Por Frederico Kling
A sustentabilidade financeira é fundamental para que o terceiro setor consiga ter impacto. Para realizar projetos, as OSC precisam de toda uma estrutura. As organizações maiores se profissionalizaram bastante nesse sentido nos últimos anos. As menores, porém, ainda precisam avançar para garantir sua sobrevivência.
“No Brasil, é comum OSC de médio e grande porte terem um departamento de captação ligado a seu planejamento estratégico. A maioria das pequenas, no entanto, nem plano de sustentabilidade tem”, diz Jair Resende, superintendente socioeducativo da Fundação FEAC.
Resumidamente, a sustentabilidade financeira tem de garantir que uma OSC seja capaz de gerar mais receitas do que tem de despesas, garantindo sua operacionalidade.
Um dos grandes erros é confiar em apenas uma fonte de recursos. “Ter, por exemplo, um único doador responsável por 80% das receitas é um risco. Se ele faltar, a OSC vai sofrer muito. É importante diversificar as fontes de recursos”, explica João Paulo Vergueiro, diretor-executivo da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR).
Depender de apenas um investidor social também pode engessar a atuação das organizações. Jair cita como exemplo o que ocorre com pequenas OSC que vivem basicamente de termos de cooperação com o poder público, e que se tornam praticamente “prestadoras de serviço”, sem nenhum planejamento estratégico para irem além disso.
E isso mesmo levando em conta o fortalecimento nas parcerias entre OSC e setor público, com a implementação do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, de 2014. A lei criou o conceito jurídico de organização da sociedade civil e uma regulação nacional para as parcerias entre ONGs e governos, trazendo mais segurança para essa união de forças.
Capacitação para sustentabilidade
A FEAC foi criada, na década de 1960, exatamente para fortalecer o ecossistema do terceiro setor de Campinas. E essa missão continua até hoje. “Nosso Programa Qualificação de Gestão de OSC tem como um de seus objetivos apoiar práticas de captação de recursos oferecendo qualificação para organizações”, afirma Jair.
O superintendente socioeducativo reconhece, no entanto, que os projetos de qualificação da FEAC têm uma aderência insuficiente pelas OSC de Campinas. O motivo é que as organizações menores estão muitas vezes tão ocupadas com sua operação que não conseguem pensar na estratégia, em meios de garantir sua atuação no longo prazo.
“A preocupação com a sustentabilidade tem de estar na cultura da organização. E isso passa necessariamente pelo conselho, pela governança. Tem de vir de cima para baixo. Sem isso, não adianta ter uma área de captação. Não vai funcionar”, ressalta João Paulo, da ABCR.
Conselho? Governança? Esses parecem termos muitos distantes para OSC pequenas, ocupadas em “matar um leão por dia”, como diz Jair. Mas não são.
João Paulo ressalta que, nas OSC, é importante separar quem pensa e quem executa. E até as menores podem sim formar conselhos que ajudem nisso. “Elas podem procurar na própria comunidade seus conselheiros. Podem ser amigos do fundador, algum contador que atue na região, alguém especialista em comunicação, etc.”
O representante da ABCR indica também um guia do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa que aponta caminhos para que as OSC trabalhem esse tema.
Inovação
Há cerca de quatro anos, a FEAC mudou sua atuação, passando a trabalhar muito em rede, fazendo parcerias com organizações no território. Para fortalecer essas OSC, geralmente pequenas, a Fundação introduziu uma novidade nos termos de cooperação: um overhead financeiro.
Trata-se de incluir, nos recursos que serão repassados, um percentual a ser utilizado em ações que potencializem a missão institucional da organização parceira.
Do investimento social privado que a FEAC faz para projetos com suas parceiras, 15% são reservados apenas para esse fim.
Essa medida ataca um grande problema para o ecossistema do terceiro setor. Todo mundo quer dar recursos para financiar um projeto, mas poucos querem que seu dinheiro vá para coisas aparentemente prosaicas, como adquirir equipamentos para a OSC ou consertar um telhado quebrado.
“É preciso educar doadores, que muitas vezes olham só o projeto, e não a instituição. As organizações precisam de recursos para cuidar da estrutura física da sua sede, para pagar seus colaboradores, para implantar um software”, aponta Jair.
Sustentabilidade após a pandemia
Com a deterioração dos indicadores socioeconômicos, não é alarmante pensar que o terceiro setor será ainda mais demandado no momento pós-pandemia. Isso ressalta ainda mais a importância de trabalhar a sustentabilidade.
João Paulo diz que ainda há poucos dados para dizer se haverá um problema de financiamento das OSC. Otimista, ele lembra que o setor tem crescido ano após ano. Se isso não mudar, as organizações, diz ele, terão sim de se fortalecer institucionalmente para garantir a sustentabilidade.
Para Jair, o risco maior está justamente no fato de o terceiro setor ter sido tão demandado durante a crise sanitária. “As OSC tiveram de focar tanto na operação que podem acabar não conseguindo ver um horizonte maior.”
Mas o representante da FEAC também vê motivos para otimismo. Jair ressalta que a pandemia deu às OSC uma oportunidade única de construir redes e criar relacionamentos novos. “Cultivar essas parcerias será muito importante para o pós-pandemia”, finaliza.
Edição 4 – Impulsionando OSC• Qualificar a gestão ajuda a fortalecer o ecossistema do terceiro setor |