Jovens Mobilizadores incentiva ações continuadas de prevenção a IST, gravidez precoce e outros assuntos relacionados a Educação Integral em Sexualidade nas escolas, OSC e Centros de Saúde

 

(Por Ingrid Vogl)

Mais de 14 mil pessoas beneficiadas – principalmente adolescentes e jovens – com informações sobre educação, prevenção e mobilização em temas de saúde sexual e reprodutiva; 159 jovens e 50 profissionais das áreas de educação, assistência social e saúde capacitados. Este é o resultado, até agora, do projeto “Jovens Mobilizadores/as pelos Direitos Sexuais e Reprodutivos” uma iniciativa desenvolvida desde 2017 através da parceria da Fundação FEAC, com a ONG Reprolatina – Soluções Inovadoras em Saúde Sexual e Reprodutiva.

Com uma metodologia participativa e envolvente, o objetivo do projeto é capacitar jovens e profissionais das escolas, Organizações da Sociedade Civil (OSC) e Centros de Saúde, que são parceiros da iniciativa, para atuarem como mobilizadores, realizando ações informativas que envolvem educação, prevenção e mobilização em temas de saúde sexual e reprodutiva. A promoção e defesa dos direitos sexuais e reprodutivos, e a discussão de políticas públicas de juventudes na área da Educação Integral em Sexualidade também são foco do projeto. 

Munidos de informações, jovens e profissionais que participam do projeto atuam principalmente nos territórios com vulnerabilidade social, contribuindo para a diminuição de gravidez não planejada, que em 2017 chegou a 20% entre meninas de 12 e 14 anos em Campinas. A iniciativa também atua para a prevenção das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), incluindo o HIV-Aids; a violência de gênero e o bullying entre adolescentes e jovens.

Em cada território, o envolvimento dos parceiros locais é essencial para a realização das ações, capacitação dos jovens e alcance dos resultados que são construídos por meio da rede de promoção e defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos.   

“A construção de parcerias com equipamento sociais, de educação e saúde, somados à capacitação dos profissionais que trabalham nesses locais e dos próprios jovens é uma das estratégias do projeto, pois entendemos que as juventudes presentes nos territórios circulam por esses equipamentos e, assim, podem receber as informações que são o foco da iniciativa. Um resultado significativo é que estamos conseguindo construir essas ações de forma sistemática e não pontuais. Além disso, contribuir para o fortalecimento e aproximação dos equipamentos do território, que começam a planejar ações em conjunto e desta forma, acontece um alinhamento do olhar para o jovem”, afirmou Rodrigo Correia, coordenador do projeto. 

Para Rodrigo, a capacitação que o projeto oferece é o processo fundamental para ter o jovem, mais do que sensibilizado, envolvido e engajado em seu papel como participante juvenil e um ator de transformação em seu território, e para a própria construção do projeto de vida e de seus pares.

Tatiane Zamai, líder do programa Juventudes, do qual o Jovens Mobilizadores faz parte, ressalta o poder multiplicador que o projeto possui e que é usado como estratégia para que jovens e profissionais se tornem mobilizadores na prevenção às IST/HIV, gravidez precoce não planejada, bullying, e das infecções sexualmente transmissíveis, além de contribuir para viabilizar e qualificar o acesso dos jovens a informações e serviços que tenham a intencionalidade de atuar em saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, informação e educação. 

“Muitos jovens têm descoberto habilidades que não imaginavam possuir. Projetos que colocam o jovem na centralidade das ações com qualidade e orientações adequadas são janelas para o desenvolvimento desta população. Diálogos entre pares garante que a informação e o conteúdo sejam absorvidos e vividos na prática, com uma linguagem acessível que flui naturalmente entre as juventudes”, analisou Tatiane.

Territórios

O projeto iniciou sua atuação em junho de 2017 em três territórios de Campinas: Padre Anchieta, Jardim Santana e Jardim Itatinga. Atualmente as ações do Projeto e atuação dos Jovens Mobilizadores chegam a oito territórios de Campinas e até 2021 a previsão é que a iniciativa chegue a 14 territórios, contemplando as cinco regiões de Campinas. O projeto prevê ainda capacitar 225 jovens, 60 profissionais e cerca de 20 mil pessoas beneficiadas com as ações de informação, educação e prevenção nos temas ligados à Educação Integral em Sexualidade.

Segundo Rodrigo Correia, o desenvolvimento do projeto nos territórios começa com a identificação de jovens interessados em participar da capacitação, que possui 32 horas de atividades teóricas utilizando uma metodologia participativa que permite uma imersão nos conteúdos trabalhados durante os quatro dias de capacitação. 

“Os módulos estão linkados justamente para despertar o reconhecimento e a mobilização dos jovens pelo assunto, em um processo de reflexão, pensando primeiramente em como o jovem pode criar um projeto de vida com mais saúde, prevenção, exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. É uma metodologia bem participativa. Os temas vão sendo tratados a partir do conhecimento dos jovens sobre o assunto, e assim vamos conseguindo envolvê-los na temática e no processo. Dessa maneira criamos vínculos com os jovens e esse é um dos principais resultados do projeto”, explicou. 

Isso de fato acontece. Muitos jovens que participam do projeto iniciam a capacitação com baixas expectativas: achando que vai ser chato e desinteressante. No fim, saem de lá com mil ideias e iniciativas de ações multiplicadoras e, assim, se tornam protagonistas de seus projetos de vida e das transformações em suas comunidades. A intenção é que a capacitação seja a primeira etapa do projeto, já que é no plano de ação que se pretende que a iniciativa tenha continuidade.

“Nosso papel, a partir da capacitação, é facilitar e apoiar para que as ações sejam feitas pelos jovens mobilizadores multiplicando as informações aprendidas com seus pares. Ajudamos a fazer o cronograma para ações em sala de aula, junto com a coordenação pedagógica das escolas e OSC. Como estratégia, continuamos a ter encontros com as equipes capacitadas para acompanhar e avaliar o andamento das ações multiplicadoras”, explicou Rodrigo.

Referência 

Com a Vitória Gomes da Cunha, 17 anos, foi assim. Ela contou que antes de fazer a capacitação, achou que seria cansativo. Mas em pouco tempo ficou totalmente envolvida pela temática. “A gente já sabe um pouco sobre sexualidade, mas não a fundo, com informações tão detalhadas como as que tivemos no curso. Prender a atenção de um jovem não é fácil, mas eu fiquei muito interessada e me identifiquei com o projeto, porque a metodologia usada foi muito boa, e minha turma de capacitação também foi incrível. Quando a capacitação acabou, achei que não teria mais continuidade, mas fomos incentivados pelo Rodrigo a fazer o plano de ação e conseguirmos colocar tudo em prática. Hoje o Rodrigo é meu melhor amigo”, disse. 

À medida que Vitória e seus amigos que participaram da capacitação colocavam em prática o plano de ações para informar e compartilhar os conhecimentos sobre direitos sexuais e reprodutivos, eles foram ganhando visibilidade na Escola Estadual Professor Messias Gonçalves Teixeira, na região do Padre Anchieta. Graças à participação no projeto, a jovem foi líder do grêmio estudantil da escola e se destacou em ações informativas desenvolvidas com outros jovens da comunidade escolar.

E isso a levou a outras oportunidades que extrapolaram os muros da EE Messias: Vitória foi convidada por outras escolas da região para falar sobre o assunto, é procurada por adolescentes e jovens para conversar sobre sexualidade, gravidez e outras questões o tempo todo, já apoiou ações  do Centro de Saúde do bairro, foi convidada para falar sobre o tema em OSC e compartilhou sua vasta bagagem sobre a temática em ações informativas em outras regiões de Campinas.

“Sempre quis estar no papel de liderança dentro da escola. Quando soube que o projeto ia proporcionar a oportunidade de falar sobre direitos sexuais e reprodutivos fiquei muito feliz, eu queria muito estar ali. Fui incentivada pelos meus amigos, pelos professores. E nessas experiências, me deparei com coisas inacreditáveis. Por exemplo, uma menina de 9 anos que estava grávida e nos procurou pedindo ajuda para contar para a mãe dela. De maneira geral, as pessoas têm uma tendência a achar que esse tipo de coisa acontece cada vez menos, mas nesses momentos percebemos que infelizmente, ainda acontece muito e essa é a realidade. Nosso papel como mobilizadores é justamente fazer com que as informações cheguem a essas pessoas e haja a prevenção”, contou.

Em sua comunidade escolar, Vitória sentiu a diferença depois que as informações chegaram até as pessoas. Agora, sexo já não é tratado como tabu como antes. Respeito e tolerância pelas diferenças aumentaram e o bullying é algo raro atualmente. “Antes era muito difícil falar sobre essas coisas na escola. Tinha gente que saía da sala quando o assunto sobre gravidez e sexualidade começava. E aconteciam altas discussões. Hoje as pessoas têm opiniões diferentes, mas se respeitam. A escola também ajuda mais os alunos depois que esses assuntos passaram a ser amplamente debatidos. É assim que vejo os resultados”, contou. 

Segundo Vitória, tudo isso deu muita visibilidade e confiança para que os jovens mobilizadores continuassem a desenvolver ações e evoluir individualmente. Rolou até participação em congresso internacional sobre sexualidade, em setembro de 2018. “Sempre dei trabalho na escola: discutia com professores, não fazia nada do que era pedido. E foi o projeto que me ajudou a me encontrar. Hoje os professores me procuram para trocar ideias sobre sexualidade e assuntos relacionados. Isso refletiu inclusive na relação com minha mãe, minha família e no início da minha vida profissional”, afirmou. 

Foi a partir do projeto que a garota conquistou seu primeiro emprego na Reprolatina, onde também atuou ajudando em algumas capacitações e recentemente, se tornou jovem bolsista da Rede Articula Juventude (REAJU). “Me tornei uma facilitadora, e hoje outros jovens que participam das capacitações perguntam: como é que faço para virar uma Vitória, que fala lá na frente? É muito gratificante virar exemplo e passar informações valiosas para outros jovens”, disse. 

Mais do que potencializar o repertório sobre sexualidade, o projeto apoia cada um dos participantes. “Ajudou a gente a se aceitar, a não ter medo de falar o que pensa e sente, a ter respeito, porque trabalha muito autoestima. Ajudou muitos filhos a conversarem com pais. E nossa confiança aumenta muito. E só assim que ficamos preparados para sermos multiplicadores”, refletiu a jovem.

Com essa vivência, Vitória, que antes pensava em fazer pedagogia, agora já tem clara a carreira que quer seguir: psicologia com especialização em sexualidade. “Peguei gosto pela coisa, porque o processo de aprendizagem não é separado da multiplicação de saberes. Quero trabalhar com isso e ajudar pessoas pra sempre”, concluiu.

Ações continuadas

Se por um lado o projeto tem potencial transformador entre os jovens que realizam a capacitação, por outro, os profissionais que participam do curso têm garantido a continuidade das ações de informação sobre o tema.

Para Rodrigo, a capacitação e orientação que o projeto oferece para os educadores é essencial para o olhar para o adolescente. É preciso repensar valores pessoais da visão que se tem dos jovens. “Isso facilita o diálogo e a construção das atuações das políticas públicas dos serviços que exercem. Ao mesmo tempo, esse profissional capacitado vai atuar como referência para o jovem que também passou pela formação, orientando, direcionando e monitorando as ações multiplicadoras”, explicou.

Eliane Ferreira dos Santos, assistente social no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, fez a capacitação e busca constantemente organizar ações informativas entre os cerca de 1 mil alunos dos cursos técnicos, do ensino médio, e dos anos iniciais do ensino superior. 

“Foi essencial para minha prática profissional, porque esses temas precisam ser constantemente dialogados com estudantes. Achei brilhante a metodologia incluir capacitações com jovens e com profissionais, porque praticamos por meio de dinâmicas, diálogos, troca de experiências e depois tivemos a oportunidade de planejar e praticar na instituição as ações de prevenção de IST, Aids, sobre os direitos sexuais e reprodutivos, que não é um assunto muito abordado com os jovens”, explicou. Pela experiência que já teve com ações realizadas no Instituto, Eliane afirma que os jovens se interessam pelo tema e participam dos debates promovidos em sala de aula.

Conquistas

Entre os resultados positivos do projeto ao longo dos dois anos em que é desenvolvido, a ampliação das discussões e disseminação de informações sobre a temática nas escolas, instituições sociais e Centros de Saúde é um dos mais comemorados pela equipe do Jovens Mobilizadores.

“Além do envolvimento da rede intersetorial, queremos também chegar até as famílias para que os resultados sejam ainda mais potencializados. Estamos também conseguindo implantar a temática no Plano Político Pedagógico das escolas e no planejamento anual das ações de OSC, e isso é uma grande vitória”, enumerou o coordenador do projeto.

Como desafio para as próximas etapas do Jovens Mobilizadores, Rodrigo destaca o atual contexto político do Brasil. “Temos um avanço significativo de movimentos conservadores e o retrocesso de alguns direitos, e a orientação do governo federal de que essa temática que engloba a sexualidade e gênero não seja uma obrigação a ser tratada. Então nosso principal desafio é trabalhar na perspectiva de continuar a desenvolver essas ações tão necessárias nos territórios com extrema vulnerabilidade social”, avaliou.

Entre as novidades, além da continuação e ampliação do projeto até 2021, está previsto um segundo processo de capacitação nas escolas e OSC para que as ações de multiplicação tenham alcance para todo o município e um esforço focado na participação dos jovens em conselhos municipais e consequentemente, na tomada de decisões que envolvam políticas públicas. Para apoiar essa estratégia, foi elaborado um guia prático de como as escolas e organizações podem implementar as políticas públicas sobre o tema. Ao fim do projeto, um encontro de jovens e profissionais mobilizadores para troca de vivências também está previsto.

Juventudes

O Jovens Mobilizadores é realizado em parceria com a Reprolatina e faz parte do programa Juventudes, iniciativa da Fundação FEAC que investe na criação de espaços de participação e aprendizado social, autogeridos por jovens, com o intuito de incentivar a participação social propositiva e engajada com o desenvolvimento humano.

Confira o Guia das Juventudes e direitos sexuais e reprodutivos: https://www.feac.org.br/wp-content/uploads/2019/08/Guia-Juventudes-e-os-DSR-Revisa%CC%83o-Julho-2019.pdf?portfolioCats=3100