Ingrid  Vogl

Uma escola onde o trabalho coletivo resulta em transformação pedagógica, protagonismo dos alunos e satisfação profissional dos educadores. Essa é a evolução cotidiana que acontece na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Padre Emílio Miotti, localizada no Jardim Santa Lúcia, região Sudoeste de Campinas.

Além das tradicionais aulas dos componentes curriculares, a escola desenvolve variados projetos coletivos há anos, mas que a partir de 2013, passaram a ser praticados mais intensa e coletivamente. Para isso, criou-se a necessidade de alteração na estrutura educacional da instituição, que foi feita gradualmente com muita negociação junto à Secretaria Municipal de Educação de Campinas. Assim, as questões pedagógicas foram adequadas à realidade e necessidades da unidade, inclusive com a realização de reuniões coletivas dos professores feitas fora do horário definido pela rede municipal de ensino.

“Nosso ponto forte e também maior desafio é o trabalho coletivo, que produz melhores resultados mas que precisamos construir diariamente, o que não é fácil em uma sociedade individualista. Mas apesar dos entraves burocráticos, estamos conseguindo construir em nosso dia a dia escolar”, apontou a orientadora pedagógica da escola, Rosenanda Marta de Oliveira, que falou em nome da equipe da escola.

É possível perceber que o desafio de manter a coletividade no dia a dia da escola está sendo vencido com eficiência em um ambiente onde os professores demonstram felicidade e orgulho do trabalho realizado e estão alinhados em suas opiniões. “Além da coletividade, temos também autonomia. E as duas somadas resultam em democracia”, concluiu o professor de português, Diogo Avelino, que na linha da orientadora pedagógica, avalia que o grande desafio é conseguir realizar tudo que é proposto pela equipe de educadores da escola.

“Temos muito trabalho porque precisamos dar conta do ensino proposto pela rede e também do que nos propusemos a fazer. É extenuante, mas é assim que estamos felizes e satisfeitos. Somos reconhecidos por instâncias fora da escola, como o Ministério da Educação, e também dentro dela, porque a gestão reconhece e respeita nosso trabalho e vice-versa”, afirmou Avelino, que também concedeu entrevista como porta-voz da equipe escolar.

Inovação

O reconhecimento nacional ao qual o professor de português se refere é que recentemente, a Emílio Miotti entrou para o Mapa da Inovação e Criatividade na Educação Básica (http://criatividade.mec.gov.br/ ), do Programa de Estímulo do Ministério da Educação (MEC), que visa criar as bases para uma política de fomento à inovação e criatividade na educação básica.
Entre as ações inovadoras da escola, que foi reconhecida nacionalmente pelo MEC, estão os Ateliês – realizados desde 2014 com alunos do 5º ao 9º ano e que desde o início deste ano começaram a ser desenvolvidos com os alunos do 1º ao 4º ano.

Segundo Rosenanda, os Ateliês são uma proposta de trabalho prático que pretende ensinar os conceitos de disciplinas, como português, matemática, história e ciências por meio de atividades interdisciplinares. Eles têm duração de três meses e reúnem alunos de diferentes anos.

Por trás de temas que pretendem instigar o interesse dos alunos, como “O canto do mundo”, “Sentidos e Olhares”, “Medo” e “Mergulhando nos Jogos”, os Ateliês pretendem desenvolver na prática, os conhecimentos dos conteúdos disciplinares, como leitura, interpretação, escrita, conceitos matemático e outros.

Os Ateliês foram criados com a necessidade de mudança na escola e começaram a ser discutidos em 2013. Nascidos de uma crise, em um momento em que a escola vivenciava muitos conflitos escolares que afetavam alunos e professores, a equipe de educadores começou a pensar em experiências que poderiam servir de inspiração para serem implantadas na escola, de acordo com a necessidade e realidade, e também de ações que já eram realizadas e bem aceitas, como a semana literária e outras atividades interdisciplinares.

A partir daí, começou a se pensar em práticas de ensino e aprendizagem que fossem feitas de maneira mais natural, levando-se em conta a realidade da escola. “Foi uma ideia legitima do grupo, que reconheceu os problemas que enfrentamos e respeitou as características da escola, a partir dos princípios de coletividade e respeito”, explicou o professor Diogo.

Para que os Ateliês fossem implantados na escola, foi necessária muita conversa e apoio da Secretaria Municipal de Educação e o alinhamento de questões como o preenchimento do quadro de professores da unidade, a garantia de continuidade dos profissionais na escola e até mesmo adequações pedagógicas, como a incorporação do 5º ano ao ciclo 3 (que corresponde ao 6º e 7º ano), por questões de espaço.

Estrutura dos Ateliês

Atualmente, todos os alunos da escola são matriculados em um ateliê, que é temático e multidisciplinar. No período da manhã, cada Ateliê tem a duração de três meses sempre nas duas últimas aulas, o que corresponde, entre os anos finais do ensino fundamental, a 20% das aulas. A partir daí – para as turmas dos anos finais do ensino fundamental – os docentes se juntam em duplas ou trios e, algumas vezes, têm a participação de estagiários que frequentam a escola.

Para os alunos dos ciclos 1 (1º e 2º ano) e 2 (3 º e 4º ano) que estudam no período da tarde, os ateliês começaram este ano, com um professor por Ateliê e acontecem uma vez por semana.

Para atrair o interesse dos alunos para os Ateliês, os professores procuram elaborá-los sempre de maneira chamativa, com títulos interessantes e instigantes. Mas há regras para a escolha dos grupos, que são definidas pelos professores e alunos. O número de vagas é limitado por Ateliê e a quantidade de alunos de cada sala é dividido pela quantidade de ateliês para que haja equilíbrio entre os grupos.

Os temas são sugeridos livremente pelos professores e não se restringem a conteúdos estritamente curriculares. Atualmente estão em pauta nos Ateliês assuntos como: jogos, artes, identidade racial, histórias de terror, lendas urbanas, água, mundo digital, teatro, coral e mitologia. Geralmente os temas são ligados à arte, já que a ideia é que os alunos produzam materiais a partir dos conteúdos desenvolvidos. Os professores responsáveis pelos Ateliês possuem horas para planejar as atividades, mas são os próprios educadores que escolhem o dia e horário em que serão realizadas as reuniões.

Após a conclusão da primeira edição de cada Ateliê, é feita uma avaliação onde os alunos analisam o conteúdo trabalhado e os professores dão notas pela participação de cada estudante. Um Ateliê pode ter até duas edições e após a avaliação de sua primeira edição, ele é reeditado para a segunda edição, que é oferecida para diferentes alunos. Assim, os Ateliês nunca são iguais e os alunos não repetem o mesmo tema. “É uma forma de circular o conhecimento na escola e entre os colegas. Isso acaba sendo uma experiência inovadora para os professores também, e é muito desafiador. A gente nunca sabe como vai ser o Ateliê, mesmo com todo o planejamento que é feito anteriormente com antecedência”, explicou Diogo Avelino.

Espaço único

Cada grupo de Ateliê tem uma sala de referência, de acordo com a necessidade das atividades que serão desenvolvidas. Mas a escola inteira é usada como espaço para o ensino e aprendizado. Durante os dias de Ateliês, é possível ver a movimentação dos alunos entrando e saindo a todo momento para as atividades. Organizados, comportados e interessados.

Ao fim dos três meses de Ateliê, é feita uma mostra que acontece em um dos dias em que as ações são desenvolvidas, em que são convidados todos da comunidade no entorno do Jardim Santa Lúcia. Nesta ocasião, é exposto um pouco do processo de desenvolvimento de cada um dos Ateliês. Os espaços da escola são decorados e são os próprios alunos que orgulhosamente apresentam seus trabalhos.

Durante as mostras que acontecem na escola, além da presença da comunidade do entorno, a escola recebe várias outras visitas, como ex-alunos da escola e educadores de outras unidades da rede municipal. Isso é considerado positivo pela equipe, já que o projeto tem sido construído por meio do contato com experiências de outras escolas inovadoras. Assim, a equipe da Emílio Miotti também acredita que possa ser inspiradora para outras escolas, não como um modelo a ser copiado, mas para mostrar que é possível construir um trabalho de qualidade na escola pública, onde os professores possam se sentir felizes e realizados com seu trabalho.

Resultados

Inseridos há dois anos no cotidiano escolar, os Ateliês já mostram bons resultados na Emef Emílio Miotti. Os conflitos diminuíram e o desempenho escolar de muitos alunos evoluiu. “A equipe toda percebe as melhoras, como a diminuição da evasão, da indisciplina e o aumento da responsabilidade e do interesse dos alunos. Isso tudo também refletiu em um aumento da procura por uma vaga na escola, inclusive de alunos que vem de escolas privadas”, enumerou a orientadora pedagógica.

Na opinião do professor Diogo Avelino, o primeiro resultado que se nota é a melhora na relação de alunos e professores, porque os estudantes acabam tendo contato com docentes que não são de suas turmas. “É muito dinâmico o aprendizado nos Ateliês, estamos em uma aula de música mas aprendendo matemática, por exemplo, com a divisão e contagem de tempo”, explicou.

Os conteúdos estão na vivência que se tem nos Ateliês. Mesmo sem saber, os alunos estão aprendendo, pois nem sempre o conteúdo está explícito e delimitado, e isso gera um aprendizado prático e natural. “Nas mostras, por exemplo, são os alunos que apresentam para o público o trabalho de cada um dos Ateliês, narrando a experiência de aprendizagem deles. Isso acaba desenvolvendo a capacidade de síntese e uma linha de raciocínio clara para que as pessoas entendam”, disse Avelino.

Durante as aulas dos componentes curriculares, os professores também percebem as melhoras dos alunos. “Alguns aprendizados dos Ateliês aparecem durante o ensino dos conteúdos disciplinares e os alunos que participaram de determinado Ateliê explicam para outros que não participaram. Assim acontece a troca de saberes dentro da sala de aula. Isso é muito lindo. Noto que os alunos argumentam e discutem mais. Eles são os protagonistas da sua própria aprendizagem”, conta o professor. Entre a equipe de educadores, também houve mudanças positivas, como a diminuição do número de afastamentos e faltas dos professores.

Para avaliar se os projetos e Ateliês influenciaram nos resultados quantitativos das avaliações institucionais da Emef Padre Emílio Miotti, a equipe gestora da escola está retomando os trabalhos da Comissão Própria de Avaliação (CPA). Formada por diversos membros da comunidade escolar, como gestores, professores, funcionários, pais e alunos, o grupo visa a construção de indicadores de qualidade da unidade.

“Além dos indicadores restritos a conteúdos de matemática e português avaliados nos exames oficiais dos quais participamos, avaliaremos nossas iniciativas e outros componentes, dentro do nosso contexto escolar como um todo”, explicou Rosenanda de Oliveira.

Orgulho da escola

Circulando pelas salas de aula e outros espaços ocupados pelos alunos e professores durante a realização dos Ateliês, é possível perceber o interesse dos alunos pelo aprendizado e o orgulho de fazerem parte daquela realidade. “Gosto muito do Ateliê, aqui aprendo coisas novas que não aprendemos nas matérias normais. Acho que o que estou conhecendo aqui vai me ajudar no futuro, vai abrir os meus caminhos para que eu seja cantora, professora, diretora ou o que eu quiser”, disse Isabela Mayana Inacio da Silva, aluna do 5º ano que participa de seu primeiro Ateliê.

A colega Ana Gabriela Gonçalves Martins, do 6º ano, está agora em seu terceiro Ateliê e fala com segurança sobre sua escola. “Gosto do refeitório, da quadra, das salas. Temos liberdade para estar em todos os lugares da escola. Com os Ateliês, conhecemos professores que não são os que estão nas nossas salas todos os dias, e assim a gente aprende mais”, disse.

Desde o primeiro ano do ensino fundamental na escola, Nathalya Brambilla Pereira, do 9º ano, considera a escola sua segunda casa. “Me sinto muito à vontade com professores e gestores e tenho um bom relacionamento com todos. A escola me trouxe muita coisa boa, ela representa minha vida”, afirmou.

Para a professora de ciências, Priscila Paionk, os Ateliês complementam e ampliam o ensino tradicional e são um diferencial, assim como outros projetos desenvolvidos na escola. Mas ainda há o que ser trabalhado. “A equipe de educadores tem ainda o desafio de saber lidar com questões sociais que envolvem o entorno da escola e assim atrair os alunos para a sala de aula e fazer com que eles se envolvam com o ensino”, avaliou. Levando-se em conta como a escola trabalha com competência, inovação e entusiasmo, a Emef Padre Emílio Miotti deve ter ainda muito mais a comemorar em sua trajetória.

Conheça mais sobre a Emef Emílio Miotti: http://miotticps.blogspot.com.br/

Gráfico miotti