“Qual é o convite que uma criança recebe quando ela entra em uma escola e há mesas e cadeiras ocupando a maior parte do espaço da sala de aula? O convite é sente e espere”, pontua a consultora educacional Mônica Samia, especialista em primeira infância. Ela alerta para o esgotamento dessa lógica de escola que já não é capaz de acolher a criança em sua subjetividade e singularidade.
“Esse modelo institucional de receptividade e execução de tarefas não dialoga com a necessidade de incentivar na primeira infância os processos inventivos, criativos, de pesquisa, construção e empatia”, diz Samia, em entrevista à Fundação FEAC, destacando que os espaços, mobiliários e materiais escolares têm grande impacto no aprendizado e desenvolvimento da criança.
Ao longo deste ano de 2022, cinco instituições de educação infantil de Campinas trabalharam para, literalmente, “desemparedar” os seus espaços de aprendizagem, trocando paredes por portas envidraçadas, abrindo janelas e criando áreas verdes integradas com o cultivo de hortas e plantas. A proposta é que as crianças possam aprender e brincar em contato com a natureza, praticar atividades ao ar livre, usufruindo dos espaços externos com liberdade e autonomia.
Espaço: o terceiro educador
Com a intenção de reforçar essa ideia de que uma escola para infância precisa ter espaços ao ar livre de aprendizagem e convivência, a Fundação FEAC lançou o edital “Novo olhar para os espaços escolares” que selecionou e apoiou financeiramente os projetos alinhados a essa proposta. São eles as OSC de educação infantil Bento Quirino I, AEA Vila Formosa, Creche Mãe Cristina, Firmacasa e Semente da Vida, todas em Campinas (confira abaixo os álbuns de fotos).
O edital integra um conjunto de ações desenvolvidas pela FEAC para as instituições de educação infantil. A proposta é incentivar as equipes escolares a compreenderem o ambiente como um “terceiro educador”, concepção criada pelo educador italiano Loris Malaguzzi (1920-1994), e com isso em mente, possibilitar o brincar e a aprendizagem ao ar livre sempre que possível.
“É preciso valorizar um cotidiano escolar que se abra à vida natural, à pesquisa de bebês e crianças e à criação de espaços que acolham e promovam experiências significativas para o desenvolvimento infantil”, enfatiza Juliana Di Thomazo, coordenadora do Programa Primeira Infância em Foco (PIF), da FEAC.
Para os especialistas, a desconexão com a natureza está relacionada a problemas cada vez mais comuns, como a obesidade infantil, dificuldades de concentração, hiperatividade, desequilíbrio emocional e piora na coordenação motora. Entre as vantagens de se estimular a exploração e a inclusão dos espaços externos na rotina pedagógica estão o fortalecimento do sistema imunológico, desenvolvimento de sentidos mais apurados e maior consciência corporal e ambiental.
Juliana explica que um dos objetivos do projeto da FEAC era que as organizações pudessem aproveitar melhor as suas áreas externas, tanto para as brincadeiras quanto para a aprendizagem com intencionalidade pedagógica. “Com o edital, fortalecemos e damos maior visibilidade a essa que é uma premissa da educação na infância: a importância do contato com a natureza, de espaços ao ar livre, ventilados e iluminados para o desenvolvimento infantil”, afirma Juliana, lembrando que essa necessidade ganhou ainda mais força com a pandemia, quando bebês e crianças passaram mais de dois anos confinados.
Desemparedamento da infância
O projeto contou com o apoio da arquiteta e urbanista Ursula Troncoso, do Ateliê Navio, escritório de arquitetura e urbanismo focado nos temas das cidades, infâncias e educação. Ela esteve nas instituições, conheceu os espaços e promoveu a escuta dos profissionais. “Escuto bastante os adultos educadores, coordenadores pedagógicos e diretores. Os desafios maiores são orçamento, manutenção e segurança, além de ideias sobre o que fazer e como aproveitar melhor os espaços”, explica Ursula.
Uma segunda escuta é realizada com um grupo de crianças, de diversas idades, representantes de suas respectivas turmas. “Elas têm facilidade de se engajar, querem ser ouvidas e o que elas mais trazem é esse desejo de estar lá fora”, conta a arquiteta. “O espaço onde crescemos determina nossa maneira de estar no mundo. O espaço onde a criança está inserida vai afetar as bases do seu desenvolvimento. Pode proporcionar o desenvolvimento integral ou não”, diz Ursula.
Nesse contexto, outro movimento mundial vem propondo o desemparedamento da infância como forma de ampliar a atenção para o tema e exigir que as políticas públicas incluam no planejamento urbano a criação de áreas verdes e seguras próximas às residências, principalmente nos territórios de maior vulnerabilidade social, onde os impactos do emparedamento são sentidos com mais força.
Para os especialistas, a desconexão com a natureza está relacionada a problemas cada vez mais comuns, como a obesidade infantil, dificuldades de concentração, hiperatividade, desequilíbrio emocional e piora na coordenação motora. Entre as vantagens de se estimular a exploração e a inclusão dos espaços externos na rotina pedagógica estão o fortalecimento do sistema imunológico, desenvolvimento de sentidos mais apurados e maior consciência corporal e ambiental. A Sociedade Brasileira de Pediatria criou um manual que ajuda a orientar famílias e instituições a garantirem à infância o direito de aprender e brincar em contato com a natureza.
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