Feira do Village fortalece vínculos e gera renda para os moradores do território
(Por Ingrid Vogl)
Pastel, caldo de cana, yakissoba, churrasquinho, doces, hortaliças, frutas, artesanato. Mais do que um espaço em que se comercializa produções próprias a partir de talentos despertados, a Feira do Village tem um papel que vai muito além da geração de renda: o fortalecimento de vínculos comunitários e familiares e a valorização de potenciais dos moradores. Sabe quando você chega num lugar e se sente acolhido? Lá é assim.
Criada há dois anos, a Feira, que acontece no segundo sábado de cada mês, começou com 16 moradores que usaram mesas e bancos da Escola Estadual Profª Dora Maria Maciel de Castro Kanso para expor seus produtos, em uma ação que reuniu a comunidade escolar e do seu entorno para apresentações artísticas dos alunos na quadra poliesportiva. As apresentações não saíram como o esperado, já que o dia chuvoso do mês de outubro não encorajou os pequenos artistas a comparecerem, mas a exposição dos produtos foi um sucesso.
“A partir daí vimos que havia potencial dos expositores e um grau de envolvimento, de crédito para iniciar o projeto. E nós literalmente viemos para fora da instituição e começamos a fazer a feira no terreno ao lado da escola”, contou Rita de Cássia Nicola Ribeiro Lelis, apoiadora da feira e coordenadora do Conselho Distrital de Saúde Norte de Campinas.
E assim nasceu o projeto da Feira. A partir de um grupo da região do Grande Village, como os bairros do entorno são chamados, formado por lideranças locais, além do Centro de Saúde Village, da creche Amigos da Criança (AMIC Village), a Escola Estadual. Juntos os representantes dos equipamentos pensaram ações que pudessem melhorar a vida da comunidade e promover a qualidade de vida das pessoas que moram na região.
“Aqui não temos quase nada. Só a escola com ensino fundamental, a AMIC com educação infantil e o Centro de Saúde. Não temos pavimentação, lazer, e uma série de coisas que uma comunidade saudável precisaria ter. E com todos os problemas e vulnerabilidades que o território tem, pensamos na feira, porque além de permitir aos artesãos e pessoa que fazem as comidas, a venda dos produtos, este também seria um espaço de integração das famílias e de fortalecimento de vínculo com comunidade. Queríamos trazer não só o valor material, mas também o emocional”, explicou Rita.
Luciane Aparecida Spindola, assistente social e gestora da AMIC Village, lembrou que a participação da instituição de educação infantil no projeto começou a partir de uma reflexão trazida por Denilze Ricciardeli, analista de projetos da Fundação FEAC, sobre como a AMIC poderia melhorar o atendimento das crianças que frequentam a creche partir de uma atuação integrada a outros equipamentos da rede intersetorial da região.
“Começamos a mobilizar a rede de equipamentos da região, a debater sobre como fortalecer a comunidade. Nosso objetivo inicial é que os relacionamentos se fortaleçam, e a feira foi um instrumento para que isso acontecesse. Com seu crescimento, a ação também se tornou um local de empreendedorismo do bairro, mas a gente não quer que a característica central seja perdida”, explicou Luciane.
O resultado é visível para quem visita a feira: crianças brincando livremente junto com suas famílias, amigos que se encontram e aproveitam tudo que a feira oferece, e familiares que sempre prestigiam os próprios empreendedores da feira, seja comprando um artesanato ou se deliciando com algum quitute próximo às barracas de alimentos.
“Não tínhamos nada disso e a feira realmente trouxe essa proximidade com a comunidade. A transformação já acontece nos relacionamentos com as famílias, porque os pais sabem que esse espaço é saudável para a crianças, e eles nos dão esse retorno na creche. As pessoas sobem a pé para vir aqui. Minha mãe tem 84 anos e não quer faltar em nenhuma feira, e as pessoas não param de nos procurar para expor. A ideia é que no momento que o grupo estiver instituído e autônomo, a rede saia de cena para pensar em outras formas de fortalecer a comunidade, porque esse projeto é deles”, explicou Luciane.
Talento empreendedor
Para conferir tudo o que a Rita e a Luciane dizem, só indo até a Feira do Village para saber. Com início previsto para 17h do segundo sábado do mês, a Feira começa a ganhar forma e vida à medida que as barracas vão sendo montadas, os produtos expostos e as pessoas vão chegando. Com o início da noite, quando a temperatura dos dias quentes fica mais amena, as luzes são acesas e atraem os moradores. Aos poucos, o burburinho das conversas se mistura com o aroma dos quitutes preparados, das frutas e verduras frescos, e o movimento de pessoas nas barracas vai aumentando gradativamente.
Os 16 expositores que se reuniram na escola pela primeira vez há dois anos, agora são 31, e a variedade de produtos e o orgulho dos expositores é uma beleza. Junto com a mulher e a filha, o produtor rural Celso Hoshika vende suas hortaliças frescas, saudáveis e livres de agrotóxicos na Feira do Village desde seu início. “A feira movimenta os moradores do bairro para terem uma atividade, como um incentivo para produzir a arte de cada um. Também é um incentivo social, e a feira melhora cada vez mais. É um dia do mês que as pessoas reservam para essa feira, e isso é muito positivo”, disse.
A barraca da Elizabeth da Cunha Cornélio têm originalidade e diversidade em seus produtos. São peças confeccionadas em tecido, patchwork, madeira, pintura em seda e muito mais que fazem com que a artesã pesquise e se dedique a encontrar novidades para sempre levar para a feira. “Não é tanto pela renda, mas a feira me distrai e aqui passo bons momentos. Para mim é como um lazer para a comunidade, daqui a pouco isso aqui fica lotado. E a gente sempre vende, conhece pessoas dos bairros vizinhos. Estou aqui desde 1992, mas agora tenho conhecido mais gente, converso mais com os moradores. É uma coisa muito boa, um lazer gostoso, disse.
Jumara Aparecida Loiola Aranha é uma das mais animadas na feira. No dia em que estive por lá, ela cuidava de duas barracas: a sua, com artesanatos que chamam a atenção pelo capricho e colorido, além de doces, conservas e temperos, e a do filho, que ficou em casa para estudar para o Enem e que vende mudas de plantas frutíferas e ovos caipiras.
“Temos chácara e tudo que vendemos aqui é produzido lá. Quando me convidaram para vir, eu aceitei, gostei, e ajudo com minha família, em tudo que for preciso, porque aqui cada um ajuda com sua habilidade. Participar da feira é muito bom, porque antes minha vida era a rotina de casa, então aqui é uma alegria, a gente encontra amigos. Minha casa era entupida de artesanato, e agora tenho a oportunidade de vendê-los e fazer ainda mais minha arte”, disse.
A barraca de pastel da Ivone Bomfim de Oliveira é concorrida. Para ajudá-la, filho, irmão e amigos formam um time que recebe os pedidos, monta, frita e entrega os pastéis que dão água na boca. “Essa feira representa uma coisa muito boa, porque é algo muito familiar, a gente se sente acolhido e alegre quando a feira acontece, todo mundo espera a feira no mês. Além disso, ainda gera renda para a família”, disse.
Em uma mesa comprida, Sandra dos Santos Gomes e Vitória Danielli conversavam animadamente com familiares e amigos. “Para nós é bom demais. Desde que a feira começou a gente vem rever os amigos, porque mesmo morando no mesmo bairro, às vezes passamos um bom tempo sem revê-los. Isso aqui é uma diversão”, afirmou Sandra.
“É algo diferente para o bairro, porque aqui não tem muita coisa pra gente fazer, então a feira foi um meio para reunir e aproximar todo mundo. A gente come, conversa e se diverte concluiu Vitória.
Já no fim da visita, me deparo com uma barraca em que estava Kauã Dias Passos, o empreendedor mais jovem da feira, com 13 anos. Entre os produtos confeccionados pelo garoto há cerca de um ano, estão aromatizantes para ambientes, sabonetes e afins. “Comecei a participar da feira porque quero ser um pouco mais independente e experimentar coisas novas”, disse. A Feira do Village tem diversidade etária e sustentabilidade, com um ponto de coleta de óleo de cozinha que é transformado em sabão em barra e líquido pelas mãos de uma das artesãs.
Empreendedorismo de Base Comunitária
A Feira do Village e a Fundação FEAC tem tudo a ver. Por meio de um edital, o grupo de empreendedores do território participou do projeto Empreendedorismo de Base Comunitária (EBC), que tem como objetivo apoiar financeiramente iniciativas que resultem em qualidade de vida e bem-estar social e estimulem o exercício de atuação coletiva para transformação do território.
“Participar do EBC mudou completamente a Feira, porque o projeto nos deu condições de investir na compra das barracas dos expositores. Antes alugávamos as barracas, e isso impactava os produtores, pois muitos têm dificuldades financeiras. Pagar a barraca significava para alguns comprometer o investimento na matéria prima para fazer o produto para expor na feira”, explicou Rita.
“A FEAC voltou o olhar para a importância da feira e, por meio do EMC, investiu na compra das barracas que era o ponto crucial para a feira acontecer. Ao invés de pagarmos o aluguel das barracas, hoje a gente faz caixinha de 10 reais por expositor e assim, começamos a ficar autônomos”, disse a apoiadora.
Para que a Feira aconteça, o coletivo é organizado e tem regras. Três das principais: ser morador da região, comercializar produtos produzidos pelos próprios moradores e não comercializar bebidas alcoólicas. “Vamos pensando juntos, todas as decisões são coletivas e temos um calendário permanente de reuniões para todo o ano. Fazemos uma avaliação da feira que passou e planejamos a próxima, elencamos os pontos fracos, ouvirmos um por um para saber o que foi a feira para eles, o que ela está significando. E ouvimos cada vez mais relatos de como isso modifica a vida deles e faz diferença no orçamento familiar”, contou Rita.
Futuro autônomo
Para um futuro próximo, o grupo tem planos de aumentar o número de barracas, já que há mais pessoas interessadas em expor e ampliar os dias em que a feira acontece. Para Rita, a riqueza da feira é trazer para fora de casa todo o talento que pode ser conferido na feira. “Cada feira é diferente da outra, e cada vez mais as pessoas vem conferir. O que se vê são empreendedores em potencial, pessoas hábeis, que têm algum talento e que estava tudo quietinho dentro de casa. E mais ainda, está gerando renda, vínculo comunitário e familiar e a autovalorização do potencial de cada um”, analisou a apoiadora.
Moradora do Parque das Garças, bairro vizinho ao Village, Rita se dedica por inteiro à realização da feira e faz isso com prazer e satisfação. “Isso pra mim é a maior riqueza, porque o ser humano que não se engaja num projeto social e não caminha com essa visão de coletividade, de promoção do outro, fica muito pobre como ser humano. Não dá pra encontrar sentido na vida tendo tudo pra si, sem enxergar o valor do outro. Isso é indizível. Não tem como dizer a alegria de saber que você está servindo de degrau para que a pessoa possa galgar uma qualidade de vida melhor para ela. Promover a melhoria de vida dessas pessoas é um interesse genuíno, e é muito bom conseguir isso”, ressaltou. Que essa solidariedade sirva de inspiração para muitas outras Ritas em comunidades vulneráveis.
As próximas datas da Feira do Village são 7 e 21 de dezembro, a partir das 17h na Rua Professor Emílio Coelho, s/n, Village.
Investimento Social Privado
O projeto Empreendedorismo de Base Comunitária é uma iniciativa da Fundação FEAC por meio do Programa Desenvolvimento Local, que investe na mobilização comunitária com o objetivo de transformar territórios gerando bases para uma cidade mais inclusiva, acolhedora, eficiente e sustentável.
Mais informações: https://www.feac.org.br/empreendedorismo-de-base-comunitaria/