A Paralimpíada deu destaque a histórias de atletas cujas limitações físicas não foram suficientes para impedir a prática do esporte. Seja no atletismo, na natação, no futebol ou no rúgbi, os competidores defendem com garra suas nações, e, de quebra, inspiram e incentivam novos esportistas. Proporcionando atividades físicas adaptadas, dentro e fora do período paralímpico, diferentes projetos e iniciativas na Barra e nos bairros vizinhos também são um incentivo para este público.

Duas vezes por semana, um trecho das areias da Praia da Barra, na altura do Posto 3, é demarcado para o início de partidas de vôlei sentado. A modalidade faz parte da programação do projeto Praia Para Todos, cujo principal objetivo pode ser resumido na palavra acessibilidade. Entre as atividades adaptadas estão frescobol, surfe, stand up paddle e o banho de mar sobre cadeira anfíbias — equipamento que facilita o traslado da pessoa com deficiência da areia até o mar.

Organizado pelo Instituto Novo Ser, o projeto gratuito pretende facilitar o acesso do usuário à praia e estimular o contato com a natureza. O aposentado Jorge da Costa é um dos frequentadores mais assíduos das partidas de vôlei sentado. Vítima de um erro médico que resultou na amputação de uma de suas pernas, ele encontrou no esporte um motivo para se reerguer.

— Este projeto mudou a minha vida, me trouxe incentivo e um novo caminho para continuar vivendo. Sempre fui uma pessoa muito alegre, mas desde que perdi minha perna comecei a sofrer de depressão. Isso faz parte do passado agora. Conto as horas para chegar o sábado e vir para a praia — conta o aposentado, fazendo questão de mencionar que também pratica canoagem na Lagoa Rodrigo de Freitas.

O lado social da empreitada é uma das razões pelas quais o cadeirante Heitor Menezes saia de casa em direção às areias do Posto 3.

— O ambiente de praia por si só já é saudável. Acaba acontecendo uma troca de experiências interessante com pessoas que têm deficiências parecidas ou diferentes da sua. Fora o contato com os voluntários do projeto — observa.

Idealizado e coordenado por Ricardo Gonzales — que perdeu os movimentos das pernas e dos braços após sofrer uma lesão cervical, consequência de um acidente de carro —, o Praia para Todos está em sua oitava edição e luta por uma mudança na mentalidade da sociedade com relação às pessoas com deficiência.

— As pessoas não devem enxergar o deficiente como coitado; somos pessoas com direitos e deveres também, mas com características diferentes. Por isso, precisamos da cidade preparada para nós. Deficientes não são as pessoas, e sim a sociedade e a cidade que, em alguns aspectos, não estão preparadas para a deficiência — opina Gonzales.

Inserido na programação da 1ª Semana Internacional de Acessibilidade e Cultura, o projeto recebe hoje, a partir das 9h, a visita de jovens com deficiência de comunidades da Zona Oeste, organizada pelo Institut Français e pela Secretaria estadual de Cultura. No próximo domingo, é a vez de o projeto receber a ministra francesa da Luta contra a Exclusão, Ségolène Neuville.

Pegar a prancha e surfar as ondas da Praia da Barra é um privilégio do qual os cariocas podem se gabar. A atividade — que se tornará esporte olímpico nos Jogos de Tóquio, em 2020 — garante momentos especiais para uma turma de alunos do Adaptsurf, ONG que oferece surfe adaptado durante o ano todo para pessoas com deficiência, também graças a um trabalho voluntário.

Mãe de Letícia Maria, de 11 anos, que tem síndrome de Down, Luciana Dias sempre acreditou no esporte como um complemento no processo de educação da menina, aluna do projeto desde 2013.

— O surfe ajuda na automotivação, na autovalorização. É importante para a minha filha saber que ela é capaz de fazer qualquer coisa. Não é porque ela tem Down que se torna incapaz de realizar determinada atividade, e este é um exemplo de superação. Não é qualquer um que consegue surfar, não — opina a mãe orgulhosa, vendo Letícia se equilibrar sobre a prancha.

A paralisia cerebral não impediu que Monique Oliveira também surfasse no mar da Barra. Para ela, as aulas significam um divisor de águas.

— Eles estão aumentando a qualidade de vida das pessoas com deficiência. Graças ao projeto, criei minha independência e hoje faço faculdade de Educação Física — conta.

Um dos fundadores do Adaptsurf, Henrique Saraiva se locomove com auxilio de muletas há 18 anos, desde que levou um tiro durante um assalto e perdeu os movimento da cintura para baixo. Ele acredita que a Paralimpíada pode ajudar a aumentar a acessibilidade na cidade:

— É um momento único para o Rio e traz muita visibilidade para a causa. Tem muita gente querendo se locomover, mas faltam lugares acessíveis.

Na região, também é possível encontrar aulas particulares de diferentes esportes voltadas para pessoas com deficiência. Localizado no interior do Clube dos Oficiais Bombeiros, na Barra, o Equita Club oferece aulas de hipismo para adultos e crianças com qualquer tipo de deficiência. A iniciativa partiu do instrutor de equitação Eric Souto, que vem observando ganhos na saúde dos praticantes desde o início da empreitada, em maio.

— O vínculo com o cavalo traz benefícios únicos para o aluno. São vantagens enormes tanto no quesito motor como no emocional, sem contar a aproximação com a natureza. A autoestima melhora, porque o aluno é obrigado a tomar as rédeas da situação, ficando mais confiante — diz Souto.

A vontade de ajudar crianças e adultos com alguma necessidade especial a obter mais qualidade de vida e autoconfiança foi o pontapé inicial também para o estudante de Psicologia Marcelo Guimarães criar o projeto Surftherapy. O trabalho terapêutico é desenvolvido na Praia da Barra e utiliza pranchas de stand up paddle e surfe, além de caiaques.

— A proposta é funcionar como uma clínica de psicomotricidade ao ar livre. Uso exercícios em meio à natureza para observar e intervir em comportamentos disfuncionais e avaliar a evolução do tratamento de forma dinâmica e prazerosa — diz Guimarães, que tem o trabalho monitorado pela psicomotricista Sheila Antonelli enquanto não conclui a graduação.

Segundo ele, o Surftherapy — que também inclui natação, trilhas e rapel — pode ajudar na diminuição da ansiedade, na melhora do padrão cognitivo e no combate a comportamentos restritos e repetitivos:

— A capacidade de relacionamento dos participantes melhora, tanto no âmbito familiar como no social.

Recentemente, a Barra ganhou ainda estações de treinamento adaptadas para cadeirantes e pessoas com dificuldade motora, na Avenida Abelardo Bueno e no calçadão da Praia da Barra, na altura da Praça do Ó. As miniacademias foram concebidas pela Mude, empresa que realizou estudos para conhecer as dificuldades do público-alvo. Os usuários têm à disposição barra paralela, para os tríceps; barra fixa com fitas de segurança; e bicicleta de mão. As estações são cercadas por guarda-corpos.

A Paralimpíada mostra onde pode chegar um esportista que ouse desafiar seus limites. E, de acordo com o Comitê Rio 2016, ainda é possível testemunhar este desafio: há ingressos para modalidades como basquete, hipismo, tênis e e natação. A competição enseja também atrações culturais especiais. Um destaque é o pocket show “Sha da alegria”, com Rodrigo Sha, que terá a participação de Jonatha Bastos, hábil em tocar guitarra com os pés. O evento, programado para terça-feira na Casa Paralímpica da Alemanha, montada na Reserva, faz parte do Wheelchair Fest.

Fonte: O Globo