente consegue fazer com que ao aluno se sinta pertencente àquela escola, reconhecido em sua fala. Por obrigação temos que garantir o fortalecimento dos colegiados e que as relações entre os membros da comunidade escolar professor-aluno, aluno-aluno, aluno e pais seja horizontal, garantindo a fala de todos. Porque o ato democrático da escola pública é garantir que a permanência seja gestada pelo processo pedagógico da escola. Precisamos de investimentos, garantia de direitos e políticas públicas reais, que atinjam diretamente esses adolescentes nos seus anseios e uma relação com a escola”, disse.

O diretor e professor ainda questionou algumas condutas que a escola costuma ter na relação com os membros da comunidade escolar. “Por que chamar os pais para dar os alertas negativos, e não chamar para dar os alertas positivos? A escola tem que construir um processo educacional libertário com os estudantes, onde eles podem falar, agir, argumentar, ainda que pelo ponto de vista de seu universo, no que acredita. A escola deve ir além do papel de ascensão social, porque isso é limitador. A escola deve ser um processo democrático de construção de identidade de pessoas”, defendeu.

Desigualdades e falta de conexão

Outros aspectos que impactam diretamente nos motivos da evasão escolar são as desigualdades sociais e escolas que não dialogam com alunos do século 21, como Alexsandro explicou. “O Brasil é um país muito desigual do ponto de vista socioeconômico e do acesso ao capital cultural, e isso faz com que a gente tenha uma boa parte da população vivendo em condições de bastante desigualdade, o que leva a uma situação bastante desafiadora para manter os filhos na escola. Não é simples em um cenário atual, em que a pandemia trouxe ainda mais dramaticidade para nossas desigualdades, porque isso fica muito evidente. A gente tem muitos jovens que tiveram que trabalhar em subempregos, em atividades que colocam suas vidas em risco. Então precisamos de políticas que combatam a desigualdade social e econômica para que ela não interfira na permanência da criança na escola”, afirmou.

Alexsandro também chamou a atenção para o descompasso da escola e das políticas educacionais frente ao mundo fora da dela. Segundo ele, as escolas e os sistemas de ensino funcionam como se a sociedade fosse de 30, 40 anos atrás. “Muitas coisas que avançaram e se transformaram fora da escola ainda não chegaram até ela. A gente pode perceber isso agora com a necessidade do uso de tecnologia durante a pandemia. As escolas estavam atrasadas em relação às ferramentas digitais de aprendizagem”, disse. O grande desafio é geracional e por isso é importante garantir espaços de escuta e participação dos jovens para as soluções da escola. “Se estivermos abertos a essa escuta, conseguimos produzir respostas que estejam mais próximas daquilo que eles precisam”, afirmou.

Mão na massa e metodologias eficazes

Mas o que é que desperta o interesse dos alunos em permanecer na escola? Para esta questão, Pedro trouxe em sua fala formas simples e um olhar otimista a partir do cenário pandêmico. Independente do componente curricular, práticas e experimentos sempre ajudam o aluno a aprender, em geral de maneira prazerosa e marcante. “Acredito que a pandemia não foi um obstáculo, mas um desafio para aprender várias coisas, a treinar o olhar para o lado otimista, inovador e de criar coisas novas”, falou. Para isso, ferramentas tecnológicas ajudam o aprendizado e expandem a capacidade do professor que as utilizam como recursos de ensino. “Não é o fazer que tem que ser grande, é o pensar”, provocou o jovem.

E por falar em uso de diferentes recursos para o ensino/aprendizagem em tempos de Coronavírus, a formação do professor também foi pauta importante do diálogo. Aziz chamou a atenção para a perda do papel político do professor. Segundo ele, a universidade não priorizou o papel político do professor que é transformar uma sociedade.

“É preciso garantir direitos de sobrevivência na carreira, bons recursos, ócio criativo. O Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola precisa ser reescrito no sentido de garantir perspectivas formação. Enxergar uma escola de rupturas, que pare de olhar a tecnologia como algo fora da escola. Ela faz parte. Que o desafio de transformar informação em conhecimento seja rotineiro na escola. E que o poder público reconheça e continue dando manutenção para isso”, ressaltou.

Para Alexsandro, em primeiro lugar é preciso pensar em uma carreira docente de longa duração. Nesse sentido, o especialista traz o conceito de pensar o desenvolvimento profissional do professor a longo prazo. “Vamos parar de falar em formação e falar em desenvolvimento profissional do professor, que começa em como chamar essas pessoas para carreira, já que no Brasil a carreira docente tem baixa atratividade porque as condições de trabalho não são as melhores”, apontou.

Além disso, o especialista citou a baixa qualidade da maioria dos cursos de licenciatura e apontou pontos negativos nos cursos à distância. “Cursos não presenciais deixam lacunas na forma específica de ensinar e aprender em sala de aula com alunos, por exemplo. É preciso reorganizar a formação inicial do professor, desde o conteúdo até o formato, porque hoje, o curso de licenciatura se preocupa muito com conteúdo da área e se preocupa pouco com metodologia e didática”, concluiu.

Sobre a formação continuada dos professores, Alexsandro trouxe uma reflexão importante: ela faz mais sentido e é mais eficiente se for desenvolvida na escola em que o professor atua. Segundo ele, a formação feita no lugar onde o educador trabalha, levando em conta fraquezas e potências daquela escola, tende a ser mais significativa e aumentar a potência colaborativa da formação.

“O ideal é que professores não tenham dois vínculos docentes e atuem em uma só escola, com uma jornada integral de trabalho mesmo que seja meio período com estudantes, e na outra parte da jornada, fizesse formação e construções. Para isso é preciso de intencionalidade na política pública, e poucas secretarias bancam a ideia de ter os professores em uma jornada única de trabalho integral e oferecer tempo qualificado de formação”, analisou.

Desenvolvimento profissional adequado e boas condições de trabalho somadas podem manter o encanto do professor com a aprendizagem de seus alunos. Mas se as condições não forem favoráveis para o profissional, isso pode ser um problema que influencia inclusive na evasão escolar.

“Sem condições, os professores acabam tendo uma relação muito difícil com os alunos e com a escola em que trabalham, que se torna um lugar de sofrimento e acaba atrapalhando os alunos. A relação com a carreira pode ficar tão complicada que ele vira um péssimo professor. isso acaba sendo um fator de evasão escolar, porque ele pode criar uma aula tão agressiva e distante do que o aluno deseja que aquele conflito acaba levando o aluno pra fora da escola”, explicou.

Preparação, retorno e valorização

Sobre os cuidados no retorno às aulas presenciais no sentido de suprir as deficiências de aprendizagem e acesso vivenciados ao longo da pandemia, Alexsandro chamou a atenção para os impactos no acesso e na conexão do jovem com a escola. Apesar de não existir dados seguros, há uma percepção de evasão dos alunos matriculados com a falta de participação e de entrega de atividade.

“A desigualdade provocou uma situação de desengajamento e de afastamento dos alunos em relação à aprendizagem. Então, na preparação para o retorno, seria muito importante que a gente tivesse um mapeamento dos estudantes que foram ficando para trás ao longo desse processo. Para começar a fazer o processo de busca ativa e entender o que aconteceu para saber o que será preciso para eles voltarem a ser estudantes. Esse processo de busca ativa precisa ser uma construção intersetorial: assistência social, educação e saúde precisam trabalhar juntos, já que os fatores não são apenas pedagógicos.

Nesse sentido, os professores terão o desafio de trabalhar com alunos que estão saindo de uma situação traumática, com condições desiguais e uma série de questões emocionais devido ao período de afastamento. Além disso, o especialista chama a atenção para a necessidade de criação de um plano de currículo.

Segundo ele, será preciso definir as prioridades curriculares para que a perda de aprendizado seja trabalhada, baseado na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e na história e trajetória de cada escola. Paralelamente, uma avaliação diagnóstica pode ajudar a entender como os alunos estão, o que aprenderam ou não, e ter em vista que será um processo lento de reorganização da escola.

“Não vai ser de uma hora para outra que tudo será normalizado. Vamos ter bastante conflito, sofrimento, complicações no retorno e por isso nós todos teremos que estar emocionalmente preparados para o retorno, porque nós somos os adultos e devemos construir um ambiente minimamente confortável para que os estudantes retornem a aprendizagem”, disse.

No momento mais marcante da live, Alexsandro fez uma verdadeira convocação aos profissionais da educação e toda a sociedade sobre o valor e o poder da escola pública. “É fundamental que a gente mantenha a crença de defender a escola pública, porque os ataques se intensificaram com acusações de ineficiência, um lugar onde tudo falta e nada funciona, e esse discurso foi retomado com força e pode atrapalhar muito nossa potência no retorno. Se a gente não acredita na escola pública, como a gente faz para ela funcionar bem?”.

“Eu quero que a sociedade brasileira ajude a valorizar e defender o trabalho e apoiar a escola pública nesse momento de volta, porque sem dúvida será o momento mais desafiador que a escola pública já viveu no século. Que todo mundo defenda a escola, e nas eleições, a gente não vote em quem não tem compromisso com a escola pública. 82% das matrículas dos estudantes brasileiros são de escolas públicas. Ela é uma potência e uma fronteira de defesa da cidadania do país”, ressaltou.

Propostas aos políticos

O diálogo foi fechado com uma provocação de Anna aos convidados. Ela quis saber quais propostas fariam ao prefeito eleito para reduzir e prevenir a evasão escolar em Campinas.

Para Pedro, desenvolver ações e projetos interdisciplinares com os alunos é uma boa maneira de manter o interesse pela escola e a aprendizagem em alta. “A escola precisa ser um ambiente onde podemos desenvolver soluções para vida, em vários sentidos, e assim, podermos nos desenvolver academicamente colocando nossos aprendizados em prática”, disse.

Aziz acredita que o investimento dos governantes precisa ser em projetos sociais com propostas reais e que atinjam diretamente adolescentes e jovens. “É preciso garantir os direitos das crianças e adolescentes e olhar para a escola no sentido de construir soluções com a sociedade. Isso pode ser feito priorizando assembleias locais, ouvir as comunidades escolares das regiões”, afirmou.

Visões complementares

Com mais de 1.200 visualizações até agora, a live teve a participação de educadores e interessados no tema que acompanharam com interesse, muitas perguntas e comentários durante todo o encontro virtual.

“Problemas complexos como a evasão escolar precisam de muita discussão, e por isso é importante juntar professores, estudantes, especialistas , familiares, representantes da sociedade civil, e poder público para encontrar as melhores soluções para uma questão que tem múltiplas facetas e causas socioeconômicas, metodológicas, pedagógicas, de relacionamento, clima escolar, falta de engajamento e sentido das juventudes. Diálogos como esse nos ajudam a compreender e nos inspiram a encontrar saídas para algo que é tão relevante e precisa ser resolvido para assegurar o direito dos jovens brasileiros à educação de qualidade”, avaliou Anna Penido.

Nivaldo Vicente, representante da Diretoria de Ensino Campinas Leste e membro do Comitê de Governança da 11ª Semana da Educação de Campinas, também chamou a atenção para a importância do debate com os diferentes representantes da escola que vivenciam a educação.

“Dialogar sobre evasão escolar na Semana da Educação é importante principalmente porque a gente busca desenvolver uma política de desenvolvimento de carreira de professores. Além disso, a discussão nos ajuda a entender o profissional, a escola no contexto social e o aluno que é o cerne da educação. Falar em evasão na forma da live nos traz muitas reflexões para que possamos prosseguir no trabalho do dia a dia escola”, afirmou.

Semana da Educação

A 11ª Semana da Educação de Campinas acontece de 19 a 23 de outubro como um espaço de voz de quem está na sala de aula, especialistas, candidatos e de conexão com o poder público. O evento, já consolidado na agenda da cidade, é um movimento suprapartidário organizado pelo Comitê de Governança, composto pela Fundação FEAC, Fundação Educar DPaschoal, Secretaria Municipal de Educação de Campinas e Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, por meio das Diretorias de Ensino Leste e Oeste de Campinas.

O objetivo da iniciativa é mobilizar a sociedade para o diálogo sobre a educação pública, colocando o tema em evidência e reconhecendo que a educação deve ser um projeto de política pública, contribuindo assim para um ensino/aprendizado cada vez melhor.

A realização da 11ª Semana da Educação tem o patrocínio da Fundação Educar DPaschoal e Iguatemi Campinas.

Confira a live sobre evasão escolar: https://www.youtube.com/watch?v=BRKT1-vTmUU&t=1454s 

Saiba mais em: semanadaeducacao.org.br