Ingrid Vogl

Pensar a escola com todos, e não só para todos. Esta é uma das questões levantadas por Sonelize Auxiliadora Cizoto, pesquisadora do Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA) e autora de livros didáticos, quando se fala da utilização de tecnologia assistiva na educação, cujo termo é adotado para definir recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e, consequentemente, promover inclusão e autonomia.

“Quanto mais a gente conseguir que esse com todos seja concreto, mais a escola está cumprindo o papel dela de oferecer a chance de transformação. E isso envolve o amplo uso da tecnologia assistiva, que deve ir além dos muros da escola, em casa e outros lugares”, afirmou a especialista.

Mais do que uma escola para todos e que promova a inclusão, a busca atual é por uma escola que tenha qualidade. “ A tecnologia assistiva é muito recente e as pessoas têm tendência a achar que tecnologia assistiva é máquina, ferro. Essa definição da tecnologia envolve procedimentos, metodologias. E isso é central quando se fala em educação. Se a pessoa aprende de uma maneira particular e ela tem algum tipo de necessidade específica, independe se ela é com ou sem deficiência”, opinou Sonelise.

A especialista defende também que a tecnologia assistiva, além de ser essencial para o desenvolvimento das habilidades dos alunos com deficiência, pode ser utilizada por outros que não possuem deficiência, mas sim dificuldades de aprendizado. “Todo mundo tem sua especificidade. Se eu fizer algo para um aluno cego aprender matemática, será que isso não serve para quem enxerga que pode se identificar com aquele recurso ou metodologia diferente? Este tema nos leva a pensar que os recursos podem ser usados independentemente da deficiência, e podem ser oferecidos para todos”, defendeu.

Acesso à escola

A dificuldade de acesso de crianças com deficiência na escola é outra realidade. Dados do Censo 2016 apontam que em Campinas/SP, o número de crianças e adolescentes com algum tipo de deficiência no ensino básico é pífio. Nas escolas de educação infantil, as crianças de 0 a 3 anos com deficiência somam 131 de um total de 26.869 matriculadas na rede pública e privada, o que representa um percentual de inclusão de apenas 0,37%.

Já entre as crianças que estão na pré-escola (4 e 5 anos), o Censo aponta que 189 possuem algum tipo de deficiência em um universo de 25.782 alunos matriculados em escolas públicas e privadas, o que representa uma taxa de 0,56% de inclusão. Nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano), dos 50.908 alunos matriculados, apenas 952 possuem deficiência, ou seja, 1,87% de inclusão.

Nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano), o percentual é um pouco maior. Dos 38.152 alunos matriculados, 912 possuem deficiência, ou seja: 2,39% de inclusão. No ensino médio, esse número volta a cair. De um total de 35.056 alunos matriculados, 278 possuem deficiência, o que representa 0,79% de inclusão.
O número de escolas acessíveis também deixa a desejar. Entre as escolas de educação infantil, apenas 16% do total de 337 possuem acessibilidade. No ensino fundamental de 307 unidades, apenas 23% são acessíveis e 154 escolas do ensino médio, 29% são acessíveis.

“A gente fala tanto de inclusão porque não temos, senão não estaríamos falando sobre isso. É uma questão tão recente que ainda não tivemos chance de viver essa diferença para lutarmos pela inclusão. Hoje a grande questão é: quem é essa pessoa que é tão diferente de mim? Porque em geral, as pessoas tendem a ter medo e serem inseguras frente ao diferente”, explicou Sonelise.

Para a especialista, o grande desafio da educação inclusiva é garantir o acesso, a permanência e a qualidade do ensino para essas crianças. “Para esses alunos, essas etapas são mais perversas. Às vezes a própria escola e a própria família recusam esse convívio. Na escola, a criança sem deficiência tem muito o que aprender com as deficientes, porque ela se torna uma outra pessoa quando aprende a conviver com as diferenças ”, analisou Sonelise.
Outra crítica que a especialista faz é que as crianças com deficiência são recebidas na escola de maneira desprezível.

“É preciso trabalhar a aceitação da sociedade. Geralmente, o professor vê a necessidade da inclusão em sala de aula como mais trabalho. De algum modo, quem não quer é a sociedade. Justamente por ser recente, ainda não sabemos lidar com a diferença, a gente teme o diferente, não se sente seguro”, explicou.

“A primeira coisa que se fala de alguém com deficiência é justamente sobre a deficiência. As outras coisas somem perto disso. A pessoa tem tantas características positivas, e inclusive é cega. Na escola, quando se recebe o aluno é a mesma coisa: a primeira coisa que consta na ficha dele é que é cego. Só isso já cria uma barreira para possibilidades diversas de aprendizado escolar”, explicou a especialista.

Pesquisa e dedicação

Encontrar informações sobre a tecnologia assistiva, que ainda é uma novidade, pode não ser tarefa fácil. O professor muitas vezes luta para entender esses recursos, porque ele precisa lidar com as diferenças em sala de aula, mas tem dificuldades de encontrar essas informações.

Há muitos núcleos de pesquisa desenvolvendo tecnologia assistiva no Brasil, métodos e materiais simples, baratos e fáceis de usar, mas que não chegam até as escolas porque permanecem nas universidades, sem acesso às escolas, segundo explicou a especialista. “O ideal era que houvesse um portal que compartilhasse toda essa tecnologia, orientasse e explicasse como usá-la, em que ocasião. Mas nada disso está organizado. A grande desculpa da academia é que isso ainda é muito novo. Mas a verdade é que esse conhecimento precisa ser disseminado, já que o melhor lugar de saber se aquela tecnologia é eficaz ou não é quando ela é usada, na escola. Caso contrário, não é possível pensar em aprimoramentos”, opinou.

De acordo com Sonelise, um dos paradoxos que se vive hoje é a escola ainda com características do século 19 em contraponto a uma tecnologia quase do século 23. “É preciso que haja uma mudança de mentalidade na escola, como por exemplo, usar o celular a favor do aprendizado, como um recurso de tecnologia assistiva. Só que essa mudança envolve energia, tempo, pesquisa. A inclusão da tecnologia assistiva na escola envolve muito mais vontade da equipe do que de recursos financeiros”, frisou.

Sonelize Auxiliadora Cizoto estará no Encontro Mensal do Compromisso Campinas pela Educação (CCE) do dia 31 de agosto, às 19h, no auditório da Fundação FEAC para falar sobre o uso da tecnologia assistiva na educação.

Saiba mais sobre o CNRTA: https://www.cti.gov.br/unidades-de-competencia/centro-nacional-de-refer%C3%AAncia-em-tecnologia-assistiva

Saiba mais sobre o Encontro Mensal do CCE de agosto: https://www.facebook.com/events/1558322874220033/?acontext=%7B%22source%22%3A5%2C%22page_id_source%22%3A258007677645811%2C%22action_history%22%3A[%7B%22surface%22%3A%22page%22%2C%22mechanism%22%3A%22main_list%22%2C%22extra_data%22%3A%22%7B%5C%22page_id%5C%22%3A258007677645811%2C%5C%22tour_id%5C%22%3Anull%7D%22%7D]%2C%22has_source%22%3Atrue%7D