Por Eliane de Souza Ramos 

 

 Nos dias de hoje profissionais das mais diferentes áreas de atuação se interessam pelo tema inclusão escolar. Professores, pesquisadores, juízes, advogados, jornalistas, médicos, psicólogos, enfermeiros, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, dentistas, engenheiros e tantos outros buscam por artigos, congressos, simpósios e seminários que tratem do assunto.

A inclusão escolar aqui defendida se apoia no fato de que todas as pessoas são capazes de aprender, são singulares e têm características que se atualizam constantemente. Quando estas características são entendidas como diferença, cada pessoa é considerada na sua singularidade e o seu enquadramento em uma determinada classificação ou categorização se torna desnecessário.

A escola inclusiva é aquela que considera os inúmeros processos de atualização da diferença de cada aluno e não os define como “normais” ou “especiais”. Sempre que um professor defende o direito à diferença dos seus alunos, considera tudo aquilo que os constitui sem que coloque para si a tarefa de identificá-los, nivelá-los e torná-los iguais.

Nesta perspectiva, não cabe ao professor comum comparar o desempenho escolar dos seus alunos, pois esta atividade se esvazia de sentido quando todos eles são considerados na capacidade singular que têm de se desenvolver e de aprender. Também diante do fato de que todos os alunos construirão percursos próprios, incomparáveis e imprevisíveis.

A inclusão escolar deve impulsionar os processos de singularização de todos os alunos contribuindo para que eles construam a sua formação cidadã e acadêmica sem que sejam excluídos, discriminados ou segregados.

Quando as equipes escolares compreendem a inclusão a partir da consideração dos processos de atualização da diferença de cada pessoa, deixam de definir quem são os alunos “diferentes, diversos e especiais” e quem são os alunos “normais”.

Algumas práticas são incompatíveis com a inclusão escolar. São elas:

a) propor que um aluno com deficiência ou transtornos no desenvolvimento deixe de frequentar a escola comum e se matricule em uma escola especial;

b) defender que um aluno com deficiência ou transtornos no desenvolvimento necessita de um professor de apoio no ensino comum que o auxilie constantemente na realização das atividades educacionais e pedagógicas, pois ele não é capaz de fazê-las sozinho;

c) realizar atividades adaptadas apenas para os alunos com deficiência ou transtornos no desenvolvimento na classe comum;

d) retirar um aluno com deficiência ou transtornos no desenvolvimento da classe comum para realizar, paralelamente, atividades de reforço, apoio pedagógico e até mesmo aquelas que são próprias do Atendimento Educacional Especializado (AEE).

e) defender que as pessoas com deficiência ou transtornos no desenvolvimento necessitam de excessivas intervenções de estimulação terapêuticas, educacionais, psicopedagógicas e médicas.

O professor comum na escola inclusiva deve planejar aulas que contem com diferentes materiais, tecnologias, recursos, estratégias educacionais e pedagógicas, a fim de ampliar as possibilidades de todos os alunos se sentirem afetados pelos conteúdos que ensina e possam atualizá-los cada um à sua maneira.

Alguns destes recursos podem promover a acessibilidade e devem ser trabalhados com alunos, familiares e professores comuns pelo professor de educação especial que realiza o Atendimento Educacional Especializado (AEE).

O conteúdo da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (MEC, 2008) é acessível, esclarecedor e explícito quando trata das impactantes mudanças que atingiram a educação especial no Brasil. Ainda assim, o entendimento do que esta Política traz de novo à educação especial nem sempre é bem assimilado por gestores e professores das escolas brasileiras.

O AEE é um atendimento realizado por um professor de educação especial que identifica quais são as barreiras existentes na escola comum que impedem ou dificultam a convivência, o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos que têm deficiência, transtornos no desenvolvimento, altas habilidades e superdotação.

Para identificar estas barreiras, o professor de AEE deve trabalhar com o aluno público alvo deste atendimento na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM), no turno contrário ao de suas aulas, pois o AEE não pode substituir quaisquer atividades do ensino comum.

O professor de AEE precisa conhecer os professores da classe comum do aluno atendido, demais alunos, o espaço físico, os recursos didáticos, pedagógicos, de informática e outros disponíveis na escola. O professor de AEE deve ainda realizar um estudo sobre a dinâmica de trabalho da turma da qual faz parte o aluno em atendimento, na sua escola, que se localiza em um bairro e em uma comunidade específicos. Trata-se então, de uma educação especial que contempla demandas locais relacionadas à acessibilidade e que impulsiona a inclusão.

Os dados coletados pelo professor de AEE durante o estudo de caso de cada aluno subsidiarão a definição dos objetivos deste atendimento, bem como as atividades que serão realizadas. Os objetivos alcançados, as atividades realizadas e os resultados atingidos devem ser registrados em um Plano de Atendimento para cada aluno.

Para que o ensino seja inclusivo não basta que o AEE identifique, disponibilize e acompanhe o uso dos recursos de acessibilidade e de tecnologias contemporâneas na escola comum. É preciso que a equipe pedagógica desta mesma escola se ponha a questionar e a atualizar o ensino que realiza.

As questões que versam sobre o currículo, as metodologias de ensino, os recursos didáticos e pedagógicos, os procedimentos de avaliação e tantos outros aspectos relacionados à dinâmica de trabalho das classes comuns precisam ser revistos constantemente e atualizados em uma escola inclusiva.

A quem cabe manter e alimentar o questionamento sobre o ensino que se realiza na escola comum? Aos diretores, coordenadores pedagógicos e professores comuns, que devem contar com a gestão democrática de secretários de educação e dirigentes de ensino. Esta não é uma tarefa exclusiva do professor que realiza o Atendimento Educacional Especializado (AEE).

É preciso que as equipes pedagógicas das escolas comuns tenham este entendimento, a fim de que não se percam nas tantas ciladas que as desafiam na manutenção de uma escola inclusiva.

O trabalho das classes comuns não se torna inclusivo apenas porque se têm recursos de acessibilidade e tecnologias que eliminam as barreiras de acesso ao espaço físico da escola, ao currículo, aos conteúdos, aos conhecimentos e às informações ensinadas e compartilhadas na escola.

Se não forem bem trabalhados, tais recursos e tecnologias podem fortalecer a representação social excludente e segregadora do “aluno especial, diferente, diverso” na escola, sendo que esta representação afasta e enfraquece as reais possibilidades de um ensino inclusivo.

Neste sentido, o trabalho do professor de AEE feito em parceria com o professor do ensino comum e sua equipe é de suma importância, pois só assim ele poderá categorizar as barreiras existentes na escola comum que dificultam ou impedem os alunos que são público alvo da educação especial de construírem a sua formação escolar e cidadã com qualidade e dignidade.

Desse modo, é desejável que os professores do AEE passem a definir categorias que não mais representem os alunos por eles atendidos, mas sim, categorias que apontam e agrupam as barreiras que impedem a acessibilidade na escola.

É tempo de projetar uma educação especial que não tenha como ponto de partida a deficiência intelectual, a física, a visual, a perda auditiva, a surdocegueira, a múltipla, os transtornos no desenvolvimento, as altas habilidades e a superdotação, pois estas categorias ao serem criadas desconsideram o fato de que todo aluno é singular e se atualiza constantemente. Tais categorias não são compatíveis com a defesa ao direito à diferença na escola.

A deficiência, o transtorno e as altas habilidades constituem alguns alunos. Estes atributos devem passar a ser entendidos como diferença e não mais como falta, diversidade ou elemento que caracteriza e define quem são os “diferentes, diversos e especiais” das escolas comuns.

Na escola inclusiva que considera o direito à diferença de cada aluno, a deficiência, o transtorno e a alta habilidade não são desconsiderados no momento em que se define quem se beneficiará do AEE e de outros serviços que visam minimizar e até eliminar as barreiras que impedem nossas escolas de serem mais acessíveis e inclusivas.

Quando se defende o direito à diferença na escola não se desconsidera a situação de deficiência de alguns alunos. Isto porque, cada um deles estará sendo acompanhado em todas as atividades conforme se desenvolvem, aprendem, convivem e revelam os seus temas de interesse.

Diante disso, professores comuns e por professores do AEE devem trabalhar com recursos e tecnologias que promovem a acessibilidade sem que limitem as possibilidades de uso de tais recursos e tecnologias às especificidades de uma determinada deficiência. Quando os recursos e as tecnologias são considerados na sua multifuncionalidade, as possibilidades de modificar o contexto escolar, a fim de que se torne mais acessível se ampliam.

É preciso que os professores de AEE se dediquem a identificação das barreiras existentes na escola que têm impedido a convivência, a produção de conhecimentos e o desenvolvimento dos alunos com os quais trabalha.

Neste sentido, os professores de AEE devem trabalhar para que estas barreiras sejam categorizadas, ganhem visibilidade e alternativas sejam pensadas, para que seus efeitos excludentes, discriminatórios e segregadores sejam eliminados. Algumas destas categorias podem se referir ao:

1) Acesso aos espaços físicos da escola.

2) Acesso ao que é comunicado entre os alunos, funcionários e professores nas dependências da escola e em atividades extraescolares quando estas acontecem orientadas pela equipe escolar.

3) Acesso aos recursos didático-pedagógicos.

4) Acesso aos conteúdos escolares.

5) Acesso aos instrumentos de avaliação.

Na inclusão escolar referendada pela capacidade multiplicativa da diferença humana, as necessidades educativas especiais estão presentes em todo aluno e não apenas naqueles que são o público da educação especial. Isto porque alunos são seres singulares, que deslocam seus centros de interesse de acordo com as solicitações do meio. Também de acordo com tudo aquilo que os compõe em termos de desenvolvimento humano.

Quando uma equipe escolar considera que apenas os alunos público alvo da educação especial têm necessidades educativas especiais, tende a criar estratégias e procedimentos exclusivos somente para eles, visando garantir a inclusão escolar. Somente quando os professores do ensino comum entenderem que os alunos que frequentam o AEE aprendem da mesma maneira como todos os outros alunos, sentir-se-ão competentes para ensiná-los.

Enquanto o ensino comum e o AEE buscarem por métodos específicos para ensinar os alunos que têm deficiência ou transtornos no desenvolvimento, não se chegará à um ensino que condiz aos interesses e às possibilidades de todos os alunos de uma mesma turma.

Por prevalecer a ideia equivocada de que para ensinar os alunos que são o público alvo do AEE é preciso produzir recursos didático-pedagógicos especiais e realizar intervenções também especiais, as escolas se veem impedidas de realizar os estudos de caso, a fim de que as barreiras que estão impossibilitando estes alunos de se desenvolver sejam identificadas, minimizadas e até eliminadas.

Nesta perspectiva, não há método ou recurso didático-pedagógico exclusivo para alunos que têm deficiência intelectual. Não há método ou recurso didático-pedagógico exclusivo para alunos que têm síndrome de Down. Não há método ou recurso didático-pedagógico exclusivo para alunos que têm cegueira ou baixa visão. Não há método ou recurso didático-pedagógico exclusivo para alunos que têm o espectro autista.

Enquanto professores comuns e do AEE não construírem tal entendimento, continuarão a trabalhar para que as especificidades dos alunos que são público alvo da educação especial sejam cada vez mais detalhadas e utilizadas para justificar a impossibilidade (inventada) que eles têm de aprender.

Na inclusão escolar que tem como base a defesa do direito à diferença de todos os alunos, cabe aos professores do AEE especificar quais são as barreiras que estão impedindo alguns deles de aprender e de conviver na escola e abandonar definitivamente os esforços empenhados na produção social e cultural dos alunos “normais” e dos alunos “diferentes, diversos e especiais”. Trabalhemos para isto!

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, 2008.

DELEUZE. G. O Abecedário de Deleuze. 1996. Disponível em: http://stoa.usp.br/prodsubjeduc/files/262/1015/Abecedario+G.+Deleuze.pdf. Acesso em: 07/08/2015, às 10h28.

Eliane de Souza Ramos é Fonoaudióloga. Licenciada em Biologia. Especialista no trabalho com pessoas com perda auditiva e deficiência visual. Mestre e doutoranda do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Ensino e Diferença (LEPED), da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Assessora da Secretaria Municipal de Educação de Amparo/SP. Supervisora da equipe multidisciplinar da Fundação Síndrome de Down.