Projeto agrega crianças, adolescentes e suas famílias na região Noroeste de Campinas

(Por Ingrid Vogl)

“Pega! Dá um mata leão! Não desiste!”. A torcida das mães do lado de fora do tatame era uma extensão da luta que acontecia dentro dele entre as crianças, adolescentes e jovens. A cena aconteceu no Centro de Artes e Esportes Unificados (CEU) Florence, durante a graduação do projeto Jiu Jitsu Social, do Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância (CRAMI). A iniciativa é realizada em parceria com o Centro Comunitário da Criança Parque Itajaí I e Região (Cecompi), Fundação Gerações e Fundação Resgatando Valores.

No tatame estavam crianças e adolescentes de 4 a 17 anos que graduaram (trocaram de faixas) e demonstraram seus conhecimentos na arte marcial japonesa. Mas o projeto que alcança cerca de 100 pessoas, agrega ainda pais e membros da comunidade do entorno do Jardim Florence. Mais que uma atividade esportiva, o Jiu Jitsu Social estimula leitura, escrita, respeito, melhora de comportamento e o mais importante: o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

Alexandre Alves é o educador social à frente do projeto. Mais que um mestre do jiu jitsu, ele é referência para as crianças e adolescentes, sempre de olho no comportamento e chamando pais e professores das escolas onde estão matriculados seus pupilos para conversas frequentes. Assim, criou-se uma rede de proteção e estreitamento de laços a partir do Jiu Jitsu.

O mestre lembra que o projeto Jiu Jitsu Social foi criado a partir da necessidade que o Crami observou em ampliar o grupo de educadores sociais e suas ações no território em 2016. “Trouxemos a linguagem do jiu jitsu para a comunidade e teve ótima adesão. Por meio das parcerias, a oficina que começou na base do improviso, mas com muita vontade de dar certo, foi se ampliando e a adesão foi aumentando”, afirmou.

Hoje, a principal característica do projeto é atender tanto a comunidade quanto usuários dos serviços oferecidos pelo CRAMI, que atua com famílias vítima de violação de direitos, com foco na violência doméstica, no âmbito do Serviço Especializado de Proteção Social à Família (SESF), que consiste na proteção social especial de média complexidade.

Segundo Natália Valente, técnica de referência do programa Enfrentamento a Violências da Fundação FEAC, ao qual o projeto é ligado, a atividade proposta pela entidade agrega um conjunto de estratégias desenvolvidas para a superação das violências vividas pelos atendidos. “Dessa maneira, a ação fortalece, através da atividade esportiva, os vínculos com a família e comunidade onde estão inseridos, trabalhando os diversos contextos a partir da realidade trazida durante a prática do Jiu Jitsu Social”, avaliou.

Transformação

Segundo o mestre, há cerca de três anos o projeto vem transformando a realidade da comunidade com a qual trabalha. “Tínhamos muitos casos de conflitos entre os atendidos, na escola, em suas famílias, e hoje o jiu jitsu mudou essa realidade. A violência diminuiu e o respeito aumentou muito.  Muitas questões que ocorrem no cotidiano da criança, seja na escola ou em casa, aparecem no tatame, e um bom acolhimento e conversa com os usuários e as famílias sempre ajuda”, disse o educador, que faz questão de chamar os pais para conversas de dois em dois meses, para saber como seus alunos estão se comportando em casa e na escola.

Apesar da fala mansa, Bianca da Silva, 13 anos, se considerava estressada antes de ter contato com o jiu jitsu. “Me irritava com qualquer coisa, mas aqui aprendo muito, me relaciono com outras pessoas e agora penso antes de agir e falar. O estresse eu deixo no tatame e levo só coisas boas para minha vida e convivência com a família e amigos”, revelou. Outro impacto gerado pelo projeto foi a melhora do comportamento e das notas na escola. Segundo o mestre, nem só de técnicas de luta é feito o jiu jitsu. Leitura e escrita são trabalhados por meio de histórias da arte marcial e de seus mestres. Vez ou outra, professores também frequentam as oficinas de jiu jitsu para tratar do desempenho dos alunos na escola, que tem conexão direta com a frequência no tatame.

Em casa, os pais sentem ganhos como diminuição da ansiedade e o aumento do respeito e paciência. E de quebra, ainda aprendem um ou outro golpe de jiu jitsu com os filhos. Nerilene Batista de Oliveira é mãe dos gêmeos Artur e Isadora, que frequentam a oficina há 3 anos. “É um barato vê-los em ação no tatame. Eu conheço os golpes e torço muito por eles. Em casa, percebi uma grande mudança, principalmente na maneira como se relacionam entre eles e com os familiares e amigos. Hoje existe muito mais respeito nas relações”, disse.

Ao lado de Neriele, a colega Fabiana Maria de Oliveira Souza, torcia junto pelo filho Fabrício, 8 anos. “Me sinto orgulhosa de ver o resultado do jiu jitsu no meu filho dentro e fora do tatame, porque ele mudou o jeito de agir e a forma de aprender. Hoje ele é mais respeitoso, paciente e as brigas diminuíram muito. Além disso, não fica mais na frente da TV e jogando vídeo game a tarde toda. E isso tudo aconteceu graças ao Alexandre, que é um ótimo educador e mestre e se importa com cada uma dessas crianças. Ele conversa, quer saber como estão em casa e na escola. Por tudo isso, hoje meu relacionamento com meu filho é muito mais próximo”, afirmou com satisfação.

Orgulhoso, Alexandre abre um largo sorriso quando fala de seus discípulos. “Por meio dessa oficina, criamos uma rede para existir, porque sozinhos, não fazemos nada, mas juntos somo grandes. E a prova disso é que estão todos aqui, recebendo a graduação”, contou.

Na luta

Agora, a luta do Jiu Jitsu Social é pela arrecadação de quimonos para os praticantes do esporte. Para isso, o Crami promove uma campanha que visa captar recursos ou vestimenta nova ou usada. Dos 66 quimonos que eram necessários para quem ainda não tinha, 28 já foram doados. Faltam 38 uniformes para os pequenos lutadores desenvolverem a atividade de maneira adequada.

Depois que todos tiverem o quimono, Alexandre já planeja o próximo passo da turma. ”Quero levá-los para lutar em competições oficiais da federação. Tirar eles da comunidade e levar para um âmbito maior, porque aqui existem muitas potencialidades. Sempre digo para os pais, que eles têm uma joia em casa que está sendo lapidada no tatame. Tenho certeza que vão crescer homens de bem, com a base e ensinamentos de uma arte marcial por trás. De uma maneira ou de outra, serão grandes educadores, mesmo que não continuem no jiu jitsu, porque vão levar essa filosofia para vida”, concluiu. Se continuarem com essa vontade e brilho nos olhos de quando entram no tatame, certamente terão muito o que compartilhar.

Enfrentamento a Violências

O Crami é uma Organização da Sociedade Civil (OSC) que atende famílias e pessoas que estão em situação de risco social e/ou tiveram seus direitos violados. A entidade recebe apoio institucional do Programa Enfrentamento a Violências da Fundação FEAC, iniciativa que investe na mitigação dos impactos das violências e no enfrentamento para romper os ciclos que as perpetuam com objetivo de promover o bem-estar e a cultura de respeito, empatia, tolerância e paz.

Mais informações: https://www.feac.org.br/enfrentamentoaviolencias/

http://www.cramicampinas.org.br/