(Por Laura Gonçalves Sucena)
Despertar a criatividade, promover a troca de experiências e garantir um espaço aberto de escuta e acolhimento. Assim é a atividade de mosaico ‘Juntando Cacos’, desenvolvida pelo Projeto Gente Nova (Progen) – unidade Jardim Garcia – que reúne mulheres em situação de violência ou de violação de direitos do Serviço Especializado de Proteção Social à Família (SESF) com um grupo de moradoras da comunidade.
Denominado Cores, Aromas e Formas, o grupo se apoia em todas as situações. “Quando uma mulher entra no grupo, ela passa por uma espécie de ‘prova’ pois entrego um azulejo onde será refletida a sua imagem. Peço para que ela relembre de uma situação difícil que enfrentou, que lembre do significado que isso teve em sua vida e, em seguida, falo para jogar essa peça no chão. As partes quebradas serão utilizadas em suas primeiras obras. É uma maneira de começar uma experiência nova”, explicou a educadora social, Samanta Braga de Oliveira.
De acordo com Samanta, em muitas famílias a violência doméstica está presente. Desta forma, a dinâmica de quebrar o azulejo acaba servindo como instrumento de fortalecimento. “Nossa intenção é construir uma perspectiva de valorização dessas mulheres e de respeito por seus próprios limites e potencialidades num espaço de convivência”, falou a educadora.
Para o assessor social do Departamento de Assistência Social da Fundação FEAC, Alann Scheffer de Oliveira, as pessoas atendidas no SESF vivenciam situações de violência e violações de direitos que necessitam de um olhar cuidadoso e afetivo por parte do serviço. “É importante ressignificar as experiências do cotidiano para a ampliação de repertórios de enfrentamento ou extinção dessas situações vividas. E o atendimento realizado pelo Progen traz essas concepções na sua essência”, constatou.
Às terças-feiras de manhã, na instituição parceira da Fundação FEAC, além de aprender as técnicas de mosaico e criar peças decorativas, o grupo ainda reflete sobre o conceito de comunidade e fala a respeito da garantia de direitos. As conversas vão desde assuntos de sustentabilidade até temas do cotidiano.
O mosaico também está presente nos atendimentos familiares realizados por profissionais da instituição. “Além dos educadores sociais, trabalhamos com psicólogos e assistentes sociais nos atendimentos com as famílias. Quando vamos às casas de algumas usuárias levamos uma tela com as peças e as famílias começam a fazer o mosaico. Ao longo da atividade detectamos como esse núcleo familiar vive e percebemos se está sendo mantida a garantia de direito. Se houver algum problema, pensamos em estratégias para garantir uma melhor convivência. Nossa intenção é que essas mulheres deixem o serviço e essa violência acabe”, enfatizou Samanta.
De acordo com Samanta, a violência doméstica é multicasual e não pode ser explicada apenas por um fator. “Percebemos no decorrer do atendimento às famílias que a forma agressiva ou negligente que se relacionam têm muito a ver com o que elas passaram. Quem passa por violência pode acabar causando a mesma. E o que queremos aqui é construir valores, fazer com que elas enxerguem que têm autonomia e capacidade de transformação”, esclareceu.
Elaine Marcelino, uma das participantes do grupo, garante que a atividade traz tranquilidade e alegria para todas. “Todas nós temos problemas e acabamos apoiando umas às outras. Aqui temos um momento de paz, somos companheiras e parceiras”, falou.
Comunidade afetiva
A união do grupo da comunidade que frequenta o centro de convivência inclusivo e intergeracional , com as mulheres do SESF, deu tão certo que hoje a oficina de mosaico é um sucesso. “Este é um espaço em que trocamos experiência, falamos sobre nossos problemas e acabamos nos ajudando. Passamos uma manhã tranquila, esquecemos os problemas que temos em casa e encontramos nossas amigas. Aqui somos todos iguais, independentemente do que enfrentamos”, falou Paulina Santimaria, de 81 anos.
Para Samanta, o grupo ainda é eficaz para que as pessoas da comunidade entendam o serviço de média complexidade. “Acaba acontecendo uma empatia, uma vez que as pessoas da comunidade compreendem o grupo. Por meio desse espaço de escuta e de acolhimento, acaba havendo uma consciência da realidade social”, garantiu.
A aposentada Odila Belini concorda que a convivência entre o grupo só traz benefícios. “Faz um pouco mais de 2 anos que cheguei aqui. Estava com depressão e estressada e acabei fazendo muitas amigas. Tive muita ajuda do grupo e hoje tenho felicidade de viver. Foi uma mudança de vida total”, afirmou.
Mosaico e adolescentes
O mosaico acabou fazendo tanto sucesso que também foi escolhido para ser trabalhado numa oficina para adolescentes. No espaço de acolhimento e escuta, os jovens de 13 a 18 anos trocam experiências utilizando a técnica decorativa com cacos de azulejo e a iniciativa, que teve início em março deste ano, está indo de vento em popa.
“Já atendíamos os adolescentes com outras oficinas, mas eles nos demandaram o mosaico. No início foi uma surpresa, mas eles gostaram tanto que decidimos seguir em frente”, falou Samanta.
Também no Serviço de Proteção Especial de Média Complexidade, os adolescentes aproveitam o espaço para conversar sobre questões de violência, vivências do cotidiano, transição para a vida adulta, trabalho, expectativas, escola, cultura e lazer. “Queremos proporcionar o desenvolvimento do senso crítico e estimular a apropriação e participação desses meninos e meninas no exercício da cidadania, visando a autonomia e o protagonismo”, falou a educadora.
Segundo o psicólogo da instituição, Edilson Guarnieri Junior, os adolescentes trazem assuntos que vivenciam diariamente e o mosaico é um instrumento de mediação para essa conversa. “Como a técnica exige um tempo grande de confecção, passamos vários dias para terminar uma peça. Assim são os processos da vida, com começo, meio e fim. E saber que as coisas têm continuidade é importante para a adolescência”, ressaltou.
Além do mosaico, a oficina também conta com uma sessão cinema que acontece uma vez por mês. “Exibimos filmes que falam sobre o universo dos adolescentes. Trabalhamos em cima desses temas e mostramos que todos têm problemas. E assim possibilitamos o compartilhamento de experiências. Não podemos patologisar a adolescência, afinal é uma parte da vida que todos passamos”, resumiu o psicólogo.0
Saiba mais sobre o Progen:
www.progen.org.br
www.facebook.com/ProjetoGenteNova