Após meses de preparação, adolescentes em situação de acolhimento encontram voluntários que serão suas referências afetivas
(Por Camila Mazin)
Um dia cheio de desafios e expectativas, assim foi a tarde do sábado do dia 29 de junho, na Praça da Paz na Unicamp. Pela primeira vez, após dias de planejamento e preparação, os adolescentes do Projeto Trilhar conheceram seus respectivos mentores, pessoas que se dispuseram e foram capacitados a dedicar tempo, cuidado e auxílio até a chegada da maioridade desses adolescentes.
O projeto Trilhar é uma iniciativa da Fundação FEAC que tem como foco adolescentes de 15 a 18 anos que estejam em serviços de acolhimento institucional. A iniciativa pretende preparar os jovens para o processo de transição da situação de acolhimento para a vida autônoma e inserida na sociedade ao completar a maioridade, com o apoio de mentores voluntários como referências afetivas durante o processo.
O interesse em participar partiu de cada voluntários a mentor, e foram vários processos de avaliação e triagem para selecionar as pessoas que realmente tinham perfil, até iniciarem os encontros semanais, de outubro a dezembro de 2018, com temas relacionados ao acolhimento institucional, vínculo, serviços de acolhimento e situações de violação de direitos. Em 2019 os encontros passaram a ser mensais para apresentação e discussão, mais especificamente, do perfil dos adolescentes participantes do projeto. Em paralelo, a equipe também iniciou o trabalho em grupos quinzenais com os adolescentes.
Desafio futuro
Completar 18 anos não é uma tarefa simples para jovens em situação de acolhimento. Estando preparados ou não, eles precisam deixar a instituição onde estão e começar a vivenciar todas as dificuldades de uma vida adulta autônoma. Com o Trilhar, eles passam a ter uma pessoa de referência em sua vida e desenvolvem suas habilidades e potencias no processo de desenvolvimento pessoal e profissional, tornando essa etapa mais leve e assertiva.
Saber que existe alguém disposto a ajudar, direcionar e que agora faz parte da sua vida é de extrema importância para esses jovens que não têm uma referência devido à situação de acolhimento. “Agora eu tenho uma pessoa mais próxima de mim para poder conversar. Minha expectativa é que seja uma relação afetiva para sempre, de amizade mesmo”, comentou R.S., adolescente de 17 anos que decidiu participar do projeto Trilhar e ter o acompanhamento de uma mentora.
R.S. era uma das mais empolgadas com o encontro. Preparou um bolo de cenoura com chocolate e uma torta de frango para receber os mentores. Assim como ela, outros adolescentes também demonstravam alegria e grande satisfação em saber que existe alguém interessado em participar da sua vida. Cada um do seu jeito, mais tímido ou mais falante, chamando no canto para uma conversa ou convidando para uma partida de vôlei.
Aos poucos os mentores se aproximavam e começavam a criar os laços através de brincadeiras e conversas que os próprios adolescentes propunham. “É muito gratificante e de muita responsabilidade saber que agora você é parte responsável na vida do adolescente, vai ajudar, dar uma direção e um suporte profissional e emocional”, comenta Gleice Helena Paulista, uma das mentoras.
Para Natália Ferrari, psicóloga do projeto Trilhar, “alcançar a maioridade e desenvolver a autonomia para seguir a vida de maneira independente, é de extrema complexidade para adolescentes que não possuem nenhum tipo de apoio familiar, portanto, a presença e o amparo dos mentores são parte fundamental nesse processo de amadurecimento”, conclui. Mas, esse relacionamento não precisa acabar com o término do projeto, conforme ressalta Adélia Rocha de Oliveira Stefani, coordenadora do Projeto TRILHAR, “o projeto tem começo meio e fim, mas, o vínculo que se estabelece não tem duração limitada. Esse vínculo que começa hoje, pode ser para a vida inteira. Isso é o que reflete na vida deles, ter uma pessoa de apoio que pode ser para a vida.”
Maioridade
Ao completarem 18 anos, os adolescentes obrigatoriamente precisam sair do acolhimento e são encaminhados para outras instituições de acolhimento do município, sendo esta uma opção restrita a partir do perfil do adolescente. Ou retornam para suas famílias, mesmo que não seja a indicação dos profissionais que acompanham o adolescente. Ou ainda, nos casos mais graves, passam a viver em situação de rua. A proposta do projeto Trilhar é possibilitar novos conhecimentos e oportunidades de moradia e trabalho, com o apoio necessário da equipe para acessar essas oportunidades. Portanto, caberá aos mentores orientar e auxiliar nos processos de crescimento de cada adolescente e encarar juntos os desafios do dia a dia.
“Essa vinculação entre adolescentes e mentores acontecerá naturalmente, na convivência e nos encontros individuais. Acredito que o maior desafio desse momento será a interlocução entre adolescente, mentor, equipe do projeto e serviços de acolhimento, já que cada um tem um papel importante no desenvolvimento do adolescente durante esse processo”, completa Ana Manzoni Puccini, líder do programa Acolhimento Afetivo.
Programação do encontro
Para o grande dia do encontro, os adolescentes sugeriram que cada um, tanto eles quanto os mentores, deveriam levar um prato doce ou salgado para deixar esse momento ainda mais gostoso. E assim foi feito. Uma grande toalha foi estendida no chão da praça repleta de petiscos, sucos e refrigerantes. Houve troca de afeto e conversa no momento em que cada um ofereceu o que tinha preparado com muito carinho.
As apresentações começaram numa grande roda seguida de uma dinâmica que quebrou o gelo e tirou muitas risadas de quem estava presente. Após efetivamente se conhecerem, eles puderam se divertir empinando pipa e brincando com jogos de tabuleiro e cartas. O dia ensolarado e a linda paisagem da Praça da Paz proporcionaram momentos de muita alegria e descontração, tanto para adolescentes quanto para mentores.
A partir de agora, adolescentes e mentores se encontrarão toda semana para conversarem sobre os desafios que aparecerão pela frente, darem passos importantes na vida profissional e estreitarem os laços afetivos. Aos mentores caberá a tarefa de nesses encontros construírem com os adolescentes propostas a partir dos quatro eixos do projeto, moradia, trabalho, cidadania e uso do dinheiro, e possibilidades de operacionalização dos projetos. A equipe técnica do projeto acompanhará de perto esse desenvolvimento com encontros individuais e grupais com os mentores, além dos encontros que já acontecem quinzenalmente com os adolescentes e que terão continuidade.
Projeto Trilhar
O projeto Trilhar faz parte do Programa Acolhimento Afetivo, uma iniciativa da Fundação FEAC que investe no bem-estar e proteção das crianças, adolescentes, adultos e idosos em situação de acolhimento. Tem como objetivo garantir espaços de construção de identidade e cidadania plena, ampliando as redes individuais de vínculos familiares e sociais protetivos.
Saiba mais: https://www.feac.org.br/trilhar/