Segundo dados da Pnad Contínua, do IBGE, em janeiro de 2021, havia 14,3 milhões de desempregados no Brasil, a taxa mais alta já registrada para um trimestre terminado naquele mês. O recorde tem relação com a queda de 4,1% no PIB em 2020, em decorrência das ações de combate à pandemia. Mas, ao contrário de outras crises econômicas, aquela trazida pelo coronavírus atinge com maior impacto as populações mais vulneráveis.
“Crises econômicas tendem a ser igualitárias, mas essa é diferente, atingiu mais alguns grupos que já estavam em maior vulnerabilidade, como mulheres e jovens com menor nível educacional”, diz Maria Andréia Parente Lameiras, técnica de planejamento e pesquisa do Ipea.
A pesquisadora aponta que o setor de serviços, maior empregador do país e onde há grande contingente de trabalhadores com baixa qualificação, foi o que mais sofreu com o combate à pandemia. Em contraposição, ela ressalta que o setor industrial, que tem maior peso no emprego formal, e os profissionais liberais praticamente não pararam.
Já as mulheres, parte importante do contingente no setor de serviços, também sofreram bastante com o fechamento das escolas, tendo muitas vezes de largar seu emprego para cuidar dos filhos, que não tinham com quem ficar.
No último trimestre de 2020, o desemprego entre as mulheres chegou a 16,4% — no mesmo período, estava em 11,9% entre os homens. Já a faixa etária entre 18 e 24 anos foi a mais afetada no período, com 29,8%.
Tatiane Zamai é líder do Programa Juventudes, da Fundação FEAC, e pode ver como a crise sanitária atingiu os jovens que participam de vários de seus projetos e que já estavam empregados. “Com a pandemia, houve uma grande regressão, e vários deles perderam seus postos de trabalho, que foram fechados.”
Crise e territórios vulneráveis
Sócio do Instituto Locomotiva, que desenvolveu vários estudos em parceria com a Cufa durante a pandemia, Renato Meirelles tem uma visão panorâmica da situação nas favelas brasileiras, nas quais vivem mais de 11 milhões de pessoas: “Nossas pesquisas mostraram que 57% dessa população ficou cinco meses ou mais sem trabalhar nesta pandemia; 93% não têm nenhum dinheiro guardado.”
É nesse cenário que o empreendedorismo por necessidade acaba parecendo uma solução para se buscar alguma renda. Não à toa, o ano de 2020 registrou o recorde histórico de abertura de CNPJs: foram criados 3.359.750 novos negócios, sendo os microempreendedores individuais (MEIs) a grande maioria deles.
Meirelles, no entanto, aponta para um “círculo vicioso ao contrário”, no qual a falta de recursos se torna uma ameaça para os pequenos negócios locais. “Para empreender é necessário um mínimo de estrutura. Quem tem acesso a crédito na favela? Ou, uma coisa que parece banal para nós: sinal de internet de qualidade?”
Dois projetos da FEAC lidaram justamente com essas questões. O Família ON, parceria com a Cufa e com a Alô Social, distribuiu, desde dezembro de 2020, 5 mil chips de celular em territórios vulneráveis de Campinas. Um de seus efeitos foi possibilitar que, ao conseguirem acessar regularmente a internet, mulheres conseguissem procurar emprego ou marcar serviços.
Já o Tempo de Empreender, também lançado no ano passado, tinha como objetivo justamente qualificar microempreendedores de territórios vulneráveis de Campinas. Mulheres foram 75% das 292 pessoas inscritas.
“O desemprego é uma temática importante nesses locais, ao mesmo tempo em que há uma oferta cada vez menor de empregos formais. O empreendedorismo surge como uma opção de inclusão produtiva”, explica Arthur Goerck, líder do Programa Desenvolvimento Local, da Fundação FEAC, que desenvolveu o projeto.
O Tempo de Empreender lida, inclusive, com a questão do crédito. Foi feita uma parceria com a startup financeira Firgun para oferecer empréstimos aos participantes do programa. “Existe uma fragilidade no acesso ao crédito e as pessoas mais vulneráveis também têm aversão ao risco. Isso é fundamental para dinamizar a economia local”, diz Arthur.
Retomada
A segunda onda da pandemia foi mais forte do que o esperado, e isso deve atrasar tanto a recuperação econômica quanto a retomada do emprego, que ocorrem em descompasso. “Os empresários precisam sentir que a economia melhorou antes de começarem a investir novamente e criarem novos postos de trabalho”, diz Maria Andréia, do Ipea.
A pesquisadora ainda aponta que as populações vulneráveis serão as últimas a sentirem os efeitos positivos da retomada. “Elas irão para o final da fila. A taxa de desemprego está alta e há muita gente qualificada disponível. Vai ser absorvido primeiro quem tem mais experiência, os mais escolarizados.”
Isso será um problema particularmente grave para as pessoas de classes D e E, que muitas vezes têm profundas defasagens em sua formação. “Muitos projetos são feitos para jovens que já têm alguma base. É preciso descer mais alguns degraus para alcançar aqueles que estão em vulnerabilidade”, diz Tatiane, da FEAC.
A FEAC tem três projetos voltados a qualificar jovens em áreas tão diferentes quanto gastronomia e TI. Mas a líder do Programa Juventudes destaca que, entre jovens vulneráveis, a qualificação é apenas mais um passo.
“Nós temos um conselho jovem no programa para ouvir o que eles têm a dizer. Muitas falas foram no sentido de não se enxergar nesse lugar do trabalho qualificado. Grande parte deles vive num lugar no qual o emprego é precarizado, em que se trabalha muito para ganhar pouco. É necessário fortalecer a autoestima deles, para que se reconheçam como potentes”, explica Tatiane.
Até por isso, trabalho é apenas uma das três dimensões com as quais a FEAC atua com jovens. As outras duas são autoproteção, que lida com temas como prevenção a infecções sexualmente transmissíveis, gravidez na adolescência, questões de gênero, diversidade e racismo, que muitas vezes limitam as escolhas dos jovens, e participação política.
Por Frederico Kling
Edição 5 – Pandemia e mercado de trabalho• Na pandemia, crise econômica afeta mais as pessoas vulneráveis |