(Por Laura Gonçalves Sucena)
Elas estavam em situação de rua, passaram por momentos difíceis e lutam por um futuro melhor. Assim são as mulheres acolhidas na Casa de Apoio Santa Clara, abrigo feminino que oferece um lar temporário para que elas possam se fortalecer e buscar novas oportunidades que sejam um marco em suas trajetórias.
Repleta de histórias de vidas, a instituição que recebe apoio institucional do programa Acolhimento Afetivo da Fundação FEAC, trabalha sob os pilares da autonomia, do protagonismo e da transparência. “Nosso objetivo é que as mulheres que estão aqui organizando suas vidas fiquem mais confiantes e acreditem que elas são capazes de construir uma nova história e, por isso que esses pilares são fundamentais”, falou o coordenador da Casa, Roberto Naiber Torrico.
Para que tudo funcione com harmonia e respeito, o protagonismo é exercitado por meio das Assembleias realizadas na instituição. O momento de diálogo, que ocorre às quintas-feiras, permite que as moradoras discutam o funcionamento da casa, falem sobre diversos assuntos, encontrem alternativas de mudanças, solicitem alguma transformação e, principalmente, que elas tenham voz.
“Acreditamos que as Assembleias são fundamentais para que as moradoras exercitem o diálogo e a escuta. Uma acaba se colocando no lugar da outra e entendendo o que elas desejam mudar. Além disso, elas podem se colocar e têm que justificar o que estão propondo. Não há votação, mas argumentação e responsabilidade pelo que foi decidido. É um momento terapêutico para todas porque não é fácil viver com tantas pessoas”, completou Naiber.
Para Raiza, de 27 anos, as Assembleias são espaços onde são feitas as reivindicações. “Falamos o que queremos e colocamos nossos pontos de vista. Temos uma lista semanal dos assuntos que serão tratados e todas podem e devem participar. É o nosso momento de conversar e debater, inclusive assuntos sérios como problemas com drogas. Além disso, também falamos sobre temas de festas, datas, cardápio e o que achamos necessário”, falou.
Já a autonomia é exercida pela liberdade que todas as moradoras têm. Elas são responsáveis pelos seus atos e devem saber quais são suas responsabilidades. “Aqui é uma casa e todas devem saber o que fazer com seus compromissos. Elas definem o que querem fazer e a casa está de portas abertas. As únicas regras que temos é que não permitimos brigas, drogas e armas. Também trabalhamos com a justiça restaurativa, que busca a responsabilização ativa da pessoa que cometeu o dano. Ou seja, se quebrou tem que consertar”, enfatizou o coordenador.
A casa também prima pela transparência. Todas as conversas são realizadas abertamente, inclusive essa entrevista que aconteceu num espaço de convivência da casa e contou com a observação de algumas moradoras. De acordo com o Naiber, inclusive nos atendimentos individuais, as mulheres sabem o que está sendo anotado nos relatórios.
Para o coordenador, a transparência fortalece o vínculo entre a instituição e as moradoras. “Queremos que haja o diálogo, trabalhamos com a motivação e esse processo também ocorre quando é realizado o projeto de vida delas, quando elas colocam seus objetivos e o que querem fazer de suas vidas. A autonomia é praticada a todo momento”, comentou.
Portas abertas
Na Santa Clara o trabalho realizado com as mulheres é focado na ressocialização e o lar é o local oferecido para que elas possam se fortalecer e se reestabelecerem. E para isso é preciso ter objetivo e construir um projeto de vida. Para elaborar esse projeto, decisivo para o futuro de cada uma delas, a Casa dispõe de equipe técnica formada por psicólogo, assistente social e terapeuta ocupacional, além de monitores e do coordenador, que trabalham com as mulheres as possibilidades para se chegar ao que foi planejado.
“A mulher quando vai para rua é porque chegou no seu limite. Ela é muito forte e resistente e só vai para rua depois de sofrer muito e tentar de tudo antes de tomar essa atitude. Se isso aconteceu é porque foi o único caminho que restou. Na rua a droga acaba sendo uma fuga dessa realidade que a mulher está vivendo e ela precisa de uma oportunidade para retomar sua vida e se reestabelecer. Estamos aqui para ajudá-la a construir um novo caminho”, afirmou Naiber.
Na casa elas podem ficar o tempo que for necessário para se reestabelecerem. “Geralmente ficam aqui pelo período de 6 meses a 1 ano, mas depende de cada uma. As portas estão sempre abertas”, afirmou a presidente da instituição Terezinha Shibuta.
Raiza, que está na casa há mais de um ano, garante que sua vida está mudando e que é um privilégio poder contar com o apoio da instituição. Ela conta que abandonou uma filha de 11 anos e a mãe e foi para a rua. “Fiquei grávida novamente e isso despertou em mim um sentimento de mudança. Por meio do SOS Rua vim para a Casa e resolvi me reestabelecer. Aqui tenho carinho, atenção e é disso que precisamos. A rua é um lugar muito duro, a gente acaba não se reconhecendo”, admitiu.
Trabalho e desafios
Uma das unidades da Cáritas Arquidiocesana de Campinas, a Casa de Apoio Santa Clara, que foi o primeiro abrigo feminino do município, conta com 25 vagas que são para mulheres em situação de ruas e seus filhos. Em funcionamento desde 2014, a instituição incentiva as mulheres a tomarem as rédeas de suas vidas, cuidarem de seus problemas e compromissos e fortalecerem os vínculos com seus filhos.
“Os danos são irreparáveis quando o vínculo entre mãe e filho é rompido e é isso que não queremos. Quando começamos nosso trabalho não foi fácil porque era uma novidade manter a mulher em situação de rua com sua criança. Mas nosso trabalho foi reconhecido pela Vara da Infância e pelos serviços de acolhimento de criança e adolescente e hoje acreditamos que fazemos a diferença”, comentou Naiber.
De acordo com a presidente Terezinha, quando a mulher resolve mudar de vida e tem o apoio necessário, não há o que a impeça. “Sabemos disso porque nossos estudos mostram que 75% das mulheres que passam pela Casa saem da situação de rua. Esse número é representativo”, comemora.
Apesar dos ótimos resultados, a Casa de Apoio Santa Clara ainda tem alguns desafios a enfrentar. “Estamos estudando, em conjunto com a Fundação FEAC, algumas possibilidades de dar mais oportunidades para nossas moradoras na hora da busca por um emprego. Muitas não terminaram o ensino fundamental e não têm experiência de empregos anteriores ou até mesmo carteira assinada. A ideia é mudar essa realidade para garantir a autonomia delas”, comentou o coordenador.
Segundo a líder do programa Acolhimento Afetivo da Fundação FEAC, Ana Lídia Puccini, a Santa Clara desenvolve um trabalho de referência no atendimento das mulheres, principalmente no fortalecimento e restabelecimento de vínculos positivos e protetivos com seus filhos e familiares, pensando no processo de saída da casa. “É nesse momento que elas se deparam com seus maiores desafios. Para que tenham o suporte necessário para uma vida autônoma, é preciso que a sociedade também proporcione oportunidades para que as mulheres consigam se reorganizar e viver uma vida independente, junto com seus filhos. Para tanto, estamos em um diálogo com a instituição pensando em projetos que possam apoiar nessa questão”, afirmou.
A capixaba Derli, de 29 anos, que está morando na Casa há 6 meses, sabe bem as dificuldades de se arrumar um emprego. “É muito complicado arrumar trabalho. Vim para Campinas há anos porque era a única saída que tinha na minha vida e tudo desandou. Mas quero mudar e tenho me esforçado. Tem que ter força de vontade porque as pessoas só sabem julgar. Quando entrego um currículo, as pessoas sabem que moro num abrigo e daí já sabem que era moradora de rua. É como se a gente não existisse. Precisamos de uma chance. Eu já fiz muita coisa errada, mas mudei e quero muito ter uma oportunidade”, finalizou.
De acordo com dados da Prefeitura Municipal de Campinas, em 2016, o município contava com 623 moradores de rua. Desse total, 15% são mulheres.
Programa Acolhimento Afetivo
O Programa Acolhimento Afetivo é uma iniciativa da Fundação FEAC que investe no bem-estar e proteção das crianças, adolescentes, adultos e idosos em situação de acolhimento. Tem como objetivo garantir espaços de construção de identidade e cidadania plena, ampliando as redes individuais de vínculos familiares e sociais protetivos.
Mais informações: https://www.feac.org.br/acolhimentoafetivo/