(Por Ingrid Vogl e Laura Gonçalves)

A última meta do Plano Municipal de Educação de Campinas, a de nº 22,“Relações Étnico-Raciais – O negro e o indígena brasileiro” aborda a criação e consolidação das políticas públicas educacionais que garantam a inclusão da temática nos projetos pedagógicos das unidades escolares. O objetivo é incentivar, garantir e promover a discussão da cultura afro-brasileira e indígena nas salas de aula e comunidades escolares.

Especialista no assunto, o professor e pesquisador da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp e pós-doutorado em Educação pela Universidade de Campinas, Dagoberto Fonseca, falou com o Compromisso Campinas pela Educação sobre a importância de se discutir os conteúdos curriculares que trabalham a história e a cultura afro-brasileira e indígena.

De acordo com o professor, os currículos devem se fundamentar em princípios que vão orientar para uma educação antirracista.  As diretrizes curriculares para a educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena, sugerem procedimentos valiosos para que os educadores pratiquem um currículo que seja, de fato, a transmissão cultural de um patrimônio de conhecimentos, valores, símbolos, constituído ao longo de gerações.

Por outro lado, o professor afirma que a desigualdade social permanece e isso acaba sendo refletido na sala de aula. “Precisamos refletir sobre a influência do racismo nas relações sociais e o impacto que isso causa na sociedade. Ainda existe o preconceito, a piada e a discriminação.  Isso mantém uma situação de desigualdade que as políticas públicas não conseguem sanar”, falou.

Para o professor é urgente a adoção de políticas que visem eliminar a ideologia preconceituosa e racista da sociedade, sensibilizando os cidadãos e agentes públicos da necessidade de uma transformação cultural que potencialize as políticas públicas e eliminem a desigualdade que ainda afetam a negros. “Como vamos ensinar as relações étnico-raciais nas salas de aula se não existe respeito? Se a sociedade é racista, se os negros são associados à violência? Isso precisa mudar com urgência. Apesar de todos os esforços e ações desenvolvidas, o racismo no Brasil ainda persiste, e atinge a população negra”, afirmou.

De acordo com Dagoberto, a Lei 10.639, que entrou em vigor em 09 de janeiro de 2003, não está totalmente implantada e existem obstáculos para sua efetivação ligados à dificuldade da população em ter um olhar para a diversidade.

“O primeiro obstáculo é termos uma sociedade marcada fundamentalmente pelo racismo. Nós temos que considerar a dificuldade de uma Lei que chega muito tarde, em pleno século 21, quando deveria se dar no século 20. Outro agravante é que nossa sociedade é profundamente marcada por uma visão cristã, que enxerga no cristianismo a única possibilidade de dizer a verdade. E tudo isso gera uma dificuldade em trabalhar o conteúdo sobre a população afro-brasileira e africana em sala de aula. É preciso refletir sobre o desafio da Lei que é justamente a dificuldade da gente olhar a diversidade e enxergar as diferenças, e não fazer disso a desigualdade e estabelecer um vínculo com a marginalidade”, frisou Dagoberto.

Formação de professores

O professor também falou sobre a falta de formação de professores nesta área de conhecimento. “Poucas pessoas dominam esse conteúdo. É necessário ter formação para professores para que haja um corpo maior de docentes capacitados”, avaliou.

Sobre os tipos de abordagens das questões sobre africanidade em sala de aula, Dagoberto ressaltou dois tipos de trabalho pedagógico possíveis. Segundo ele, há a possibilidade de abordar o assunto de maneira disciplinar. Esta ideia está presente principalmente nas universidades federais, que fizeram contratações de professores fundamentalmente na área de ciências sociais e história, para ministrar essa disciplina. Nas universidades estaduais paulistas, por exemplo, na USP, UNESP e Unicamp, o que se tem feito é um trabalho que tem caráter mais transdisciplinar e que faz com que o conteúdo possa ser trabalhado em diversas disciplinas.

Metas

Desde 2015, quando o Plano Municipal de Educação foi aprovado, a Fundação FEAC vem colocando o assunto em evidência e para isso, criou uma série de matérias que abordou todas as 22 metas do PME. Foram feitas entrevistas com especialistas sobre o panorama atual, desafios e possíveis caminhos para o cumprimento de cada uma das metas estabelecidas no documento.