Em março de 2020, o músico erudito Hellio Augusto Avelar Couto, de 29 anos, decidiu criar o coletivoMargem Cultural, para oferecer oficinas musicais em escolas públicas do ensino fundamental em Campinas e valorizar a produção cultural da periferia. Naquele momento, sua iniciativa se juntava a incontáveis outras que têm pipocado por todo o país, também se autointitulando como coletivos, e lidando com temas dos mais diversos, como cultura, questões de gênero e educação.

Mas, afinal, o que define exatamente um coletivo? Por que eles têm se tornado mais presentes nos últimos tempos? Qual o papel que eles têm no Brasil atual?

Coletivo é um termo geralmente usado para identificar grupos autogeridos, com organizações mais horizontais e desburocratizadas. Algumas características podem divergir, como serem uma organização formalizada ou não.

Participação política

“Para entender uma organização a gente tem que inseri-la num contexto maior, e o dos coletivos é a descrença nas organizações políticas tradicionais”, diz Olívia Cristina Perez, doutora em Ciência Política pela USP e pesquisadora de coletivos

A pesquisadora aponta a série de protestos iniciada em 2013 como um marco para a multiplicação desse tipo de formação política no Brasil. Apesar do aumento de coletivos ser recente, tanto a nomenclatura quanto a forma de fazer política são antigas, remetem ao país da década de 1970.

“Muitas organizações e pessoas que estavam desvinculadas de organizações entraram em contato com essa forma de se organizar tipo coletivo, com essa possibilidade de fazer política de forma mais horizontal e mais fluidas. Então muitas organizações foram criadas e outras adotaram o nome de coletivo à sua organização“, explica Olívia.

“Ser um coletivo é tentar ser menos hierárquico e mais informal, como uma forma de responder à descrença na política tradicional.”

Olívia Cristina Perez, doutora em Ciência Política


 

A área das artes tem uma longa tradição em se organizar dessa forma. A Cooperativa Paulista de Teatro, por exemplo, foi fundada em 1979 e hoje reúne centenas de coletivos teatrais de todo o estado de São Paulo. “Existe uma atuação política nesses grupos de arte, já que a arte por si só é política, ela questiona, ela transforma”, afirma Olívia. Mais recentemente, universitários têm abraçado essa forma de atuação, tendo como pauta principal o feminismo, seguido por questões raciais e pela defesa de direitos da população LGBTQI+.

Jovens de regiões vulneráveis também têm adotado esse formato como uma opção de atuar em questões ligadas a seus territórios. “Os coletivos tocam em pautas muito importantes e sua natureza já é política. Lidam com temas que vão desde questões de gênero, passando por coisas que afetam as juventudes, como estudo, trabalho e saúde mental”, explica Tatiane Zamai, líder do Programa Juventudes da FEAC.

Quebrando barreiras

Investir em coletivos é quebrar barreiras que existem para se chegar às juventudes, principalmente a periférica. “Os jovens não estão necessariamente dentro das organizações e da assistência social. Eles estão em outros espaços, em outros movimentos”, diz Tatiane.

Em reconhecimento a essa importância, a FEAC, em parceria com a Minha Campinas, rede que promove a participação política cidadã, lançou, em outubro de 2020, o edital para a primeira edição do Coletivizada. O projeto buscou coletivos de jovens que atuem em áreas de vulnerabilidade social com atividades relacionadas ao interesse da cidade e da comunidade.

“São coletivos de jovens da periferia daqui de Campinas”, destaca Amanda Souza, analista de projetos do Programa Juventudes. “É importante para gente apoiar iniciativas que são pensadas por esses jovens e para eles, afinal é um serviço que prestam para a cidade. Os acessos ao lazer, por exemplo, nas comunidades, são bem restritos. Eles estão colocando o nome desses bairros em evidência.”

Dos 17 coletivos inscritos, cinco foram selecionados – o Margem Cultural, do músico Hellio Couto, citado no início do texto, foi um deles. Cada um recebeu R$ 8 mil para potencializar suas atividades. Além do recurso financeiro, eles foram convidados para participar de mentorias individuais e em grupo por cinco meses, entre dezembro de 2020 e maio desse ano. Dentre os tópicos abordados estão gestão, comunicação e sustentabilidade dos coletivos.

O Coletivizada busca fortalecer grupos que já atuam nas comunidades de Campinas, independentemente do seu nível de maturidade. “A gente começou a se aproximar dos coletivos e entendeu que eles já faziam acontecer sem recurso nenhum”, explica Tatiane.

O projeto recebeu inscrições de temáticas diversas. Os selecionados foram: Margem Cultural (arte e cultura periférica), Movimento das Minas (questões de gênero), P2RCA (hip hop); Quilombo Iris de Jesus (cultura e educação) e Responsa! (cursinho popular). A previsão é de que uma nova edição seja realizada no segundo semestre de 2021. A ideia é conseguir formar uma rede entre os coletivos participantes.

Série sobre coletivos

Esta é a primeira matéria de uma série de quatro sobre coletivos. Apresentamos também os projetos selecionados pelo Coletivizada e o HUB Quebrada em Movimento, outro projeto da FEAC que fortalece coletivos em territórios vulneráveis. Confira:

• Coletivos permitem fazer política de modo inovador e menos burocrático

“Coletivizada” fortalece coletivos das periferias de Campinas

Coletivizada: conheça cinco coletivos que atuam na periferia de Campinas

“Quebrada em Movimento”: hub articula rede de coletivos na periferia 

 

Por Laíza Castanhari