(Por Ariany Ferraz)
Bolo de espinafre com cobertura de chocolate, molho pesto, salada, patê de espinafre, água aromatizada e chá. Foi com a mesa farta que a ação ‘Horta no vaso’ reuniu diversas mulheres do Oziel e o grupo do projeto “Formação de Lideranças: Cidadania e Participação Popular”. Com ingredientes simples e de baixo custo, a proposta da atividade era ensinar a utilizar alguns alimentos que podem ser cultivados em casa e aproveitá-los para além da alimentação, como uma fonte de renda também.
O “Formação de Lideranças” é um projeto da Fundação FEAC executado pelo Centro de Educação e Assessoria Popular (CEDAP) está há mais de um ano em curso. Desde então, diversas atividades são realizadas, estimulando a participação da comunidade e articulação de lideranças locais. A assistente social e técnica do CEDAP, Luanda Jaqueto, contou que a ideia da ação no Oziel surgiu após identificar o desejo da população de ter uma horta comunitária. Assim, surgiu a proposta de fazer a horta em vaso, que torna mais prática e viável a execução por todos os interessados.
“Primeiro despertar pelo paladar”, observou Luanda. Antes de ensinar a plantar foi preciso conquistar os participantes mostrando os diversos benefícios e também possibilidades de receitas a partir da horta, criando saladas e bolo no pote, comida mais saudável em embalagens criativas, patês, entre outras tantas opções. “Tentamos trazer esse diálogo falando dos alimentos, dos benefícios para a saúde e da geração de renda. Manjericão, hortelã, tomate, espinafre, entre outras hortaliças fáceis de plantar e cuidar. A pessoa pode ter uma produção grande na casa dela e transformar isso em dinheiro”, avaliou Muslin Gonçalves, técnico em alimentos que orientou o diálogo e também morador da região, integrante do coletivo Quilombo Urbano, que organizou a atividade.
Alguns moradores já costumam cultivar a própria horta, como Luzia Gonçalves, 63 anos, que possui muitas hortaliças. Ela conta que cuida com muito carinho e dedicação das plantas, conhece cada uma de suas propriedades medicinais e uso caseiro. “Nasci e me criei na roça, vim pra cidade e não quis deixar minha hortinha. Tenho espinafre, couve e cebolinha, têm plantas pra remédio, pra fazer chá… Eu vou ensinar o que eu sei, pra que serve e como cuidar”, disse dona Luzia.
‘Uma benção a gente poder aprender! As coisas naturais fazem parte da nossa saúde e cultura. Vou usar na minha casa e passar pra minha neta. O que eu puder passar adiante de conhecimento vai ser muito importante”, relatou Ilione Alves. Já Luzia Efigênia, dona de casa que já faz artesanato, biscuit, entre outras atividades, ficou interessada na nova forma de gerar ganhos. “Aprendi bastante coisa, adorei tudo e vou tentar fazer em casa, quero tentar fazer os potinhos pra ver se dá certo!”, comentou.
Líderes comunitários
Integram a equipe de lideranças do Oziel membros do movimento Quilombo Urbano, trabalhadores da assistência social, Centro de Saúde, Instituto de Pernas pro Ar e Instituto Paulo Freire. Desde 2017, o “Formação de Lideranças” busca articular diversos atores do território visando qualificar a participação, representação e controle social nos espaços de discussão de políticas públicas e na defesa de direitos.
Este ano o projeto foi desenvolvido em outros dois territórios socialmente vulneráveis, Campo Belo e Vila Maria Eugênia, além do Parque Oziel, onde 19 encontros formativos foram promovidos ao longo de 2018. Também foram realizadas capacitações e assessoramento que se somaram a ações de participação em espaços deliberativos. E para efetivação de ações na comunidade foram planejadas e executadas 8 intervenções territoriais, assim como a ação da horta. Marcio Oliveira, agente comunitário de saúde, participou desde o começo e contou que houve outras duas intervenções na região, uma realizada com os pais sobre o tema ‘abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes’ e outra atividade de conscientização sobre ‘violência doméstica’ com um grupo de mulheres que frequenta a unidade de saúde. “Foram atividades que afloraram muitos sentimentos e despertaram reflexão”, observou Márcio.
Maria Sueli Neri, do Instituto Pernas pro Ar, conheceu o projeto no estágio em serviço social. Ela contou que sempre apresentou um interesse especial na temática da violência doméstica e autonomia feminina. “Muitas são mães e pais e não têm como sobreviver. Então uma atividade dessas dá autonomia”, diz. Ela revela que dará continuidade a ação, levando o aprendizado para o bairro Jardim São José. “Foi um aprendizado muito grande e eu também ganhei autonomia. Como eu aprendi os meus direitos agora eu quero compartilhar o que eu sei com outras mulheres”, revelou.
Impactos significativos
Atuando junto às lideranças, Irene Rabelo, assistente social, conheceu o projeto também por meio do estágio no Instituto Paulo Freire. “Eu aprendi muito com eles! É importante porque você traz a comunidade para trabalhar junto, desperta neles o empoderamento de realizar atividades e sentirem produtivos”, confessou.
Os resultados do projeto foram muitos. Além de mais de 1,4 mil pessoas impactadas com ações promovidas pelas lideranças do projeto no Oziel, foram provocadas mudanças atitudinais, de fortalecimento do pertencimento local, de cidadania, capacidade de enfrentamento, entre outras. “Agora eles conseguem participar dos espaços de discussão da intersetorial, tudo de forma autônoma, conseguem organizar ações comunitárias, entender e se articular dentro da rede, conhecer os fluxos, as políticas, direitos e saber onde cobrar quando se tem um problema com alguma política”, apontou a técnica do CEDAP, Karina Cappelli.
“O projeto tem como objetivo formar lideranças capazes de protagonizar processos de mobilização social e de promover espaços participativos na comunidade, que contribuam no aprimoramento das políticas públicas, na qualidade de vida e no exercício da cidadania, efetivando processos de transformação social”, explicou Natália Valente, técnica do projeto pela Fundação FEAC, no âmbito do Programa Desenvolvimento Local.
“Serviu para aproximar vários atores dentro da comunidade, moradores, usuários e profissionais do serviços. É principalmente trazer a reflexão para dentro da comunidade, de todas as vulnerabilidades que a gente passa aqui. E estamos conseguindo colocar em prática!”, avaliou o agente de saúde Márcio.
Para Muslin, a iniciativa proporcionou uma maior autonomia para o bairro. “Foi muito importante trazer essa oportunidade para moradores do bairro, mobilizar para discutir e compreender questões sociais, pensar como propor e realizar ações práticas. É o chamado empoderamento. De ter uma consciência social mais aprofundada, entender questões do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), por exemplo, sobre violência, reflexões sobre assuntos diversos”, relatou.
Suelen Leme, auxiliar de enfermagem e também integrante do Quilombo Urbano, contou que o coletivo nasceu com o sonho de criar um espaço de encontro para a juventude. “Somos autônomos e tudo vem de doação. O grupo fez muita diferença nos ensinando como captar recursos e organizar as atividades, aprendemos muito sobre lei e políticas também. Trouxe muito conhecimento! Estamos muito mais fortalecidos, com um vínculo maior e agora formamos uma verdadeira rede”, concluiu Suelen.
“Eles são referência”, pontua Luanda. Ela explica que a configuração de lideranças no Oziel é diferente de outras regiões, não apresenta lideranças já constituídas, mas sim coletivos que atuam na região. Antes do projeto os grupos atuavam de forma individualizada e não se conheciam, o que dava uma sensação de descrédito e de isolamento, além de não participarem de intersetoriais nem outros espaços. “O mais importante foi eles se perceberem no território. Agora eles conseguem atuar juntos e escrever projetos”, indicou. Ela esclareceu que um dos resultados mais importantes foi a possibilidade de seguir de forma independente, já que o projeto será finalizado, mas os grupos continuarão integrados e atuantes. “O foco era dar autonomia e agora vamos dar continuidade e caminhar sozinhos”, garantiu Suelen.
Outras regiões
Também no Campo Belo, o projeto mobilizou até o momento mais de 700 pessoas em 16 encontros formativos, com 6 ações coletivas diversas de participação política e manifestações, além de 3 intervenções. O grupo de lideranças do Campo Belo organizou uma Mostra sobre a história da luta política das lideranças da região e dos desafios enfrentados. Também foi feita uma exposição sobre os direitos do trabalho.
“A rede intersetorial fez uma carta demonstrando todas as violações de direitos e um membro do grupo protocolou no Ministério Público”, contou Karina sobre um feito significativo para o coletivo, em que lideranças se apropriaram das questões inerentes ao território, reconhecendo e representando a região através de ações conjuntas de visibilidade em espaços de garantia de direitos.
Os integrantes, tanto no Oziel como no Campo Belo, compuseram as intersetoriais, Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) e contribuíram com a construção do Plano Municipal de Assistência Social. Também o grupo do Campo Belo colaborou com ações de Saúde como o Cortejo do dia 18 de maio e outras iniciativas da Fundação FEAC no território como o Nós na Praça e projeto #Com_Unidade.
Uma novidade em 2018 foi a atuação junto a Escola Estadual Professora Maria Julieta de Godói Cartezan, com adolescentes de 15 a 17 anos, incluindo lideranças escolares de grêmios. Para a equipe do Cedap os maiores ganhos foram que os adolescentes se tornaram mais engajados e fortalecidos, capazes de exercer a liderança na busca pela diminuição das vulnerabilidades, tanto no ambiente escolar como no território.
Com cerca de 40 participantes, foram promovidos mais de 15 encontros, trabalhando temas como identidade, drogas, ECA, direito ao trabalho, adolescência e atuação juvenil na sociedade, sexualidade e gênero, direitos sexuais e reprodutivos, abuso e exploração sexual, prevenção de DSTs e gravidez na adolescência. As oficinas em sala de aula impactaram cerca de 16 turmas com aproximadamente 520 estudantes sensibilizados.
Programa Desenvolvimento Local
Uma iniciativa da Fundação FEAC, o programa investe na mobilização comunitária com o objetivo de transformar territórios gerando bases para uma cidade mais inclusiva, acolhedora, eficiente e sustentável.