(Por Claudia Corbett)

Com os filhos já criados, Ivone resolveu abrir o seu coração e receber em sua casa crianças que precisam de acolhimento temporário. Desde 2012, já cuidou de seis pequenos de diferentes idades. Hoje quem ganha o colo desta mãe do coração é Isadora, de seis meses. A garotinha, de sorriso fácil, já demonstra diferença em seu comportamento e evolução desde que chegou à família que a acolheu. Abraça forte e mostra força também nas perninhas, ao querer ficar em pé para brincar.

Ivone participa do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora Conviver, executado pela Associação de Educação dos Homens de Amanhã – AEHDA, entidade parceira da Fundação FEAC.

Este serviço busca amenizar a condição de crianças em situação de risco, deixando-as, temporariamente, sob cuidados de famílias acolhedoras. Este período de permanência irá depender do tempo que a equipe de profissionais e a rede de atendimento vão precisar para realizar um trabalho com a família de origem ou extensa (avós, tios ou pessoas com laços de afetividade com a criança).

Atualmente, o Conviver trabalha com foco no cumprimento da Lei nº 13.257 de 8 de março de 2016. O documento estabelece princípios da primeira infância em atenção à especificidade e relevância dos primeiros anos da vida no desenvolvimento infantil e humano em consonância com os princípios e diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990). Assim, além de assistentes sociais e psicólogos existe a atuação pontual de uma profissional de pedagogia que avalia o impacto do acolhimento familiar na vida das crianças atendidas, de zero a 06 anos. Para isso, o instrumental utilizado, denominado “Marco Zero”, mostra um panorama do desenvolvimento motor, social e cognitivo de cada criança acolhida.

A proposta configura-se como principal meio de estudo e avaliação diagnóstica, que dá alicerce ao trabalho pedagógico desenvolvido junto às famílias acolhedoras e às crianças. O intuito é estabelecer estratégias e metas condizentes com o potencial e fragilidades de cada uma delas.

Daniel, de três anos, é um exemplo do resultado positivo do acompanhamento pedagógico. Ele adora cantar no caminho para a creche, como a irmã do coração “Nana” o ensinou. Nota as diferenças durante o percurso e volta para casa contando tudo que fez na escola.  “Isso demonstra o quanto ele está evoluindo. Quando chegou para acolhimento era uma criança ausente. Não atendia aos estímulos. Agora, ele tem iniciativa”, contou Mariana, irmã da família na qual o garoto está acolhido.

“Exemplos como estes ocorrem depois que eles são acolhidos e recebem atenção, amor e estímulos. Estas crianças começam a observar mais e ter percepção do que está ao seu redor”, constatou Sandra Cristina Garcia Santos, pedagoga do Serviço.

O Conviver também tem um projeto especialmente dedicado para desenvolvimento da concentração das crianças, o Maleta da Leitura. Semanalmente, a criança leva o livrinho para casa e faz leitura compartilhada com a família. Depois da história contada fazem juntos a reflexão. “No início, Daniel não prestava atenção. Hoje nem bem começamos a fazer a pergunta sobre e história ele já responde dentro do contexto”, comemorou Sandra.

A família de Mariana recebe crianças há três anos. Daniel chegou com três meses. Ele divide as atenções com Renato, um bebê com saúde frágil, que necessita de muitos cuidados.  “São o centro das nossas vidas. Vivemos em função deles”, destacou Mariana. Eles também acolheram Paulo aos 27 dias de vida, que seguiu para adoção ao completar um ano. “Ser uma família acolhedora nos traz muito aprendizado. Fazemos isso por eles e não por nós”, exaltou a irmã do coração.

 

Atendimento Pedagógico

O diagnóstico é realizado na criança no primeiro mês de acolhimento. Esta avaliação, que norteará as atividades, tem como base os estágios de desenvolvimento de Jean Piaget.

“Utilizamos os dois primeiros períodos, por considerarem a faixa etária atendida no programa de acolhimento familiar, do zero a seis anos. O primeiro estágio é o sensório-motor que vai do zero aos 02 anos. Já o segundo é o pré-operatório que observa crianças dos 02 aos 07 anos, aproximadamente” contextualizou, a pedagoga do serviço Conviver.  A avaliação é feita com base nos principais cinco aspectos do desenvolvimento da criança:  sociabilidade, autonomia, linguagem oral, cognição e coordenação motora fina e global.

“Quando alguma dificuldade é constatada preparamos um planejamento de atividades voltado para as demandas apresentadas. Este trabalho tem obtido um resultado de muito sucesso. Muitas crianças conseguiram avanços, principalmente na linguagem oral. Quando não conseguem se fazer entender, não se relacionam com outras crianças e isso interfere na cognição deles”, concluiu a pedagoga.

Segundo Adriana Nunes Silva, assessora técnica do Departamento de Educação da Fundação FEAC, as pesquisas realizadas por Jean Piaget contribuíram para compreensão do funcionamento da mente da criança e os estágios por ele descritos.  “Ajuda-nos a entender que a criança tem um papel ativo em seu desenvolvimento. Mesmo pequenina, ao interagir com o meio em que vive, tanto físico como social, a criança constrói o conhecimento. Por isso, nesse trabalho desenvolvido pelo programa Conviver, o papel do pedagogo é fundamental, pois o bom andamento das atividades depende diretamente da ação desse profissional, que conduz a mediação do conhecimento e da criança”, confirmou.

Família Acolhedora

Acolhimento familiar é doação. “São famílias que abrem suas casas, mudam suas rotinas. O acolhimento faz com que os cuidados e o amor dedicado pelas famílias devolvam para as crianças seus sonhos”, analisou Erika Cristina Ferraz Pereira, coordenadora do Serviço de Acolhimento em Familia Acolhedora Conviver.

O Serviço de Acolhimento é composto por famílias cadastradas que recebem em suas residências crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por medida de proteção. Os motivos variam de abandono, negligência ou pelo fato da família se encontrar temporariamente impossibilitada de cumprir suas funções de cuidado e proteção.

Durante o período de acolhimento são realizados esforços visando o retorno das crianças e adolescentes ao convívio com a família de origem, extensa ou com pessoas significativas e, na impossibilidade, o encaminhamento para adoção.

Toda criança e adolescentes tem direito à convivência familiar e comunitária. E essa convivência pode ser família natural ou em casos excepcionais em família substituta, conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

“Para que esse direito seja garantido, e não havendo condições de viabilizá-lo em sua família natural, existem serviços de acolhimento institucional ou familiar, como o caso do Conviver e Sapeca que ocorrem de forma sempre transitória”, frisou Natália Valente, assessora social do Departamento de Assistência Social da Fundação FEAC.

Em Campinas/SP, o Acolhimento Familiar é de responsabilidade de dois serviços: o SAPECA, vinculado à Secretaria de Assistência Social e Segurança Alimentar da Prefeitura Municipal de Campinas e o Conviver, executado pela Associação de Educação do Homem de Amanhã – AEDHA. Atualmente, há na cidade 12 famílias acolhedoras, 13 crianças acolhidas e cerca de 64 no aguardo de acolhimento familiar.

As famílias interessadas em participar do programa como Famílias Acolhedoras devem entrar em contato via site familiaacolhedora.campinas.sp.gov.br.

Saiba Mais: familiaacolhedora.campinas.sp.gov.br

*Os nomes das crianças foram trocados para preservar a identidade e pelo processo estar em andamento em segredo de justiça.