Jovens em situação de acolhimento institucional precisam deixar o abrigo quando completam 18 anos. Porém, muitas vezes, não podem retornar à família de origem, devido aos vínculos rompidos ou fragilizados, e ainda não possuem meios para se sustentarem. Então, para onde eles vão? Uma alternativa são as repúblicas, serviço de acolhimento que funciona como uma transição para a vida adulta e autônoma, no qual podem permanecer até os 21 anos.
Em Campinas, há duas repúblicas, uma masculina e uma feminina, que abrigam seis jovens cada. O serviço é oferecido pela prefeitura em parceria com o Instituto Padre Haroldo, que trabalha com assistência social e saúde. Os jovens que lá vivem recebem suporte de uma equipe técnica, mas eles próprios cuidam da casa e precisam desenvolver habilidades que a vida no abrigo não exigia.
Para ajudá-los nesse percurso, a Fundação FEAC, em parceria com o Padre Haroldo, idealizou o projeto “Trabalho, renda e sustentabilidade para jovens em acolhimento”, que se iniciou em julho de 2020. A proposta é elaborar projetos de vida profissional, de forma individualizada, com todos os jovens das repúblicas de Campinas, a partir de seus interesses e potencialidades.
A iniciativa conta com dois socioeducadores: um para lidar internamente com os jovens, preparando-os para o mercado de trabalho; o outro, para buscar parcerias com empresas e organizações, facilitando o acesso a vagas.
“O projeto visa uma empregabilidade para além dos subempregos que geralmente são ofertados para jovens que estão em serviço de acolhimento, por conta da pouca preparação que eles têm para o mercado de trabalho”, explica Ana Lídia Puccini, líder do Programa Acolhimento Afetivo, da FEAC.
Conquistando a autonomia
Renan tem 19 anos e vive na república há um ano e sete meses. Ele relembra como um processo difícil a saída da Cidade dos Meninos, abrigo onde vivia, e a chegada na nova moradia. Desacostumar com a rotina institucionalizada foi um dos principais impactos.
Ele conta que, na república, a vida ganha muitas responsabilidades de uma vez: “O abrigo é muito coordenado, é meio que o pai e a mãe, que te obriga a estudar e a seguir horários. Tem a mãe social 24 horas por dia para você. Quando eu saí e vim para a república, era tudo livre. A maior dificuldade foi a procrastinação, mas com o tempo, me acostumei.”
Uma das preocupações do projeto é ensinar o jovem a ter consciência financeira, já que nos abrigos eles não lidam com dinheiro. Não demorou para Renan entender, na prática, a importância disso. “Quando saí do abrigo, a primeira coisa que fiz foi conseguir um cartão de crédito. E acabei devendo um monte”, conta aos risos. “Aí essa senhorita chegou e começou a explicar sobre organização financeira e me livrou de uma dívida gigante.”
A senhorita é Erlane Ramos do Carmo, educadora social do Padre Haroldo, que o acompanha na iniciativa. Juntos, traçaram um projeto de vida profissional para Renan. As reuniões são realizadas presencialmente, na república, e eles também estão em contato diário por Whatsapp. “O Renan é um jovem muito empenhado”, elogia.
O projeto também consiste em considerar questões emocionais envolvidas, que impactam diretamente o trabalho. A maioria desses jovens passou por situações de violação de direitos, que foram a causa do acolhimento institucional, e que precisam ser trabalhadas. Por isso, uma psicóloga do instituto apoia o processo.
Ampliando perspectivas
Erlane reforça que a busca por emprego é a última etapa. Antes disso, a equipe trabalha para ampliar as perspectivas dos jovens, que muitas vezes enxergam possibilidades de vida muito limitadas.
“É triste a realidade que a maioria da população brasileira tem, que é trabalhar para sobreviver. Conversando com a equipe, percebi que havia mais possibilidades, porque o projeto visa bastante a qualidade de vida. Não adianta só ir trabalhar e não ter qualidade de vida”, reflete Renan.
O jovem “só precisou de estímulo”, como observa Erlane. Já com a bagagem de um curso técnico em nutrição, Renan começou uma faculdade de administração aos 17 anos, mas não se identificou tanto com a área e trancou para seguir carreira militar na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), em Campinas.
Devido a uma lesão física, o jovem deixou o curso e renovou os caminhos mais uma vez. Atualmente, dedica-se ao desenvolvimento de seu próprio negócio, que iniciou com um ex-colega de quarto: uma página virtual na qual oferece serviços de marketing digital.
Em paralelo, Renan também busca uma vaga de emprego para conquistar sua autonomia e, no futuro, dedicar-se integralmente ao empreendedorismo. Junto com a equipe do projeto, já reformulou seu currículo e recebe preparações para as entrevistas. Enquanto as respostas não chegam, os planos de vida seguem expandindo.
“Se eu ficar até os 21 anos [na república], eu quero, no mínimo, ter guardado dinheiro. No máximo, quero conseguir ter sucesso no meu empreendimento e estabilidade financeira. Na verdade, eu quero liberdade financeira, que é melhor do que estabilidade.”