(Por Laura Gonçalves Sucena)
Utilizar a arte como forma de aprendizado para a entrada no mundo do trabalho é uma das estratégias do programa ‘Arte e Cidadania’ da Sorri Campinas. Durante a semana, um grupo de pessoas com deficiência intelectual e múltiplas deficiências passa por diversas oficinas e vivências que, por meio das artes, reproduzem o dia a dia em empresas e comércios.
O resgate da autoestima, autonomia e cidadania dos usuários da Sorri, instituição parceira da Fundação FEAC, estimula o empreendedorismo e leva à conquista profissional. E os esforços dão resultados.
Só este ano quatro usuários já foram para o mercado de trabalho. Igor de Camargo, 19 anos, já arrumou emprego e logo vai começar a trabalhar como auxiliar de cozinha. “Estou animado porque aqui aprendi a fazer várias coisas”, falou.
“Há 13 anos, começamos o programa de uma forma muito tímida visando a geração de renda. Mas percebemos que o mercado deseja a mão de obra das pessoas com deficiências e vamos adequando o Arte e Cidadania com essas demandas”, explicou a gerente da Sorri, Ester Piza de Almeida Barros.
A vivência da rotina de trabalho é o ponto alto do programa. “As empresas falam o que elas desejam e tentamos reproduzir nas oficinas, que são sempre mescladas com vivências artísticas. Queremos desenvolver habilidades e atitudes que sejam úteis para os nossos usuários”, falou Ester.
Para Regiane Fayan, assessora técnica do Departamento de Assistência Social (DAS) da Fundação FEAC, ações que visam a inclusão e a permanência de pessoas com deficiência no trabalho são essenciais. “Entidades que têm como expertise o trabalho com pessoas com deficiência devem ter este olhar, incluir o indivíduo na sociedade em todos os âmbitos e inovar em suas ações. Não basta apenas qualificar e realizar a colocação no mercado de trabalho, mas também trazer à tona ações que possam sensibilizar empresas sobre a diversidade. Todo ser humano é um ser social e se desenvolve diariamente por meio das relações que estabelecem com outras pessoas”, ponderou.
Semana agitada
O mercado traz a necessidade e a Sorri desenvolve as oficinas e vivências mediante demandas apontadas. Segunda-feira é dia da oficina de culinária, composta pela culinária e higienização dos espaços e surgiu da demanda de hotéis que necessitam de auxiliares de cozinha.
Durante o dia, os usuários montam o cardápio, pesquisam preços, fazem compras, cozinham, almoçam e limpam todo o espaço. Eles recebem instrução de uma nutricionista sobre alimentação saudável, alimentos da estação e montagem do cardápio.
Também vão ao mercado, escolhem as frutas, verduras e carnes e são os responsáveis por todo o processo. A educadora acompanha as atividades por completo, mas só há intervenção em caso de necessidade.
De acordo com Ester, a atividade acaba trabalhando ainda noções de matemática, uma vez que os jovens têm que saber a quantidade de alimento a ser feita, medidas e número de porções. “A culinária ainda é importante para a autonomia desses jovens porque aprendem a cozinhar para eles próprios”, disse.
Na terça-feira é a vez da oficina de mosaico e de produção de sacolas. A atividade de geração de renda estimula a criatividade e garante a autonomia. “Uma empresa faz a doação dos ladrilhos utilizados para decorar as caixas e bandejas e os usuários aprendem a fazer a colagem dos materiais, a decorar e também a precificar as peças. É um trabalho de concentração que acaba ajudando em outras tarefas”, garantiu Ester.
Com a produção, a Sorri promove feiras para a venda dos produtos e a renda adquirida é utilizadas conforme a vontade dos usuários, sempre visando a autonomia e o protagonismo social.
Noções sobre reciclagem e meio ambiente são abordadas às quartas-feiras. Outra atividade é o grupo de sentimentos. “Colocamos essas atividades porque achamos que são assuntos importantes tanto para a vida profissional quanto pessoal dos nossos atendidos. A reciclagem é assunto sério e muitas empresas fazem as separações de resíduos. Por outro lado, falar sobre os sentimentos é uma forma de extravasar as emoções, colocar para fora o que eles sentem”, frisou a gerente.
Também às quartas-feiras, os jovens participam do coral, com músicas escolhidas pelo grupo. “A arte, em todas as suas formas, estimula o protagonismo, o pensamento crítico, facilita a comunicação e a convivência”, frisou Ester.
Nas quintas-feiras, o grupo trabalha com o aprendizado de separação de notas fiscais, oficinas de comunicação e eventos. Outra atividade é o recebimento de alunos de escolas que desejam visitar a instituição e conhecer a Turma do Bairro. “Nessa atividade, os usuários atuam como monitores e interagem com os visitantes. E nisso, as crianças visitantes aprendem também a respeitar as diversidades. O ganho é para todos”, completou.
Para terminar a semana, as sextas-feiras contam com atividades de educação financeira – que trabalha com noções de valores e precificação – e inclusão digital. De acordo com Ester, os usuários precisam aprender a lidar com o dinheiro e saber o que fazer com o salário recebido.
Há também a aula de solda em placas eletrônicas, promovida por voluntários do Instituto Eldorado. Eles vão de ônibus até a empresa e aprendem como lidar com os equipamentos, utilizando inclusive EPIs – equipamentos de proteção individual, como óculos e luvas.
Outra atividade é o grupo de ritmos onde os jovens trabalham com a música. “Com o auxílio de um voluntário, eles fazem letras e músicas e isso acaba sendo útil para a comunicação, a coordenação motora, a concentração, o respeito e muito mais. É um trabalho em equipe! Tudo que fazemos tem uma razão”, garantiu Ester.
Segundo a educadora Sonia Regina Guarnierri Gozzi, a grande diferença do programa é a autonomia. “Trabalho com esses jovens há 5 anos e aprendo muito. Eles chegam aqui com muito ‘não’: não consigo e não posso. Mas aprendem que eles podem sim! É a conquista da autonomia e isso não tem preço”, enfatizou.
Para os usuários, a semana agitada não poderia ser melhor. “Eu gosto de tudo que tem aqui, todas as atividades, e adoro fazer ritmos porque me divirto bastante”, falou Lucas de Oliveira. “Aprendemos muitas coisas aqui e vendemos nossos produtos. Compramos mais materiais para continuar o trabalho e também fazemos festas. A comida que a gente faz também fica muito boa! ”, ressaltou Michel Santos.
O programa Arte e Cidadania conta ainda com grupos de discussão sobre temas originados pelo interesse dos usuários; palestras informativas; roda de conversa para reflexão das situações do cotidiano; e elaboração e organização de eventos.
Mercado de trabalho
A inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho está amparada na Lei n° 8.213/91 que completa 26 anos de existência neste 2017. A legislação estabelece cotas de emprego de 2% a 5%, nas empresas com mais de 100 empregados, para pessoas com deficiência ou reabilitadas. “As cotas foram e ainda são essenciais para a inclusão, convivência e participação social destas pessoas. Mas é preciso olhar o direito ao trabalho para além delas”, explicou Regiane.
Em 2016, houve 934 contratações de pessoas com deficiência no município de Campinas/SP, o que representa apenas 0,68% de todas as contratações do ano, segundo dados da Secretaria Municipal de Trabalho e Renda. “O número é muito aquém ao das pessoas com deficiência que estão em idade de trabalho. Se houvesse mais ações das empresas para a inclusão desse público no mercado de trabalho, independentemente de cotas, este número tenderia a ser maior”, ponderou Regiane.
Saiba mais: www.sorri.org.br