(Por Ingrid Vogl)
Quem passa pelas salas de aula do 2º ano do ensino fundamental da Escola Estadual Dr. Manoel Alexandre Marcondes Machado percebe uma grande movimentação entre os alunos. O que pode ser confundido com bagunça, na verdade é a aprendizagem acontecendo. Ela está no clima, nos diálogos e em toda a agitação.
As turmas em questão são comandadas pelas professoras Vanderli Aparecida Ferreira Pacheco e Ana Maria Barreira Prandi, ambas dedicadas desde 2010 à alfabetização das turmas de 1º e 2º ano da EE Dr. Manoel Alexandre Marcondes Machado. A escola participou da 1ª edição do projeto FEAC na Escola.
Observando com mais atenção, percebe-se que a sala também é diferente na maneira em que as carteiras são dispostas, sempre em pares. Segundo Vanderli, os alunos sentam agrupados para que o trabalho seja colaborativo, com as crianças sempre trocando ideias e compartilhando conhecimentos. “Muitas vezes o aprendizado entre os pares acontece mais rapidamente porque entre as crianças, elas se entendem. Damos toda a liberdade para eles irem na mesa do outro ajudar. Então a movimentação que se vê na sala é organizada, onde acontece a troca de ideias e quando ajudam uns aos outros”, afirmou Ana Maria.
Essas são algumas das formas pelas quais as professoras promovem um ensino com afetividade. Não necessariamente no sentido de afeto epidérmico, de toque e carinho, mas principalmente do afeto cognitivo, que é um conjunto de decisões que se toma nas relações e que no caso da escola, afeta os alunos no sentido de aproximá-los do conhecimento.
Tese
O trabalho do grupo de professoras chamou tanto a atenção de Adriano Caetano Rolindo, diretor da escola, que acabou virando o assunto de seu mestrado, realizado em 2011 na Faculdade de Educação da Unicamp. A intenção foi estudar o que faz com que a criança não aprenda e como resolver esta questão da escrita. Seu orientador, Sergio Leite, membro do grupo Alfabetização Leitura e Escrita (ALE), propôs que o trabalho fosse uma análise das características afetivas do trabalho docente da prática pedagógica.
A partir desta proposta, Adriano passou a integrar o grupo do Afeto, um subgrupo do ALE, e durante um ano acompanhou as aulas de professoras com experiências pedagógicas bem-sucedidas e que de fato ensinam os alunos a escreverem. O diretor lembrou que no ano em que fez a análise para a tese, uma das professoras do grupo do 1º ano alfabetizou 100% de seus alunos.
“Selecionamos 20 seções de observações que foram filmadas e descritas minuciosamente. Foi uma pesquisa qualitativa e etnográfica. Observei especificamente as práticas de produção de escrita, com objetivo de saber como as crianças escreviam o texto. Especificamente descobri quais são as práticas das professoras que promoviam a aproximação das crianças com a escrita, e foi aí que a afetividade aparece como um pressuposto teórico”, explicou Adriano.
De acordo com ele, o pressuposto teórico prevê que a qualidade da mediação praticada pelas professoras é que vai promover um movimento de aproximação ou distanciamento entre os sujeitos e os objetos de conhecimento. Neste caso específico, as decisões que a professora toma, enquanto mediadora, é que levam a criança a interagir com a escrita. Essas decisões têm caráter afetivo, porque as decisões da professora afetam as crianças de maneira positiva ou negativa, isto é, aproximando ou distanciando-as da aprendizagem.
Durante a construção da tese, foram observadas e analisadas diversas ações específicas que o grupo de professoras realizava em sala e que afetava os alunos. Segundo Adriano, não foi descoberto nada muito novo. Apenas reafirmações de atividades que muitos docentes já desenvolvem, como por exemplo, no que se refere às características das atividades, que aproximam alunos da aprendizagem. Estas ações são diversificadas e utilizam vários recursos, como música, jogos, computador. “Muitas professoras já fazem isso, não é novidade. O que não se percebe é que essas atividades de fato afetam positivamente a aprendizagem do aluno. E acredito que a validade da tese é justamente esta: descortinar práticas que acontecem e que não se percebe que sejam tão importantes”, analisou.
Boas práticas
Além do trabalho em grupo e a liberdade de movimentação e comunicação que os alunos têm nas salas, várias outras características se destacam entre as boas práticas das professoras alfabetizadoras. Uma delas é o trabalho na perspectiva de gêneros de discursos, que tem um amparo teórico muito forte na academia francesa e suíça, que é o que se tem usado para ensinar. “Não se ensina mais redação na escola, e sim que crianças produzam gêneros do discurso. O vestibular da Unicamp já é assim e é uma das únicas que adotaram o gênero até agora. Aqui já ensinamos desde o primeiro ano”, disse Adriano.
Na hora da escrita, as professoras leem uma história para as crianças que atentas, reproduzem à sua maneira no caderno. Após a atividade, os alunos fazem questão de ler sua produção para os demais. E muitas vezes, alunos vão para salas vizinhas para expor suas produções escritas, e as professoras incentivam esta dinâmica.
Dialogar e socializar estão diretamente ligados ao desenvolvimento da escrita e é uma maneira eficaz de alfabetizar as crianças. Isto foi o que as professoras observaram em sala de aula. “Dando liberdade para que as crianças conversem e troquem ideias, ficamos surpresas com a rapidez com que elas começam a escrever logo no primeiro ano. Toda esta troca entre alunos e com o professor favorece muito o aprendizado. E ao longo do tempo, as produções aumentam e ficam mais extensas e melhor elaboradas. Por meio da escrita, eles conseguem se expor e se expressar com mais facilidade”, explicou Ana Maria.
Outra prática ligada à produção escrita e adotada pelas professoras dos primeiros anos é não colar atividades no caderno dos alunos que sejam só para completar. As crianças então aprendem a escrever, escrevendo. Parece óbvio, mas muitos professores não fazem. Assim, as crianças passaram a produzir seus textos e fazem produções cheias de detalhes e cada vez mais qualificadas. Isto é possível de ser constatado observando os cadernos de produções de textos, que cada uma das crianças tem e onde produzem desde o primeiro ano até o quinto. Pelo menos duas vezes por mês as crianças praticam a escrita neste caderno específico, e é possível notar a evolução das produções textuais ao longo dos meses e anos.
Os processos coletivos de produção também são um diferencial no trabalho das professoras. Ao invés de fazerem apontamentos em caneta nos cadernos de atividades os alunos são convidados a irem até a lousa para expor dúvidas, colocar hipóteses. E assim, todos se envolvem neste momento de aprendizagem. As professoras fazem questão de garantir que toda a turma perceba o processo de construção da escrita por meio das correções e usando as hipóteses das crianças.
A correção coletiva funciona bem e a assimilação dos alunos ocorre com mais facilidade, já que palavras mais complexas, por exemplo, são rapidamente compreendidas e praticadas de maneira correta. Até mesmo na prática de ler para os colegas, os alunos percebem erros cometidos e se autocorrigem. Assim, a alfabetização acontece também pelo som. Os pais percebem em casa a evolução dos alunos e aprovam a prática das professoras.
A instrução das atividades em sala de aula também recebe atenção e dedicação especial. Elas são sempre apresentadas com clareza e repetidas quantas vezes forem necessárias. Durante a atividade, ainda há o cuidado da professora em passar entre as carteiras para verificar se as crianças tinham entendido a instrução. Muitas vezes, a criança não faz a atividade porque não entendeu o que se deve fazer.
Além das questões pedagógicas, as professoras analisadas durante o desenvolvimento da tese ainda tinham características pessoais em comum, que as tornam afetivas, como o respeito às crianças, acolhimento, valorização do conhecimento e da palavra dos alunos. Elas sempre ouvem seus alunos e se mostram preocupadas não só com a atividade que está sendo desenvolvida, mas também com o bem-estar, a postura, os materiais, é um cuidado que engloba as questões pedagógicas e também cotidianas.
“As crianças sempre chegam na sala de aula e querem contar algo que aconteceu em sua rotina dentro ou fora da escola. Sempre damos alguns minutos para que elas contem suas histórias. E dando voz aos alunos sem bloqueá-los, nos aproximamos e desenvolvemos respeito mútuo e a afetividade que os aproxima do aprendizado”, explicou Vanderli, que acredita que o diálogo e a socialização estão diretamente ligados ao desenvolvimento da escrita, sendo uma maneira eficaz de alfabetizar as crianças. O diálogo também acontece entre as professoras, que sempre trocam experiências sobre suas vivências pedagógicas em sala de aula.
Liberdade para apreender
Para Adriano, as duas questões que mais lhe chamaram a atenção foram a liberdade para andar e falar que os alunos têm e que cria um clima agradável e positivo em sala de aula.
“Quando cheguei na sala imaginei que era uma bagunça. Cheguei a me perguntar como sairia uma produção dali. Aos poucos percebi que as crianças circulam para ajudar, receber ajuda, compartilhar conhecimento e para mostrar o que fazem. Existe um espirito colaborativo muito grande e as crianças estão totalmente focadas no que está sendo produzido naquele momento. Não existe conversa paralela e nem problema de disciplina”, avaliou. Assim, foi criada uma autorregulação entre alunos e professoras.
O trabalho em duplas também é uma prática de impacto afetivo. De acordo com o diretor, é feita uma avaliação de cada aluno para que as professoras saibam quem pode ajudar quem. As duplas sempre variam para que quem ajuda em algum momento também seja ajudado.
Tradicional X Contemporâneo
Na opinião de Cláudia Chebabi, gerente do Departamento de Educação da Fundação FEAC, o desenvolvimento humano pleno só se alcança com uma educação que permita o processo evolutivo em suas diversas dimensões – intelectual, física, emocional, social e cultural. “Dessa forma, é essencial compreendermos a relevância da afetividade no processo educacional, além do aluno se sentir seguro para experimentar a escrita, expressar seu raciocínio, compartilhar ideias, ele também vivencia um modelo de relação interpessoal pautada em valores de convivência ética”, analisou.
Segundo Adriano, algumas ações adotadas pelas professoras da escola estadual nem sempre estão presentes em uma sala de aula convencional. Tanto métodos mais tradicionais quanto contemporâneos podem funcionar para ensinar crianças a escrever. Mas com liberdade e respeito, aprende-se de maneira mais prazerosa, com motivação e liberdade de escolha. E ao escolher, os alunos constroem autonomia. Assim, eles se envolvem na sua atividade e no processo de conhecimento por desejo próprio, se regulam com suas próprias regras. Dessa maneira, forma-se um ser com autonomia moral, mais crítico e que sabe decidir o que é bom e o que não é. Neste processo, existe sempre a tutela do adulto, sendo que o professor é o mediador do conhecimento.
“Todas as decisões que a gente toma nos processos de interação e mediação com os outros são resoluções que vão afetar de alguma maneira, para o bem ou para o mal”, frisou Adriano. E assim, as professoras vão desenvolvendo afetividade que aproxima os alunos do conhecimento e da cidadania.
FEAC na Escola
De 2010 a 2014, a EE Dr. Manoel Alexandre Marcondes Machado participou do projeto FEAC na Escola, que tem como objetivo contribuir para que as escolas executem plenamente os planos de ensino/aula e planos de avaliação e recuperação.
Com um trabalho focado em três eixos de atuação: Ensino-Aprendizagem, Gestão de Pessoas, além de Processos e Relação com a Comunidade, o projeto investiu em esforços junto à escola para a definição de valores de convivência e que as mesmas estejam incorporadas nas práticas pedagógicas da escola.
Saiba mais sobre a EE Dr. Manoel Alexandre Marcondes Machado: www.facebook.com/manoelalexandre
Saiba mais sobre o FEAC na Escola: www.feac.org.br/feac-na-escola