Em 2006, o economista de Bangladesh Muhammad Yunus (leia mais sobre ele no quadro) recebeu o Prêmio Nobel da Paz em reconhecimento a seus esforços pelo desenvolvimento econômico de pessoas de baixa renda. Em 1976, ele criou o Grameen Bank, instituição pioneira na concessão de microcrédito principalmente em regiões rurais e mais vulneráveis de seu país. 

Sua ideia com o mecanismo financeiro era erradicar a pobreza, permitindo que as pessoas investissem em seus microempreendimentos, aumentando sua renda. Hoje, já sabemos que o objetivo do microcrédito era não só ambicioso, mas inexequível. Por outro lado, também se sabe que se trata de uma política importante para permitir que microempreendedores de territórios vulneráveis consigam fortalecer seus negócios, de fato gerando mais renda. 

O economista Fernando Nogueira, professor da Unicamp, foi um dos primeiros divulgadores do microcrédito no Brasil. “O livro do Yunus [O banqueiro dos pobres, Ática, 2000] me levou às lágrimas. ‘Então era possível acabar com a pobreza!’, eu pensei.” 

Foi a experiência prática que diminuiu as expectativas de Nogueira. Entre 2003 e 2007, ele ocupou uma das vice-presidências da Caixa Econômica Federal, trabalhando na implementação de projetos de microcrédito. “Percebi que ele é importante para o desenvolvimento local, mas não vai erradicar sozinho a pobreza. Precisa estar ao lado de outras políticas públicas.” 

Microcrédito no Brasil 

Em 2005, o país deu seu mais ambicioso passo no fortalecimento do microcrédito ao criar o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (lei 11.110/05), que estabelece, entre outras coisas, que essa modalidade deve atender negócios com renda bruta de até R$ 200 mil. 

Um estudo do Banco Central publicado em 2020 traça um panorama do microcrédito no Brasil. Em 2019, havia R$ 75,2 bilhões emprestados nessa modalidade. Se parece muito, vale lembrar que a quantia equivale a pouco mais de 1% do volume total de créditos existentes no país em dezembro do mesmo ano. 

Uma análise do perfil de renda mostra ainda que a ferramenta não está chegando às pessoas em situação de vulnerabilidade. Apenas 11,5% daqueles que pegaram microcrédito têm renda inferior a um salário mínimo. Mais de 60% dos beneficiados têm renda de mais de três salários mínimos.  

Microcrédito para quê? 

Hoje, está claro que o microcrédito não vai, sozinho, erradicar a pobreza, mas não há dúvida da sua relevância. “A inclusão produtiva tem grande potencial de promover a mobilidade social. Melhorar o nível de renda é muito importante para combater a pobreza, mesmo que suas causas sejam multifatoriais”, explica Arthur Goerck, líder do Programa Desenvolvimento Local da Fundação FEAC. 

Foi por isso que a Fundação, em parceria com o Instituto Meio, que trabalha geração de renda, e com a Firgun, negócio de impacto social que faz microcrédito para empreendedores de baixa renda, lançou em 2020 o Tempo de Empreender, que qualifica microempreendedores de territórios vulneráveis e lhes dá acesso a uma linha de microcrédito. 

O projeto ataca o que o economista Fernando considera um dos principais problemas do microcrédito: a ideia de que bastaria dar recursos para que as pessoas de baixa renda saíssem investindo eficientemente. “Sem educação financeira, não tem como dar certo. A qualificação é fundamental.” 

Segundo Arthur, alguns dos participantes (o Tempo de Empreender já está em sua segunda edição) nem mesmo se reconheciam como empreendedores. Na qualificação, eles recebem noções de administração e planejamento, passando, por exemplo, a entender o que é e como funciona algo básico como o fluxo de caixa. 

Mais tecnologia, menos custo 

A participação da Firgun, responsável pela análise dos pedidos de crédito, é um exemplo de como a tecnologia pode promover uma revolução na questão do microcrédito.  

Se Nogueira aponta que os grandes bancos têm uma estrutura muito cara que impede pequenos empréstimos para pessoas de baixa renda, startups como a Firgun conseguem baratear muito o processo, ao torná-lo totalmente virtual, prescindindo de agências e outras estruturas custosas. 

“Nós fazemos um trabalho de análise do microempreendimento para saber qual o tamanho de um empréstimo que não vai onerar a pessoa. Conseguimos liberar crédito para negócios informais, pessoas que não têm garantia para dar e que teriam dificuldade pelas vias tradicionais e, se conseguissem, pagariam taxas abusivas”, diz Lemuel Simi, co-fundador da Firgun. 

Segundo uma avaliação feita pela FEAC, o Tempo de Empreender levou a uma ampliação de renda para 42% das 282 pessoas que já passaram pelo projeto, além de estimular a autonomia, a autoestima e o autoconhecimento dos participantes. 

O Tempo de Empreender acabou de lançar uma linha especial de crédito voltado apenas para mulheres, e que beneficiou 32 microempreendedoras que passaram pela qualificação. Elas receberão até R$ 2 mil. 

Agora, a FEAC e a Firgun vão ampliar seu trabalho de microcrédito para microempreendedores de territórios vulneráveis. Em 23 de agosto, será lançado o Empreende Campinas, aberto para moradores de mais de 300 áreas vulneráveis da cidade, para os quais serão oferecidos créditos sem juros. 

O banqueiro dos pobres

Durante a abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio, um senhor de 82 anos chamou a atenção. Era Muhammad Yunus, que estava ali recebendo o Louro Olímpico, distinção do Comitê Olímpico Internacional (COI) para pessoas que contribuíram para o desenvolvimento social por meio do esporte. Em 2018, ele fundou a Yunus Sport Hub, que incentiva a criação de negócios sociais com base na prática esportiva. A homenagem ressaltava outra faceta do economista. 

Foto: divulgação/Muhammad Yunus

Ao criar o Grameen Bank em 1976 para emprestar recursos de forma sustentável a pessoas de baixa renda, Yunus não apenas popularizou a ideia de microcrédito, mas lançou também as bases dos negócios sociais, empresas autossustentáveis que têm como objetivo promover o desenvolvimento social. Hoje, o banco conta com mais de 8 milhões de mutuários, dos quais 97% são mulheres.

Nascido em Bangladesh em 1940, Yunus estudou economia nos Estados Unidos entre 1965 e 1969. Em 1974, uma grande onda de fome, em seu país, o estimulou a agir contra a pobreza. Começou emprestando dinheiro próprio para moradores do campo antes de fundar o Grameen. Ele e a instituição dividiram o Nobel da Paz em 2006. 

Por Frederico Kling

Narrativa Social - edição 8

Edição 8 – Exclusão financeira

Exclusão financeira é barreira à mobilidade social de população vulnerável
• Microcrédito ajuda a gerar renda para pessoas em situação de vulnerabilidade
FEAC na escuta 14: Barreiras ao crédito para pessoas em vulnerabilidade

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