A fome no Brasil é um problema estrutural e histórico. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), mais de 20 milhões de brasileiros passavam fome em 2004. Hoje, quase 20 anos depois, o cenário está pior: 33,1 milhões se encontram nessa situação, como aponta o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
Estratégias de combate, como o programa Fome Zero, criado em 2003, e políticas sociais de transferência de renda se mostraram fundamentais para reduzir a insegurança alimentar. Em 2013, o Brasil registrou o menor índice de pessoas em situação de fome, segundo dados da Pnad, marcando a sua saída do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU).
Entretanto, nos últimos anos, o número de famílias em situação de insegurança alimentar e miséria voltou a crescer e o país retornou ao Mapa da Fome. Os efeitos da pandemia da Covid-19, que ainda reverberam na questão de trabalho digno e renda estável, agravaram o cenário.
Para enfrentar essa realidade, em 2020, a Fundação FEAC criou a ação emergencial Mobiliza Campinas. Mais de 100 Organizações da Sociedade Civil (OSC) de Campinas integram a Rede Mobiliza e são responsáveis por cadastrar famílias e distribuir cartões alimentação.
Mobiliza Campinas nasce da parceria entre FEAC e OSC
Nas três primeiras edições, realizadas de 2020 a 2022, 17.904 famílias receberam cartão alimentação. Ao todo, 74.940 campineiros foram beneficiados, com um valor total de R$ 11,5 milhões, somando doações de pessoas físicas, empresas, instituições e o aporte inicial da FEAC.
O relatório do Mobiliza Campinas revelou que quase 90% das famílias cadastradas tinham renda inferior a um salário-mínimo (R$ 1.320) e mais de 50% tinham renda inferior à metade de um salário-mínimo, ou seja, menos de R$ 660 por família, considerando valores atuais.
Isso equivale, para uma família de quatro pessoas, a R$ 5,5 por dia per capita. Se levarmos em consideração os parâmetros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que segue as normas do Banco Mundial, essas famílias, que somam aproximadamente 3,5 mil pessoas no município, vivem em pobreza extrema, com menos de US$ 1,25 (R$ 6, pela cotação atual) diários.
Outro dado importante desse relatório é que 93% dos cartões foram emitidos em nome de mulheres, registrando um aumento no cadastro de famílias que têm crianças com menos de 6 anos e de famílias que têm um parente com deficiência.
Perfil das famílias atendidas pela campanha
Confira abaixo os dados levantados sobre o perfil dos públicos beneficiados nas campanhas:
Rede de solidariedade
A OSC Projeto Gente Nova (Progen), parceira da Fundação FEAC, é integrante da Rede Mobiliza e do Grupo de Trabalho do Mobiliza Campinas, responsável pelo planejamento e monitoramento da campanha e é composto por mais quatro organizações de Campinas: Projeto Aquarela, Centro Comunitário do Jardim Santa Lúcia, Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância (CRAMI) e Grupo Primavera, além do Progen e da própria FEAC.
O Progen tem quatro unidades espalhadas por Campinas que atendem todos os dias 2.460 famílias em situação de vulnerabilidade social: Vila Castelo Branco, Cidade Satélite Íris, Jardim Garcia e Jardim Bassoli. Com a pandemia da Covid-19, a condição de vida dessas famílias se agravou: muitas pessoas perderam o emprego e ficaram expostas à insegurança alimentar.
O coordenador do Progen, Cláudio Raizaro, diz que a participação da organização no Mobiliza Campinas foi essencial para ajudar a construir uma rede de apoio indispensável aos moradores da região. “O impacto do Mobiliza nas famílias que o Progen atende é significativo. Nós tivemos famílias em que praticamente nenhum dos membros tinha renda e a rede de solidariedade da família, da comunidade, ficou precarizada. O cartão garantiu a segurança alimentar e nutricional”.
Por meio dessa rede de solidariedade, o Progen, assim como outras OSC, receberam doações de alimentos, peças de roupas, máscaras descartáveis e produtos de higiene que atenderam as necessidades específicas de cada família, além dos cartões.
“Para o Progen foi importante participar do Mobiliza Campinas, porque nós atendemos famílias em situação de vulnerabilidade e, para muitas delas, o único contato que conseguem ter para receber orientações e garantir seus direitos é a organização. Graças à campanha, nós conseguimos minimizar a situação de muitas pessoas. Foram 1.710 cartões entregues nas três edições”, diz Cláudio.
“Todo mundo precisa de uma alimentação digna”
Aparecida Candido Vieira, de 43 anos, mora com dois de seus três filhos: uma menina de 9 anos e um menino de 13. Todos os dias ela deixa seus filhos no Progen depois da escola para poder trabalhar. E desde quando se mudou para o bairro Cidade Satélite Íris, reconhece que o trabalho da organização tem sido importante para garantir o bem-estar da família.
Em entrevista à FEAC, Aparecida diz que sempre apresenta o Progen a outras famílias para poder ajudar. Para ela, a organização abriu portas para ter conhecimento sobre seus direitos e programas sociais dos quais pode participar, como o programa de reaproveitamento de alimentos da Central Estadual de Abastecimento (Ceasa) – alimentos que antes iriam parar no lixo podem ser reaproveitados em receitas como sopas e sucos.
A pandemia da Covid-19 foi difícil para sua família. Sem renda, Aparecida conseguiu algumas doações de cestas básicas e o benefício do Auxílio Emergencial, mas que não foram suficientes para garantir alimento na mesa por muito tempo: “Ou você come ou você mora. Você tem que ter um lugar para ficar com seus filhos, uma moradia é a necessidade maior. E depois o que sobrar [do dinheiro] você usa pra comer”, lamenta.
Aparecida foi beneficiada no Mobiliza Campinas por meio do Progen e afirma que, graças ao cartão, conseguiu prover uma alimentação saudável em casa – ela participou de todas as edições da campanha.
“A gente não tinha uma alimentação saudável, alimentos que as crianças precisam, verdura, fruta. Todo mundo precisa de uma alimentação digna. E aí quando o cartão chegou, todo mundo ficou feliz porque ia ajudar. Eu falava ‘agora vou comprar carne’”, relata Aparecida.
A quarta edição do Mobiliza Campinas, lançada no dia 15/2, pretende atender 4.555 famílias em situação de pobreza e risco social e, também, afetadas pelas recentes chuvas no município. A meta da campanha é mobilizar ao todo 2 milhões de reais. Para mais informações acesse mobilizacampinas.org.br.
Por Pietra Bastos
Edição 24 – Mobiliza Campinas• FEAC lança campanha Mobiliza Campinas em cenário social agravado pelas chuvas
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