(Por Ingrid Vogl)
Foi em uma manhã quente e ensolarada de primavera que os alunos do 2º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Padre Leão Vallerie, fizeram valer o refrão da música do grupo Jota Quest que diz “o melhor lugar do mundo é dentro de um abraço…”. Em uma ação muito especial, os alunos saíram da escola, no Parque Valença, e foram até a praça da Concórdia para oferecer abraços grátis a quem encontrassem pelo caminho.
A turminha animada não esteve sozinha. Pais e a professora Michelle Felippe Barthazar acompanharam as crianças em todo o percurso que foi feito a pé pelas ruas do bairro. Envolvido, o grupo distribuiu abraços aos moradores que usavam a praça para praticar esportes ou simplesmente passavam por ali.
Segundo Leia Gasparino, assessora técnica do Departamento de Educação da Fundação FEAC, o abraço é um gesto capaz de envolver e tranquilizar pessoas, pode ser uma verdadeira terapia que dá forma e torna tangíveis os sentimentos como carinho, amor, além de reduzir estresse e ansiedade.
O abraço grátis, como a atividade foi chamada, faz parte de um tema transversal aliado ao trabalho pedagógico desenvolvido pela professora, que desde o início do ano letivo trabalha temas como empatia, sentimentos e gentileza com as crianças em sala de aula.
De acordo com Leia, trabalhos como este têm sido estimulados nas escolas, embasados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), que sugerem que a moral é sinônimo de um saber fazer, um saber viver relações cooperativas e justas, tornando-se atividades pedagógicas fomentadas por estes conceitos. “Mas vale ressaltar que ainda podemos, numa mesma escola, encontrar professores que incentivam a competição entre alunos ancorando-se no fato de que na sociedade atual predomina que vença o mais forte, outros completamente indiferentes a essas questões, que consideram a moral um assunto particular e outros que enfim defendem as estratégias de cooperação e solidariedade para a construção de uma sociedade melhor”, analisou.
Resultados
Para a professora, o resultado foi positivo, porque a maioria dos alunos se envolveu e abraçou a valer. Foram abraços calorosos, cheios de carinho. “Pensei que alguns imprevistos poderiam acontecer, como não ter ninguém na praça ou alguém que não aceitasse os abraços oferecidos. Mas isso não aconteceu e deu tudo certo”, disse Michelle.
“Senti felicidade em abraçar as pessoas e acho que algumas ficaram bem emocionadas. Teve uma senhora que até chorou. Aprendi que é legal ser gentil e importante ser carinhoso com as pessoas”, disse Renan Cruz de Oliveira, 8 anos.
No retorno da atividade, Milena estava empolgada com o resultado do passeio especial. “Achei muito legal e tive um sentimento bom, de alegria e gratidão. Senti também que as pessoas que eu abracei ficaram felizes e acho que elas se sentiram bem porque não deve ser muito comum elas receberem abraços. Foi uma boa surpresa para todo mundo”, concluiu Milena Sofia Menezes Ramos, 8 anos.
A impressão das crianças estava certa. As pessoas foram receptivas e não resistiram ao sorrisos sinceros e cartazes coloridos que ofereciam a demonstração de afeto simples e significativa. “Foi muito bom receber estes abraços. Adoro crianças e com essa surpresa fiquei até emocionada. Ganhei meu dia”, disse Regina Santos Souza, que recebeu vários abraços.
Evaneide Souza Silva Santos, mãe de um dos alunos participante da atividade, fez questão de entrar no clima. “Um abraço transforma. Muitas vezes você está se sentindo sozinho e sem valor, e um abraço neste momento pode fazer com que a pessoa se sinta especial”, opinou.
Significado
A ideia de realizar o abraço grátis surgiu quando Michelle participou de uma dinâmica dentro do projeto Desafios do Magistério, que trabalha junto a professores, assuntos atuais relacionados à conflitos que envolvem adolescentes e permeiam a comunidade escolar. “Eu era avessa a abraços, e cheguei na sala de aula e contei sobre minha experiência para a turma”, disse.
Com o relato da professora, a turma ficou interessada no assunto, e Michelle resolveu então apresentar o vídeo Free Hugs às crianças. O filme de pouco mais de 3 minutos gravado em 2004 mostra o australiano Hugo Iloris oferecendo abraços para estranhos em locais públicos, com o objetivo de fazer as pessoas se sentirem melhores. O vídeo, inclusive, já foi usado em cursos de formação de voluntários, oferecidos pela Fundação FEAC através do Centro de Voluntariado.
Segundo Michelle, as crianças se encantaram com o vídeo e isso inspirou a criação da ação na praça do bairro, que teve o apoio incondicional das famílias para que saísse do plano das ideias. Após a atividade, a professora avaliou junto aos alunos como foi realizar o abraço grátis e como eles perceberam as pessoas que receberam o carinho.
“Eles ficaram satisfeitos com o resultado da atividade. Foi um abraço de qualidade. O mais importante dessa ação e de todo o trabalho que desenvolvemos ao longo do ano com essa temática que envolve empatia, gentileza e sentimentos, é que as crianças já percebem que as ações delas têm efeito nos outros, e esse impacto pode ser positivo ou negativo e é preciso lidar com isso”, explicou.
Essa transformação nas crianças foi trabalhada ao longo de todo o ano, por meio da leitura de livros que tinham como tema diversos sentimentos, como raiva e alegria. Desenhos, escrita, rodas de conversas e outros recursos também foram utilizados para tratar do assunto em sala de aula. Assim, foi possível conectar valores e sentimentos como gentileza, gratidão e emoções que fizeram sentido para os alunos e que provavelmente ficarão para toda a vida em seus ensinamentos.
Segundo a professora, é possível perceber as mudanças das crianças em pequenas ações do dia a dia escolar. Mais do que emprestar algum material como um lápis colorido, por exemplo, os pequenos perguntam se os colegas estão bem e se importam genuinamente com seus pares.
Os alunos também estão mais acolhedores em situações difíceis, como os conflitos. Hoje, as próprias crianças conseguem identificar seus sentimentos e controlá-los para resolver da melhor forma brigas e discussões, muito comuns em ambientes escolares. “Agora eles têm consciência do que estão sentindo e estão em um processo de transformação. Assim, se entendem melhor e olham mais para o outro”, explicou Michelle.
A resolução de conflitos está diretamente relacionada à Educação Moral, e neste sentido, a assessora técnica da FEAC ressaltou que este tipo de educação se faz pela ação orientada por alguns princípios fundamentais, como a justiça, a dignidade, a solidariedade, iluminados pelo respeito mútuo entre as pessoas e que pode ter um alcance cada vez maior.
Transformação
À medida que o trabalho da professora foi sendo desenvolvido ao longo do ano, avaliações foram sendo feitas para que fosse observada a evolução das crianças. Neste sentido, houve um refinamento da descrição dos sentimentos, que as crianças expressaram em geral, por meio de desenhos. A morte, por exemplo, apareceu vinculada à tristeza.
“Fizemos um livro com desenhos sobre variados sentimentos e sempre conversamos sobre o significado da produção dos alunos. É um começo de um processo extenso em que eles percebem que existem diversos caminhos que levam às mudanças”, disse Michelle.
Outro impacto importante do trabalho sobre sentimentos e gentileza é na aprendizagem dos alunos e na dinâmica das aulas. “Como conseguimos lidar muito melhor com os conflitos, as aulas acabam fluindo melhor e isso impacta diretamente no ensino e aprendizagem”, afirmou a professora.
O resultado do trabalho em sala de aula também repercute em casa. Evaneide Souza Silva Santos é uma mãe assídua no acompanhamento da vida escolar do filho, e apoia a forma como a professora desenvolve suas aulas. “Gosto muito das atitudes da Michelle. É uma professora que ensina de uma forma que os alunos assimilam o aprendizado com mais facilidade, porque ela aborda a questão do carinho e do respeito. E o resultado disso eu vejo em casa e nas relações e atitudes que meu filho possui com os outros. As crianças da turma são mais abertas, mais sociais, mais respeitosas. Na minha opinião, trabalhar os sentimentos faz toda a diferença”, disse.
Gilson Montezini Cella da Cunha também faz questão de participar de tudo que pode com o filho na escola. “Meu filho era muito tímido e agora está se abrindo mais, fazendo novas amizades. Envolver aulas que falam sobre sentimentos e gentileza com certeza contribui na construção da criança como cidadão e em sua formação integral”, disse.
Daniel da Silva é pai de Maria Eduarda, uma das alunas mais carismáticas da sala de aula. Ele notou que a filha, sempre carinhosa e atenciosa, se tornou ainda mais empática depois que começou a ter aulas com Michelle. “Ela gosta de ajudar as pessoas e procura sempre ser gentil em seus atos. Acho essencial tratar dessas questões em sala de aula porque isso complementa a aprendizagem formal”, disse.
Aprimoramento
Para finalizar o trabalho com a turma do 2º ano, Michelle pretende retomar as leituras das publicações sobre os sentimentos em sala de aula para que seja discutido o que deu e o que não deu certo durante a construção coletiva que foi feita ao longo de 2017, para que o trabalho do próximo ano seja organizado, planejado e tenha continuidade.
O que se pode notar de imediato, é que os alunos, sem sombra de dúvidas, vão levar muita coisa desse aprendizado sentimental para suas vidas. “É uma alegria aprender sobre sentimentos”, opinou Milena, já dando a dica do que mais gosta de sentir na escola e em sua vida.