A educação foi uma das áreas mais afetadas pela pandemia da Covid-19 e a necessidade de isolamento social. De acordo com um levantamento da organização Todos pela Educação, que tem como base dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), cerca de 244 mil crianças e adolescentes brasileiros, de 6 a 14 anos, estavam fora da escola no segundo trimestre de 2021. Um aumento de 171% na taxa de evasão em comparação a 2019, pré-pandemia.

Manter crianças e adolescentes interessados pelos estudos foi um grande desafio para professores e pedagogos durante o período de isolamento social, e continua sendo até hoje. Um cenário ainda mais desafiador para crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional. “Se em um ambiente familiar os estudantes tiveram dificuldades em aprender e acompanhar o ensino à distância, em uma casa lar esses problemas foram potencializados”, diz Renato Franklin, líder do Programa Acolhimento Afetivo.

O ambiente escolar é fundamental para a socialização, o conhecimento cultural e a construção de referências saudáveis para meninos e meninas em acolhimento. Segundo Leonardo Andrade, pedagogo e coordenador técnico do Lar da Criança Feliz, em Campinas, a pandemia comprometeu o desenvolvimento, as questões emocionais e agravou a defasagem escolar – um problema comum em casas lares.

“Quase dois anos de escola remota foi desmotivador para essas crianças e adolescentes. O ambiente on-line é frio, de pouca ou nenhuma interação, com a maior parte dos alunos com suas câmeras fechadas, sem serem vistos pelos colegas”, diz Leonardo.

Visando cultivar nesses meninos e meninas o gosto pelos estudos e reduzir o déficit escolar, em 2021, o Lar da Criança Feliz, com apoio da Fundação FEAC, elaborou o projeto Além dos Muros da Escola.

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Avaliação e exercícios ajudam a superar a defasagem escolar

O projeto está sendo executado em uma casa de acolhimento do Lar da Criança Feliz e atende crianças e adolescentes que estudam no Ensino Fundamental I, II e Ensino Médio. As atividades semanais são organizadas por uma pedagoga junto à equipe técnica da instituição, que é composta por uma psicóloga, uma assistente social e o coordenador e, também pedagogo, Leonardo Andrade.

Antes de planejar os exercícios, é aplicada uma avaliação individual em cada criança e adolescente para identificar seus principais problemas educacionais. A avaliação tem como base a diretriz da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que indica o que um aluno de determinado ano precisa saber, e as atividades são elaboradas a partir das defasagens identificadas.

Em uma das avaliações, a equipe observou que uma estudante do 1º ano do Ensino Médio não sabia usar os sinais de pontuação, como ponto e vírgula, em seus textos. Com base na BNCC, concluíram que ela possui defasagem na escrita. Ou seja, ela não sabe o que deveria saber em seu ano letivo. A partir disso, a pedagoga criou exercícios para ensinar e praticar a sua escrita.

As avaliações são feitas de forma contínua para registrar novas dificuldades que são descobertas no dia a dia e acompanhar e entender os avanços. “É importante dizer que o diagnóstico não vai só mostrar o que a criança [ou adolescente] não sabe, mas também nos oportuniza conhecer aquilo que eles dominam, os pontos fortes que a gente pode continuar cultivando com eles”, diz Leonardo.

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Retorno presencial e escola integral

Quando o projeto Além dos Muros da Escola começou, no segundo semestre de 2021, as crianças e os adolescentes tinham mais tempo livre para se dedicar às avaliações e exercícios, já que as aulas remotas ocupavam uma carga horária menor. Com o retorno das aulas presenciais e da escola integral, o projeto precisou ser repensado.

“Como motivar essas crianças e adolescentes, após ficarem esse período todo na escola, a se envolverem em atividades que também estão ligadas a escola?”, questiona Leonardo.

Como solução, o planejamento teve que ser reformulado. Além de adaptar os encontros em novo horário, buscou-se maneiras de deixar os exercícios mais atraentes. A agenda passou a incluir atividades dinâmicas, que abordam na prática situações comuns do dia a dia.

Banco imobiliário

Um exemplo dos conteúdos trabalhados é a matemática financeira. Crianças e adolescentes em acolhimento não têm contato direto com dinheiro, pois quem cuida das despesas é a instituição responsável. Com o novo método de ensino, eles aprendem sobre os conceitos de soma e de subtração por meio da simulação de um mercado de verdade ou jogando Banco Imobiliário.

A introdução do recreativo às atividades foi um grande acerto. O interesse das crianças e dos adolescentes, que já vinha crescendo desde o início do projeto, aumentou e houve progresso escolar.

“Quando a gente consegue através das práticas lúdicas e envolventes mostrar o quanto eles sabem e o quanto são inteligentes, isso desperta neles um empoderamento, uma maior autoestima. Eles desenvolvem um gosto por aquilo que estão tendo a oportunidade de fazer”, conta Leonardo.

Por Pietra Bastos

 

Revista Narrativa Social 17 - Fundação FEAC

Edição 17 – Educação pós-isolamento social

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Ações coordenadas na educação buscam superar déficit deixado pela pandemia
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