Pela primeira vez, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) está mapeando dados sobre pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) para o Censo 2022, que começou a ser realizado em 1º de agosto. A medida foi determinada pela Lei nº 13.891 , sancionada em 2019, que prevê incluir informações sobre o TEA nos questionários dos censos demográficos, e é resultado de reivindicações de organizações e movimentos sociais pela inclusão de pessoas com deficiência.
A coleta de informações será fundamental para entender quantas pessoas vivem com TEA atualmente e quantas pessoas podem ter, mas ainda não receberam o diagnóstico no país. É um passo importante para o reconhecimento da população e criação de políticas públicas que garantam oportunidades terapêuticas a mais pessoas. (leia sobre Transtorno do Espectro Autista no box abaixo).
Em Campinas, segundo estimativas de Organizações da Sociedade Civil (OSC), há cerca de 500 crianças e adolescentes aguardando por atendimento – e, muitas vezes, também por um diagnóstico mais preciso. Esse tempo de espera, que costuma ser longo, é um fator de risco, já que atrasa o desenvolvimento de pessoas com TEA. Com a intenção de alcançá-las e oferecer diagnóstico e atendimento adequados, a Fundação FEAC, em parceria com o Programa de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Paica), deu início neste mês ao projeto Singularidades no TEA.
“A fila de espera não tem rotatividade porque os atendimentos são contínuos. Não existia previsão para o acompanhamento dessas pessoas que estão aguardando. Então, a FEAC decidiu investir na estruturação do serviço do Paica para ampliar o número de pacientes atendidos. O projeto deverá atender mais 116 pessoas que estão na fila”, diz Viviane Machado, líder do Programa Mobilização para Autonomia, da FEAC.
Além do Paica, mais três instituições especializadas no atendimento ao TEA participarão do projeto, por meio de encaminhamentos de pessoas com idade máxima de até 14 anos: Associação para o Desenvolvimento dos Autistas em Campinas (ADACAMP), Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e Associação Pestalozzi de Campinas.
Metodologia ABA como diferencial do projeto
O projeto quer impulsionar e ampliar o atendimento clínico já realizado nas instituições contratando mais profissionais e recursos para poder alcançar crianças e adolescentes que estão há um longo tempo na lista de espera. “A FEAC entende que pode contribuir com um investimento para estruturar um serviço que pode ser assumido posteriormente pelo poder público, tornando-se contínuo para o município, já que a demanda existe”, diz Viviane.
O atendimento será composto por quatro trabalhos fundamentais para o desenvolvimento da criança ou do adolescente com TEA, e que serão adaptados de acordo com as necessidades individuais de cada um: terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia e psicopedagogia.
O ideal é que o paciente seja atendido no mínimo duas vezes por semana em contraturno escolar. O atendimento será de duas horas e dividido em quatro atividades: atendimento multidisciplinar com profissional, atendimento com psicólogo, atendimento coletivo com uma ou mais crianças ou adolescentes de idades próximas para trabalhar as habilidades sociais e orientação destinada à família ou responsável.
A metodologia empregada no projeto é a Análise do Comportamento Aplicada, conhecida como ABA (sigla em inglês para Applied Behavior Analysis), na qual são trabalhados o comportamento e as habilidades individuais da pessoa com TEA. De acordo com Susy Mary Vieira Ferraz, pedagoga de educação especial e coordenadora técnica do Paica, é a metodologia que apresenta mais resultados positivos em trabalhos com pessoas com TEA e é um diferencial do projeto.
“Sabemos pelos estudos que uma das melhores maneiras de se chegar aos objetivos no trabalho das pessoas com TEA é dentro da ciência ABA. Ela tem algumas singularidades que nos permitem medir, avaliar, direcionar, e reorganizar o trabalho terapêutico enfocando realmente o que cada criança necessita”, explica Susy.
As ações do projeto Singularidades no TEA não se limitarão aos espaços das instituições. A ideia é expandir o trabalho para os territórios nos quais as crianças e adolescentes atendidos vivem e formar uma rede de apoio. “Queremos levar formação para escolas. Vamos entrar em contato com a escola de uma determinada criança para saber como tem sido seu desempenho, o que o corpo pedagógico sabe sobre o TEA e fazer propostas de atividades não só para aquela criança, mas para outras da mesma escola que também têm autismo”, diz Susy.
Um piquenique no parque do bairro, por exemplo, possibilita trabalhar com as interações sociais, a imaginação e o sistema sensorial. Não só crianças e adolescentes atendidos pelas instituições podem participar, como também outros que moram na região.
A importância dos laços familiares
A presença da família é essencial para um desenvolvimento saudável da criança ou do adolescente com TEA. Após os atendimentos, os profissionais informarão aos responsáveis o que estão trabalhando com o filho e como isso pode ser replicado no ambiente familiar. Susy destaca que essa participação precisa acontecer tanto na instituição quanto em casa.
Os parentes também receberão apoio psicológico, participarão de atividades de arteterapia, como crochê e pintura, e vão ter a oportunidade de trocar histórias com outras famílias que possuem realidades similares.
Susy, que é mãe de gêmeos – um diagnosticado com TEA e o outro com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e Transtorno Opositor Desafiador (TOD) – acredita que o projeto é uma chance para fortalecer os laços familiares: “Eu acho que [a presença da família] é o que vai fazer a diferença para que essas crianças e adolescentes possam aprender, se desenvolver, se tornarem autônomos na vida adulta e fazerem suas próprias escolhas. Eu tenho essa vivência na minha própria vida, na minha família, e acredito muito que podemos conseguir melhor qualidade de vida tanto para as crianças e adolescentes, quanto para as famílias”.
Interessados em participar do projeto podem buscar mais informações no site da organização Paica.
O que é Transtorno do Espectro Autista (TEA) |
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno de neurodesenvolvimento que afeta as áreas de comunicação, sociabilidade e comportamento. Uma pessoa com TEA pode apresentar, em conjunto ou não, dificuldades no domínio da linguagem e na socialização e manifestar comportamento restritivo e repetitivo. “Uma das características apresentadas também é em relação às questões sensoriais. Eles podem ter alterações sensoriais como a hipersensibilidade, que é sentir com mais intensidade os estímulos, como o sonoro, ou a hipossensibilidade, em que precisa se esforçar para sentir e perceber esses estímulos. Isso muitas vezes influencia na maneira como eles vivem”, explica Susy. Quanto mais cedo realizados o diagnóstico e atendimento, por meio de estímulos comportamentais necessários e de apoio educacional, melhor é para um crescimento saudável e bem-estar ao longo da vida. Por isso, é importante ter um mapeamento da população com TEA no Brasil. |
Por Pietra Bastos
Edição 22 – Acessibilidade• Inclusão: deficiência está em atitudes e meios e não nas pessoas, diz Lei
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