Por Laíza Castanhari

Apesar de estarem diminuindo desde os anos 2000, os índices de gravidez na adolescência no Brasil ainda são muito preocupantes: estima-se que, por ano, mais de 400 mil jovens entre 10 e 19 anos de idade se tornam mães, segundo o Ministério da Saúde. Isso significa que cerca de 18% dos brasileiros nascidos são filhos de adolescentes. Essa foi uma das razões de o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ter incorporado, em 2019, a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, criada pela Lei 13.798/19, e que em 2021 acontecerá entre 1º e 8 de fevereiro. Mas qual é afinal o papel que as OSC podem ter em relação a esse assunto?

O projeto Jovens Mobilizadores/as pelos Direitos Sexuais e Reprodutivos, criado em 2017 numa parceria entre a Fundação FEAC e a Reprolatina, atua em 16 territórios vulneráveis de Campinas e parte da premissa de que os próprios adolescentes podem ser agentes transformadores. Para isso, recebem uma capacitação adequada, assim como os profissionais que atuam com eles nas escolas, OSC e centros de saúde.


Projetos levam informações sobre direitos sexuais e reprodutivos a adolescentes e acolhem jovens mães


Entre seus vários temas, está a prevenção da gravidez na adolescência. O projeto entende que envolver os meninos nessa discussão é fundamental. “Nossa sociedade machista colocou essa responsabilidade para a mulher, mas temos que reconhecer qual é o nosso papel. Será que ser homem é ter ausência na prevenção?”, questiona Rodrigo Correia, coordenador do projeto.

Ele explica que é preciso conversar constantemente com os jovens. “Não adianta ir na escola, fazer uma ação e depois não ter mais nada. Se o jovem nunca soube como cuidar do próprio corpo, da sua saúde, se ele não está bem com seus sentimentos, com a construção dos seus valores, como ele vai pensar na prevenção, que está diretamente ligada a essas questões?”

Adolescentes estão sentados em roda, em uma sala de aula. Eles participam do programa Jovens Mobilizadores.

Projeto Jovens Mobilizadores realiza ações em escolas sobre direitos sexuais e reprodutivos (Foto: Equipe Reprolatina)

Ainda há muito trabalho pela frente, pois, no Brasil, o índice de gravidez na adolescência (10-19 anos) é considerado alto: são aproximadamente 68 bebês nascidos a cada mil jovens, segundo relatório da Organização Pan-Americana de Saúde (PAHO). É quase 50% acima da média mundial, estimada em 46. Na América do Sul, apenas Bolívia (72), Equador (77) e Venezuela (80) possuem índices maiores que o Brasil.

Margarita Díaz, presidenta da Reprolatina, ressalta a importância de conversar com os adolescentes, sem medo de que seja muito cedo para orientá-los sobre sexualidade. “Quando se trabalha com direitos sexuais e reprodutivos, isso não influencia a iniciação sexual. Pelo contrário, até retarda.”

Os direitos sexuais abordam a vivência da sexualidade, como o direito de decidir se quer ou não ter relações sexuais, escolher seu parceiro/a, expressar livremente sua sexualidade e ter acesso à educação sexual. Já os reprodutivos se referem ao corpo biológico, como o direito de escolher, de forma responsável, ter ou não filhos, e à garantia aos insumos de prevenção de gravidez.

Ambos são temas de acordos internacionais: foram definidos no Plano de Ação da Conferência Internacional da População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), que também contemplou crianças e adolescentes. Já a IV Conferência Mundial da Mulher (Pequim, 1995) os consolidou como direitos humanos. O Brasil é signatário dos dois.

Contexto social

Há indicadores que correlacionam gravidez na adolescência com vulnerabilidade social, baixa escolaridade e questões relacionadas a raça/etnia. Segundo a publicação Gravidez na Adolescência no Brasil – Vozes de Meninas e de Especialistas, do Unicef (2014), 88,4% das adolescentes que não tinham filhos estudavam, enquanto somente 28,4% daquelas que tinham estavam estudando; 69% das meninas com filhos eram negras; 59,7% delas não trabalhavam nem estudavam e 92,5% cuidavam dos afazeres domésticos.

O estudo ressalta que, muitas vezes, as adolescentes já haviam abandonado a escola quando engravidaram ou frequentavam as aulas irregularmente. Assim, a gravidez acentua um quadro de vulnerabilidade social que já existia.

Margarita aponta que jovens de territórios vulneráveis vêm, muitas vezes, “de famílias que possuem menos possibilidade de trabalhar com elas autonomia, competências socioemocionais e tomadas de decisões, pois também tiveram pouco acesso à educação”.

Suporte a jovens mães

Quando a prevenção falha, as OSC podem assumir outro papel. Em Campinas, a Casa de Apoio à Vida (CAVI), também parceira da FEAC, realiza o acolhimento e a orientação de grávidas em situação de vulnerabilidade social e emocional. Leonice Martins, psicóloga da instituição, explica que, na maioria dos casos, a gravidez não foi planejada. Muitas jovens também foram vítimas de abuso sexual e/ou violência doméstica.

“Se pudesse, não sairia de lá”, diz Ariani Carolini, 22 anos. Ela engravidou aos 16 anos e foi atendida pela CAVI. “No começo, me assustei, era muito nova e fiquei com medo de contar para minha mãe. Namorava o pai do meu filho, mas não podia contar com ele, porque era muito novo também.”

Na casa, as jovens recebem suporte social e psicológico e formam uma rede de apoio que, até então, muitas não tinham. A OSC oferece oficinas profissionalizantes e de maternagem, com duração de quase 20 semanas. “Eu tento trabalhar o empoderamento e a autoestima para elas se valorizarem”, diz Leonice.

“Ia grávida para a escola. Estudava à noite e trabalhava de manhã. Quando pari, fiquei afastada, mas concluí tudo, porque os professores me ajudaram adiantando as provas”, relata Ariani. Hoje, ela trabalha como monitora de uma creche.

Nos encontros, Leonice aborda as responsabilidades e direitos das futuras mães, além da continuação da vida como mulheres. “Eu falo da concepção, tipos de parto, aspectos psicológicos, métodos anticoncepcionais, planejamento e projetos de vida.” Ariani aprendeu: “Não é porque eu tive meu filho que minha vida tem que parar, ao contrário, quero mostrar para ele que, apesar das dificuldades, a gente tem que enfrentar. Me sinto uma mulher guerreira e responsável”.