(Por Laura Gonçalves Sucena)

Instabilidade, desafios e superação são algumas das palavras que fazem parte do cotidiano das Organizações da Sociedade Civil (OSC) durante a pandemia da Covid-19. Para se adaptarem ao novo cenário, muitas se reinventaram e criaram um modelo de atendimento diferenciado.

O Progen – Projeto Gente Nova, foi uma das instituições que está fazendo de tudo para manter o vínculo com seus usuários. Muito além de entrega de cestas básicas e telefonemas para entender as necessidades das famílias atendidas, a OSC, nas três unidades nos bairros Jardim Bassoli, Vila Bela e Satélite Íris, criou um atendimento focado nas comunidades em que atuam.

Os coordenadores e demais membros das equipes do Progen afirmam que no início, quando as unidades tiveram que fechar suas portas, a preocupação maior era com o atendimento emergencial. “Primeiro trabalhamos com a entrega de auxílios emergenciais, cestas básicas, cartões de benefícios, kits de higiene e limpeza, mas começamos a perceber que havia muito mais a ser feito e começamos a planejar”, contou a coordenadora de projetos da unidade do Jardim Bassoli, Clarisse Carlota.

Todas as três unidades fizeram contato com seus atendidos via telefone, montaram grupos de whatsapp, realizaram lives nas redes sociais e conseguiram manter o vínculo. Aida mantiveram contato próximo com suas comunidades e atenderam a população em geral. Também realizaram empréstimos de jogos e livros, que foi muito bem aceito pelos usuários.

Para Sílnia Prado, líder do programa Fortalecimento de Vínculos da Fundação FEAC, o trabalho realizado nas unidades do Progen mostra como é essencial reinventar a convivência no período em que estamos vivendo. “As OSC que executam serviços da proteção social básica que visam prevenir situações de vulnerabilidade e risco social, estiveram, em sua grande maioria, na linha de frente nos territórios desde o começo da pandemia e tiveram de criar novas formas de manter os vínculos. Foram fundamentais no atendimento e no acolhimento das demandas familiares e comunitárias e na defesa da arte e da cultura como manifestações vitais para nós, enquanto indivíduos e sociedade. A equipe do Progen, por exemplo, rapidamente entendeu de que este cenário se prolongaria por muitos meses causando agravamento na situação de muitas famílias, além dos impactos individuais gerados pelo isolamento, e agiu de forma segura e criativa, com uma escuta sensível, diminuindo o distanciamento social e fortalecendo os vínculos já construídos”, disse.

Cartas, festivais e documentários

Na unidade do Jardim Bassoli, a estratégia para o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários teve início com uma ação nada usual para os dias atuais. A equipe pensou em escrever cartas para as crianças. Isso mesmo, cartas!

“Ninguém mais recebe cartas e as crianças nem sabem o que é isso. Mas resolvemos inovar e escrevemos mais de 200 cartas”, disse Clarisse. As respostas não foram muito animadoras. “Somente duas crianças nos escreveram de volta, mas não desanimamos. Procuramos saber o motivo e a maioria nem sabia que era para responder. Daí explicamos e então teve início a comunicação via correspondência, bem ao estilo do passado. Agora, isso já virou um hábito tanto para a equipe quanto para a criançada”, falou.

A instituição também apostou em manter o que fosse possível e tentou seguir o calendário de ações. “Aqui temos três festivais: o de dança, o de música e o de capoeira. O de música aconteceu em julho, com os professores das três unidades e nossos usuários puderam acompanhar numa live nas redes sociais”, contou o pedagogo da unidade, Lucas Florentino.

Já o festival de dança foi uma ação conjunta com as educadoras sociais e os usuários. Alguns adolescentes que faziam a oficina de dança foram convidados a participar e dançar nas ruas do bairro, mostrar as belezas locais e, desta forma, mostrar para a população que a arte ainda está viva. Tudo foi produzido, filmado e editado para a elaboração de um vídeo.

“Os participantes toparam fazer a coreografia quando convidados. As danças e as filmagens foram realizadas com muita segurança, seguindo os protocolos. Aproveitamos para mostrar as ruas do bairro e suas belezas e o vídeo fez o maior sucesso”, falou Lucas.

Kaike Gabriel, 13 anos, foi um dos participantes do festival de dança e conta que a atividade fez a vida ficar melhor durante a pandemia. “A gente fica trancado em casa e isso é muito chato. Faço a oficina e gosto de dançar, então quando soube do festival fiquei bem animado. Teve os ensaios e as filmagens, a rotina mudou e isso foi bacana. Também fiquei feliz porque o vídeo fez o maior sucesso”, comemorou.

Já o festival de capoeira acontece agora em novembro, dentro do projeto Vidas Negras Importam que é o tema de uma das ações do mês da Consciência Negra. “Vamos fazer um documentário sobre esse tema. Já temos a música que foi composta por um dos nossos adolescentes e daí vamos ter também um desafio poético e a capoeira”, explicou Lucas.

Idosos e crianças em ação

Na unidade do bairro Vista Bela as ações também agradaram os usuários do serviço. Lá também tiveram lives, contatos telefônicos, entrega de mais de 800 cartas, distribuição de kits e muito mais. Mas uma das atividades chamou a atenção: o Coral com os idosos.

Segundo Marcela Souza, coordenadora técnica da unidade, a população de idosos do bairro é bem grande e eles são bem participativos. “É um grupo unido que gosta de arte e cultura. Eles já cantam faz um tempo e daí tivemos a ideia de gravar uma canção com eles e fazer um vídeo. Nossa preocupação é que os idosos, por serem de risco, ficassem muito isolados durante a pandemia, o que pode causar depressão. Então ficamos bem próximos deles e sempre pensando em algo que eles pudessem fazer”, contou.

O grupo foi convidado, escolheu a música e todos participaram dos ensaios. Na hora da gravação, a equipe do Progen foi na casa de um dos participantes, com os equipamentos de proteção e fez a gravação.

“Depois, na edição, juntamos a música, as vozes e fizemos o vídeo. A música escolhida foi Tocando em Frente, de Renato Teixeira e Almir Sater, que eles adoram. Ficou muito bonito o resultado final e daí postamos nas nossas redes sociais e marcamos o cantor. E não é que a assessoria dele viu e nos respondeu. Ficamos muito felizes e animados e agora a paixão pelo músico aumento ainda mais”, afirmou Marcela. Confira o vídeo aqui.

A criançada também brilhou numa ação inovadora ocorrida no Dia da Criança. “Pensamos em como poderíamos entregar um presente para as crianças e fizemos o Drive Thru Social. Foi uma manhã muito gostosa, na qual fizemos um kit bem bacana para as crianças que puderam passar por aqui. Para isso entramos em contato com as famílias e combinamos essa passada pela instituição, sempre mantendo o foco na segurança contra a Covid. E o melhor é que pudemos matar a saudade de longe”, contou a coordenadora. 

Cafezinho e trabalho duro

Já na unidade do Progen do Satélite Íris, uma das ações realizadas com o pessoal do Centro de Convivência Inclusivo e Intergeracional (CCII) foi o Bolo do Abraço. “Pensamos em algo para nos aproximar dos adultos e idosos e resolvemos fazer bolos. No total foram entregues 200 bolos com cartões confeccionados pelos educadores. Passamos de casa em casa, sempre com equipamentos de segurança, e fizemos as entregas. Foi muito emocionante e com um resultado sensacional”, contou a coordenadora técnica da instituição Paloma Casarini.

Aline Alves, pedagoga da unidade, conta que, desde março, as ações diretas e indiretas realizadas com os usuários tiveram a participação fundamental dos educadores. “Eles foram essenciais nesse período, muito criativos e sempre colocaram a mão na massa. Além das novas ideias, também resolveram revitalizar nosso espaço”, comentou.

Sempre atentos ao momento de retomada das atividades, os educadores pintaram, plantaram e readequaram o local. Foi feita uma horta suspensa, plantação de grama, viveiro e muito mais. “Essa pandemia causou muita oscilação emocional, nós realmente não estávamos preparados, mas paramos e pensamos no que poderíamos fazer. Resolvemos mostrar que estamos com saudades e preparamos nosso espaço para ficar mais criativo para a hora da retomada. É nossa forma de mostrar que estamos com saudades”, contou o educador Fabricio Bellini.

A unidade também realizou diversos projetos, com a entrega de Kits de jogos, de artesanato, de ginástica, de zumba, entre outros. Continuou com outros projetos já existentes, como o Entre Laços e Nós, que aborda o tema da violência, Jovens Conectados, e o Mãos Solidárias, que realizou a entrega de cestas básicas para diversas famílias em situação de vulnerabilidade social. “Muitos projetos estão ainda mais ativos nessa pandemia e eles estão inclusive se conversando para que as coisas aconteçam ainda melhor”, explicou Paloma.

Informações e retomada

O Progen aproveitou esse período de pandemia para realizar um estudo sobre os territórios em que atua. “Cada unidade fez um mapeamento do seu território, mas sempre com um olhar para as famílias”, comentou Paloma.

Desta forma, as equipes colheram informações sobre tecnologia e comunicação. “Perguntamos se as famílias estão recebendo nossas mensagens, se eles têm celulares, se possuem computadores ou outro dispositivo, se possuem internet, wi-fi etc. Com essas informações pensamos em estratégias para atingir o maior número de pessoas”, disse a coordenadora.

A instituição também pensa ativamente na retomada do serviço. Além da adequação dos espaços, as equipes já criaram protocolos para a volta das atividades. “Temos os protocolos de acolhimento, de atividades, de refeições e de atendimento. Queremos voltar com segurança, tanto para as famílias quanto para nossa equipe. Hoje estamos preparados para receber”, garantiu Paloma.

“A gente não vê a hora do Progen voltar a atender. Eu faço tudo aqui, participo das oficinas, converso com as amigas, com os educadores e isso distrai demais. Agora a gente fica em casa e dá até uma depressão. Nossa sorte é que o Progen vem ajudando a gente, manda atividades pra gente fazer e sempre pergunta como que a gente está passando. O contato é muito bom, mas quero que retome logo as atividades. Já tá na hora, né?”, frisou a dona de casa, Liliane Vitor Luiz.

Fortalecimento de Vínculos

O Progen é uma das instituições que fazem parte do programa Fortalecimento de Vínculos, iniciativa da Fundação FEAC que investe na qualificação de ações integradas de cultura, esportes e cidadania com o objetivo de prevenir o agravamento da vulnerabilidade social e reforçar os vínculos familiares e sociais protetivos.

Saiba mais: https://www.feac.org.br/fortalecimentodevinculos/