(Por Claudia Corbett)
O modelo escolar precisa ser modificado para atender anseios dos jovens e impedir que tenham uma aprendizagem inadequada. Para José Pacheco, o atual é obsoleto e excludente. Da mesma forma que propõe o aprendizado, provocando a participação ativa de todos os envolvidos, o educador português iniciou o evento que colocou em pauta a educação e cidadania, dentro da 8a Semana da Educação de Campinas.
Defensor de um novo conceito de escola, no qual não há turmas e ciclos, Pacheco falou sobre aulas e provas convencionais, com as quais, segundo ele, não se aprende nada e não avalia o aprendizado. Alertou sobre a grande porcentagem de universitários analfabetos funcionais. Elencou três dimensões de currículos que falam sobre o projeto de vida de alunos e de professores ao destacar o plano pessoal de cada um; sobre a comunidade com a política pedagógica, na qual alunos, pais, professores, funcionários e gestores consigam transformar suas próprias realidades; e da consciência de quem se propõe a ensinar. Para ele, a educação é contínua e deve acontecer desde o nascimento até a morte.
O educador salientou ainda que, mesmo com as reformas, programas, projetos entre outras tentativas, não se conseguiu ainda uma melhora na qualidade da educação no Brasil, mas se mostrou esperançoso dizendo que o país tem tudo que precisa para chegar a um ensino de qualidade que será alcançado quando os estabelecimentos de ensino deixarem de seguir modelos convencionais que priorizam gestão burocratizada que sobrepõe projetos pedagógicos. “As escolas só irão se transformar quando houver uma ruptura com a tradição de educação que respondeu às necessidades sociais no século XIX e da Revolução Industrial, que nitidamente hoje não fazem mais sentido, com professores que planejam os cursos e planejam as aulas”, destacou.
“A palestra foi uma inspiração e, mesmo que não propositalmente pensado, foi o evento propício para acontecer no último dia da oitava edição da Semana da Educação de Campinas, porque o professor Pacheco levou todos os participantes a um exercício de autorreflexão sobre a nossa escolha”, frisou Thais Righetto, supervisora do Departamento de Educação da Fundação FEAC. Thais concorda que educar é um desafio. “Sabemos que é desafiante, mas ao mesmo tempo temos um compromisso ético com a nossa escolha que é, trabalhar com a educação e ter o compromisso de fazer com que nossos alunos aprendam para que posteriormente possam escolher os seus caminhos de vida”, destacou.
O ensinamento com tudo que foi dito no encontro mostrou que é possível fazer um processo de educação diferente. O tom da fala do Professor Pacheco esteve em consonância com o tema da edição 2017 da Semana. “Não há um só caminho para o comprometimento ético. Devemos ter em mente este compromisso diário e nunca perder a esperança”, reforçou a supervisora do Departamento de Educação da FEAC.
A pluralidade de experiências inovadoras foi citada por Pacheco que relatou sobre o projeto Âncora, inspirado na Escola da Ponte, de Portugal. Realizado na cidade de Cotia/SP, o Âncora atende crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social que recebem contribuições educacionais efetivas para que venham a ser inseridos na sociedade. São eles próprios que decidem quais são suas áreas de interesse e com isso desenvolvem seus projetos sem turmas ou disciplinas específicas. Neste processo de aprendizagem, o professor se limita a ser um facilitador que acompanha o que está sendo realizado interferindo quando há necessidade.
“Não estive na Escola da Ponte, mas quando conheci o Pacheco me encantei com as ideias dele. A educação tem que ser uma ponte, a única que nos faz acreditar em um mundo melhor, como indivíduo e como sociedade. O ato de educar é que tem que ser quase benemérito. Não se educa porque se é um professor, mas porque se é um educador. A educação é a única coisa que restará para consertarmos este mundo bastante dividido e injusto”, destacou Luis Norberto Pascoal, presidente da Fundação Educar DPaschoal.
Escolas não são edifícios, são pessoas
“Não basta ser competente, tem que ser ético. O professor tem que ser um mediador de conhecimentos. Se com o trabalho que vem sendo feito não está ensinando todos os alunos, não se pode continuar a trabalhar desta maneira”, frisou Pacheco
“O ‘estou aqui para te comandar e não para te acompanhar’ ainda não foi superado. É ainda o ‘eu ensino e você aprende’ ”, comentou Flávia Martins Guimarães, assessora de educação e cidadania, que no evento representou a Secretária Municipal de Educação, Solange Villon Kohn Pelicer. Segundo a assessora, a transformação com a democracia foi também para dentro da aula. “Os jovens não querem saber do mundo como está, eles querem que seja um lugar melhor para que possam fazer seus planos de vida. Este olhar diferenciado deles nos dá ânimo”, comemorou Flávia. “Já passou da hora de quebrarmos os muros, porque a tarefa de educar é de todos. A escola pública sozinha não dará conta do fenômeno social que nós vivemos”, complementou.
Protagonismo Juvenil
Ao ser questionado sobre o protagonismo dos jovens, Pacheco disse que prefere falar de autonomia, porque esta é construída em um exercício de relação. “Ninguém consegue ser autônomo sozinho. O aprendizado não está centrado no professor ou no aluno, mas sim na relação diária, não se pode confundir com individualismo”, concluiu.
Segundo o palestrante, a autonomia é ensinada no exercício da cidadania em espaços de liberdade responsável, onde há uma escuta atenta e respeito à diversidade das opiniões. “É preciso aprender a reconhecer a si próprio para então reconhecer a existência e a autonomia do outro”, concluiu.
“Falar de jovem e com o jovem é uma tarefa difícil, mas instigante”, exaltou Antonio Admir Schiavo, dirigente regional de ensino Campinas Oeste. Esta geração pós-redemocratização, da qual a tecnologia tomou conta, é antenada. Eles sabem o que querem e do que precisam e por isso lutam pelas políticas sociais. “Precisamos da participação destes garotos e garotas que representam a mudança do mundo”, complementou.
Ética, esperança e diferentes caminhos
Foram estes os pontos amplamente destacados nas atividades, ações, mesas-redondas, palestras, debates e discussões durante toda a Semana da Educação. O compromisso ético faz valer as escolhas feitas, assim como o objetivo das pessoas enquanto profissionais ou seres humanos, porque só assim se consegue a diferença na sociedade. São vidas e pessoas que sonham de ambos os lados.
Para Claudia Chebabi, gerente do Departamento de Educação da Fundação FEAC, o encontro com o professor Pacheco atendeu diretamente o que se buscava com a 8ª Semana da Educação, pensar sobre possíveis caminhos e soluções possíveis para a educação pública. “Precisamos descontruir modelos educacionais ultrapassados, hierarquizados, burocráticos, que inviabilizam um projeto pedagógico que seja fundamentado no contexto social, territorial e nos anseios de uma comunidade, afinal a escola tem uma função social. Se de fato, almejamos o desenvolvimento de uma nação, há que se investir em uma escola pautada em valores de justiça social, igualdade e desenvolvimento humano”, salientou a gerente.
José Pacheco é mestre em Educação da Criança, pela Universidade do Porto. Criador da Escola da Ponte, uma instituição pública de Portugal, que desde 1976 entende que o percurso educativo de cada estudante supõe um conhecimento cada vez mais aprofundado de si próprio e um relacionamento solidário com os outros. Há 10 anos no Brasil, Pacheco é responsável por mais de 100 projetos para um novo modelo de ensino.