(Por Laura Gonçalves Sucena)
Como tratar da violência sexual, quais as consequências e qual é o papel dos profissionais que atuam na área? Com o objetivo de discutir um tema tão latente na sociedade, o Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância (Crami) promoveu um encontro com a equipe do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) de Louveira/SP.
Nos encontros, ocorridos entre 4 e 7 de fevereiro, os profissionais debateram sobre a violência sexual contra crianças, adolescentes, mulheres e idosos, fenômeno endêmico, complexo e de difícil enfrentamento mundial. Na pauta, as leis, quem são as principais vítimas, os fatores de risco, o agressor, a avaliação da vítima de violência, o abuso extrafamiliar, o atendimento multiprofissional, o fluxo de atendimento, entre outros pontos.
Para o coordenador do CREAS de Louveira, Claudinei Generoso, a formação com o Crami permite a discussão da questão da violência que é um dos focos de atendimento do serviço. “O Crami tem um histórico no atendimento a vítimas de violência e podermos absorver um pouco desse know-how é nossa meta. A capacitação nos auxilia para esse atendimento e amplia nossos horizontes”, garantiu.
Denise Italiani, diretora de Proteção Social Especial de Louveira, conta que a parceria com o Crami é muito rica. “É importante rever questões de conceito no atendimento à vítima de violência. Já pensamos em outros encontros, principalmente relacionado à Lei 13.431 que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Queremos fortalecer nossa rede dedicada a criança e adolescente no atendimento da violência”, informou.
Segundo Natália Valente, líder do Programa Enfrentamento a Violências da Fundação FEAC, a formação veio ao encontro das diretrizes do Programa, que busca apoiar esforços conjugados das redes protetivas para romper os ciclos das violências, através da qualificação e humanização destes serviços nos processos de identificação, acolhimento e atendimento para que não se perpetue a violência vivida, apoiando serviços voltados ao atendimento das vítimas, buscando mecanismos de monitoramento, avaliação e aprendizado para a criação de uma rede protetiva cada vez mais eficiente.
“O programa tem como desafio universalizar um padrão de serviços humanizados que garantam o sentimento de segurança e apoio as vítimas e o investimento em processos formativos, que além de levar conteúdos teóricos sobre a temática, promova processos reflexivos sobre a prática profissional, essencial para que possamos criar uma rede protetiva que possa ser efetiva no atendimento e rompimento dos ciclos da violência. E os projetos do Programa possuem linhas de atuação para o fortalecimento da rede de atendimento, a exemplo do Projeto Novo Amanhecer, executado pelo CPTI, que tem como um dos objetivos a ampliação de conhecimentos e fortalecimento da rede socioassistencial e intersetorial do Distrito de Nova Aparecida sobre o fenômeno da violência sexual e estiveram envolvidos nesse processo formativo”, informou Natália.
Violência Sexual
De acordo com a psicóloga do Crami, Cristiane Vidolin, a violência sexual é uma das violações mais graves e pode ser acompanhada de outras violências. A complexidade desse fenômeno é atribuída a uma série de fatores sociais, culturais e econômicos. Não existe uma causa singular e nem uma relação de causa e efeito.
“A violência sexual contra crianças, adolescentes, mulheres e idosos é um fenômeno por vezes concebido a legitimar as mais repugnantes práticas de violação contra a dignidade humana. E seu enfrentamento é um desafio para a saúde pública, em particular para a saúde mental, em razão das inúmeras consequências danosas as vítimas”, falou a psicóloga.
De acordo com a equipe do Crami, também comandada pelos educadores sociais Alexandre Alves e Paulo Silva e pela coordenadora Alessanda Saldanha, as experiências de abuso sexual na infância correlacionam-se a perturbações psicológicas e comportamentais na vida adulta, especialmente sendo identificada a associação entre o abuso sexual de crianças e os transtornos psiquiátricos como estresse pós-traumático, de humor e psicóticos.
Durante o encontro, os participantes também puderam saber mais sobre a Lei 12.015, que dispõe sobre os crimes hediondos e que trata de corrupção de menores.
De acordo com a psicóloga do Crami, os pais são os maiores perpetradores do abuso sexual, seguidos pelos padrastos. “É importante ficar atento ao comportamento das crianças. O abuso faz com que meninos e meninas apresentem depressão e transtorno de estresse pós-traumático. Os sintomas que aparecem frequentemente são depressão, culpa e diminuição de autoestima. Em termos de modificações de comportamento, as meninas tendem a expressar o comportamento mais erotizado, enquanto os meninos se isolam mais e manifestam mais agressividade”, comentou.
Números crescentes
Os dados apresentados chamam a atenção e são assustadores. Entre 2011 e 2017, o Brasil teve um aumento de 83% nas notificações gerais de violências sexuais contra crianças e adolescentes, segundo o Ministério da Saúde. No período foram notificados 184.524 casos de violência sexual, sendo 58.037 (31,5%) contra crianças e 83.068 (45,0%) contra adolescentes.
As meninas, entre 7 e 10 anos, são as maiores vítimas. Já os meninos mais vulneráveis estão na faixa entre 3 e 6 anos. De acordo com as informações do Crami, os criminosos sexuais são indivíduos que podem pertencer a qualquer classe econômica, raça, grupo étnico ou religião. A maioria não tem comportamento criminal específico e apenas 4% sofrem de doença mental severa.
“A violência sexual infantil pode ser perpetrada por um pedófilo ou por pessoas comuns em decorrência de oportunidades, como o molestador situacional ou abusador regressivo, pelo fato de a criança não ser o objeto central. Frequentemente são casados e vivem com a família. Também podem atacar outros grupos vulneráveis, como idosos, pessoas com deficiência física ou mental”, contou Cristiane.
Escuta
Entre uma dinâmica e outra, os participantes também tiveram a oportunidade de estudar e discutir casos. Na pauta, casos relacionados a contatos via redes sociais, denúncias via escola e incesto.
O abuso sexual no contexto familiar é a consumação do incesto, caracterizado por uma relação de poder sobre a criança para uma gratificação sexual de um adulto ou de outra criança significativamente maior. “O que o define é a relação de poder e a incapacidade da criança em dar um consentimento informado”, falou a psicóloga.
Nas dinâmicas, os participantes puderam discutir os casos e relacionar os possíveis encaminhamentos. No Crami, por exemplo, o trabalho desenvolvido com as crianças e adolescentes vítimas de violência sexual pauta-se no atendimento psicossocial da família como um todo, por meio de ações e de atividades psicoeducativas que visam à promoção da superação da situação vivenciada, à garantia de direitos, ao fortalecimento da função protetiva da família e à promoção da autonomia dos indivíduos envolvidos.
Segundo a equipe do Crami, as visitas são uma forma de o profissional compreender a realidade do grupo familiar, de conhecer seu cotidiano e de prevenir formas de violações de direitos, além de possibilitar o fortalecimento do vínculo da família com o serviço.
Atuação
No encontro, os profissionais do Crami também falaram da importância de se atuar de maneira isenta e não invasiva. “A atuação de profissionais que atendem vítimas de violência sexual deve priorizar a prevenção da reincidência e a redução dos seus efeitos negativos, como também a promoção de direitos humanos pela compreensão do fenômeno da violência”, comentou Cristiane.
“O objetivo de se trabalhar com toda a família é observar como cada sujeito percebe a violência ocorrida. Assim, a primeira pessoa a ser atendida deverá ser sempre a criança ou o adolescente que sofreu o abuso”, completou.
A intervenção do profissional deverá se atentar para a vinculação positiva e o estabelecimento da confiança entre a equipe e os protagonistas da violência.
Para a assistente Social do CREAS de Louveira, Bartira Sales de Oliveira, a formação trouxe a troca de experiências e proporcionou a reflexão de como os agentes públicos podem agir para fazer ainda mais. “Não há receita pronta para essas situações, então a experiência do outro acrescenta na nossa prática. Nós nos vemos juntos no processo de construção e percebemos como é desafiador nosso trabalho”, relatou.
A psicóloga do Centro Promocional Tia Ileide (CPTI), Bianca Pironelli, também aprovou a formação. “Escutar sobre o trabalho do Crami, saber mais sobre a prevenção e a importância do trabalho em rede só nos faz perceber como o projeto que estamos desenvolvendo em conjunto com a FEAC, o Novo Amanhecer, é importante. Este ano, vamos realizar ações de prevenção em diversas Organizações da Sociedade Civil (OSC), Unidades Básicas de Saúde e em escolas, debatendo os papéis de cada um e promovendo rodas de conversas sobre a violência sexual, além de falar sobre as estruturas sociais que corroboram para a violência”, contou.
Enfrentamento a Violências
O Programa Enfrentamento a Violências é uma iniciativa da Fundação FEAC que investe na mitigação dos impactos das violências e no enfrentamento para romper os ciclos que as perpetuam com objetivo de promover o bem-estar e a cultura de respeito, empatia, tolerância e paz.
Informações: https://www.feac.org.br/enfrentamentoaviolencias/