Projeto da FEAC mobiliza e potencializa atuação de comunidades da região dos Amarais para a ressignificação de trajetos
(Ingrid Vogl)
Logo que se chega ao Jardim São Marcos, região Norte de Campinas, é possível notar que algo diferente aconteceu por lá nos últimos dias. Um de seus principais acessos, na esquina das Ruas Luís Aristeo Nucci com Filinto de Almeida, onde fica o Serviço Social São Paulo Apóstolo (SPES), chama a atenção de quem passa por lá. Muros coloridos de um céu estrelado e cheio de planetas brilhantes saltam aos olhos de quem transita pelo local.
À medida que se entra no bairro, outros muros, calçadas e praças vão revelando a mudança que aconteceu e que envolveu toda a comunidade da região dos Amarais e que teve como objetivo transformar trajetos utilizados todos os dias por cerca de 1 mil crianças e toda a comunidade em caminhos lúdicos, divertidos e seguros. Ao todo, dez espaços foram transformados. Neste processo não foram só os bairros que tiveram trajetos transformados: as comunidades também passaram a acreditar na possibilidade de transformar, de forma coletiva e a partir de seus sonhos, o lugar onde vivem.
As intervenções fazem parte do projeto Caminhos da Escola, iniciativa do programa Desenvolvimento Local da Fundação FEAC e que tem como objetivo oportunizar a vivência da criança no espaço público, com o intuito de disseminar a cidadania e o aprendizado infantil por meio da brincadeira. A iniciativa tem parceria da Rede Abraço, executora do projeto e da Acupuntura Urbana, responsável por aplicar a metodologia que mobilizou a comunidade para sonhar, planejar, executar e cuidar das intervenções realizadas.
O projeto está em sua penúltima fase e foi iniciado em dezembro de 2018 com seis etapas: Pré-Diagnóstico, Diagnóstico, Detalhamento das Atividades, Forma, Transforma e Acompanhamento.
A Semana Transforma, como foi chamada a fase de “mão na massa”, quando a comunidade se uniu para transformar os trechos que compõe os dois trajetos definidos, aconteceu de 22 a 27 de abril e mobilizou nove instituições sociais e escolas, que foram os pontos de referência para os mutirões realizados.
Vida na praça
Em frente ao Centro Assistencial Vedruna, a praça Santa Joaquina de Vedruna foi mudando rapidamente. Antes, um espaço que só tinha árvores, um ponto de ônibus e a vendinha do Jorge e do Isaac, agora tem bancos, lixeiras enfeitadas e coloridas, brinquedos feitos com materiais reutilizáveis e o principal: crianças brincando a valer pela praça toda.
Morador do bairro há 40 anos, Ijair Amorim fez questão de participar da revitalização da praça. Ele podou árvores, instalou bancos, colocou areia e brita no canteiro e fixou as lixeiras. “A maneira como o projeto aconteceu foi muito construtiva, fez com que muita gente se envolvesse e mudou de verdade o bairro. Me sinto feliz em participar dessa mudança que é esperada há muito tempo pela comunidade. Finalmente conseguimos realizar e agora temos confiança de que é possível mudar. Está tudo bonito e isso dá orgulho para quem mora aqui”, disse.
Luciane Paula Rodrigues, diretora do Vedruna, estava empenhada em coordenar o grupo de crianças que frequenta a instituição e que pintava o muro da sede em frente à praça. Ela conta que profissionais e usuários da instituição participaram de todo o processo do projeto, desde as primeiras reuniões, e que todos sonharam juntos pelo momento da transformação.
“Estávamos ansiosos pela chegada dos dias dos mutirões, porque uma coisa é imaginar, a outra é ver tudo ganhando forma. Quando começamos a mão na massa, não tinha muita gente, e de repente começou a aparecer pessoas de todos os lugares para ajudar. Foi muito gratificante ver quem não conhecíamos ou pessoas que nunca se envolveram em ações porque não acreditavam que a mudança poderia ocorrer, devido ao histórico de promessas nunca cumpridas. Mas a partir do momento que elas perceberam que a transformação ia acontecer, elas se engajaram, foi fantástico. E isso deixa uma lição: que tudo é possível se todos se unirem e tenho certeza que todos vão cuidar do que foi feito, porque houve envolvimento”, revelou.
Pintando e mudando
As crianças da comunidade participaram em peso dos mutirões ao longo da semana. Natalia Belino, 10 anos, ajudou a pintar o muro da instituição que frequenta e já se imagina brincando na praça que ficou mais atrativa depois da revitalização. “É muito legal poder ajudar e participar. Vedruna fica mais bonito e nossa praça também, porque aqui antes não tinha árvores. Foi o avô da minha amiga e o amigo dele que plantaram as árvores para deixar sombra. Eles já faleceram, mas nos deixaram este presente que agora ficou ainda melhor: com bancos, brinquedos e mais plantas. Já me imagino brincando na praça de pega-pega e outras coisas com minhas amigas. Eu também vou ajudar a cuidar da nossa praça nova”, planejou a menina.
Engajado desde que o projeto foi proposto na comunidade, Isaac Ribeiro, 36 anos, ajuda os pais a cuidarem da vendinha que fica na praça Vedruna. Ele ajudou, cuidou e se realizou com a transformação. “A gente sonhou, planejou e realizou o ressuscitar da praça. Me sinto feliz e realizado. Corremos atrás de todo mundo que a gente já tinha conversado há tempos atrás, com ideias de transformar a comunidade e agora todos estão mobilizados. Me sinto maravilhado de ajudar essas crianças, porque um dia já fui uma delas”, afirmou sem tirar os olhos da turma que brincava despreocupada no centro da praça.
Arte expressa
Caminhando uma quadra, outra transformação acontecia próxima à sede do CRAS. O som ritmado do RAP já dava o tom da ação realizada pelos jovens dos coletivos Movimento das Minas e Café Filosófico, de garotas e garotos, respectivamente, da região. Nas paredes da viela ao lado da sede do CRAS, grafites e pinturas coloridas e chamativas passam a partir de agora a decorar paredes e transmitir mensagens sociais a quem circula por lá.
Gabriel de Oliveira, 18 anos, estava concentrado em finalizar sua arte. “Acredito que o projeto é uma grande iniciativa e me identifiquei com ele. Aqui é uma área pouco arborizada e não é um ambiente muito bonito, então fico feliz de deixar minha marca no muro e pela oportunidade de passar para as crianças minha ideia expressa pela arte e não de maneira violenta”, comentou.
No alto de uma escada, Miriani dos Santos, a Aysha, dava os últimos retoques em um grafite enorme que mostrava o rosto de uma negra com cabelos em forma de árvores. “Meu desenho representa a sensualidade que não é só ligada à estética, mas sim em como você trata o planeta, cuida e se conecta com ele. Adorei poder mostrar o que sinto e passar isso para a pessoas verem todos os dias nos caminhos que elas fazem dentro do bairro. Acho que assim as crianças se sentem mais representadas”, explicou.
Aparecida de Fátima Lima, que mora desde 1998 no bairro, é a dona orgulhosa do grande muro onde as artes foram expressas. Sorridente, ela admirava o sonho que sempre teve, de ter um muro que lembrasse grafites similares aos que ela viu na Bahia e no Rio de Janeiro, realizados na sua casa. “Eu amei, está show! Me sinto muito feliz de participar doando o muro de casa para esses jovens expressarem suas artes e ideias”, falou acompanhando tudo de perto.
Resultado
Desde o início do projeto, a equipe do Acupuntura Urbana aplica a metodologia usada para mobilizar a comunidade para a realização de todas as etapas do Caminhos da Escola. “Para a gente está sendo maravilhoso, porque todas as comunidades envolvidas estão mostrando as melhores versões delas e, além disso, as crianças estão participando muito. As transformações foram incríveis e as crianças entenderam que a cidade é delas e que é responsabilidade de todos transformar o sonho em realidade, então foi muito legal ver tantos sonhos coletivos acontecendo. Isso aqui é para que as crianças tenham uma melhor qualidade de vida, elas merecem e elas tem que brincar. É nosso dever dar essa oportunidade a elas e nosso desejo é que essa comunidade de adultos dê um futuro digno a essa comunidade de crianças”, afirmou Andrea Sender White, arquiteta e uma das criadoras do Acupuntura Urbana.
Para a assistente social e coordenadora da União Cristã Feminina e membro da comissão de coordenação da Rede Abraço, Elaine Renata Alves do Carmo, todo o processo do projeto foi importante para a valorização da Rede Abraço, que há anos busca apoio para o desenvolvimento de projetos. A construção coletiva do projeto, a metodologia aplicada com o envolvimento das crianças e a oportunidade dos educadores de várias instituições se conhecerem e trocarem experiências foram outros pontos fortes do Caminhos da Escola citados por Elaine.
“Houve uma ressignificação dos espaços, com possibilidades de locais lúdicos para as crianças e que fazem bem para o olhar de quem passa todos os dias pelos trajetos. O impacto social é percebido no interesse e envolvimento da comunidade que, por exemplo, nos procura para saber sobre a confecção de fuxicos, porque também querem enfeitar as árvores em frente às suas casas. Isso também abre uma possibilidade para quem integra a Rede de que podemos fazer mais”, afirmou.
Para Ismênia Aparecida Santos, coordenadora do CRAS Espaço Esperança, o impacto social do projeto vai muito além do colorido nas paredes e nos trajetos transformados. “Foi um período de redescoberta de novas possibilidades que os pais, educadores, instituições e toda a comunidade vivenciou. Esse trabalho propiciou a aproximação, a convivência e o transformar coletivo. E isso remete a um olhar de fortalecimento da participação comunitária na possibilidade de um novo movimento significativo para o território”, analisou.
A responsável pelo CRAS cita a aproximação da comunidade, das famílias e o fortalecimento institucional da Rede Abraço – que reúne diversas instituições sociais, de saúde e educação da região – que o desenvolvimento do Caminhos da Escola proporcionou. “As pessoas descobriram que é possível ressignificar o lugar onde vivem e mais do que transformar caminhos, os indicativos da ação tiveram um alcance muito maior, já que todas as instituições que participam do projeto aproveitam a aproximação que aconteceu com a comunidade”, contou.
A próxima etapa do projeto é a de Acompanhamento, quando moradores serão identificados como guardiões desses espaços transformados. Serão também promovidos quatro encontros que pretendem transformar as ações realizadas desde o início do processo em uma rede para cuidar e monitorar as crianças pelos trajetos implementados. “Nessa etapa é delegada responsabilidade aos pais, comerciantes, educadores e aos próprios alunos para que cuidem dos espaços revitalizados além de garantir a segurança dos menores até as instituições”, explicou Dione Barbieri, arquiteto e técnico da Fundação FEAC.
Trajeto
Para a escolha dos dois trajetos transformados, foram levados em conta os caminhos que perpassam os bairros do entorno com maior fluxo de pessoas. A decisão levou em conta as opiniões de crianças e dos representantes da Rede Abraço, que fizeram todo o percurso junto com a equipe do projeto para que fossem identificadas as intervenções necessárias.
Os dois trajetos somam 2.027 metros, sendo o primeiro com ponto inicial no Movimento Assistencial Espírita (MAE) Maria Rosa e ponto final na praça que fica na Avenida Maria Luísa Pompeo de Camargo, 527 (779 metros) e o segundo trajeto parte do Grupo Primavera, passa pela passarela em cima da rodovia Dom Pedro até a mesma praça, com extensão de 1.248 metros.
Desenvolvimento Local
O projeto Caminhos da Escola tem como objetivo incentivar a vivência da criança no espaço público, estimulando assim a cidadania. A iniciativa faz parte do programa Desenvolvimento Local, da Fundação FEAC, que investe na mobilização comunitária com o objetivo de transformar territórios gerando bases para uma cidade mais inclusiva, acolhedora, eficiente e sustentável.
Mais informações: https://www.feac.org.br/desenvolvimentolocal/
A Rede Abraço é composta por nove instituições que englobam Organizações da Sociedade Civil (OSC) e escolas que estão na região dos Amarais: MAE Maria Rosa, Associação Beneficente Direito de Ser, Serviço Social da Paróquia São Paulo Apóstolo (SPES), Associação Beneficente Campineira (ABC), Grupo Primavera, Centro de Educação Infantil Dr. Roberto Telles Sampaio, Vedruna, Centro de Referência de Assistência Social Vila Esperança (CRAS) e União Cristã Feminina.