Em 2020, Klaudineya Isabela Franke tinha 10 anos e havia acabado de se mudar para uma nova escola quando foi decretado o isolamento social no Brasil devido à pandemia de Covid-19. Foi um período solitário para ela, que ainda não tinha amizades na escola nova e morava em um prédio sem outras crianças para brincar. “Em casa comigo também não estava fácil, porque ela queria atenção e eu tinha que trabalhar. Somos só nós duas, minha família mora longe”, conta Ana Paula Franke, mãe de Klaudineya.

A situação se complicou quando a mãe voltou a trabalhar presencialmente e precisou encontrar um lugar para sua filha frequentar no contraturno escolar. Segundo Ana, no primeiro espaço escolhido a convivência estava gerando muitos conflitos e a experiência acabou não dando certo.

Foi no ano passado que ela conheceu o Centro Educacional Integrado Padre Santi Capriotti – CEI Campinas e encaminhou a filha. Hoje, com 13 anos, Klaudineya faz parte da turma de crianças e adolescentes que frequenta os turnos das manhãs na organização, antes de ir para a escola no período da tarde. Desta vez, a adolescente e a mãe estão satisfeitas com o resultado.

Dificuldades de socialização no retorno ao presencial

Um dos motivos que contribuiu para isso foi a abordagem adotada pelo CEI após o fim do isolamento social. A equipe do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos do CEI observou que as crianças e adolescentes estavam apresentando atitudes agressivas. Os pequenos conflitos que começavam em tom de brincadeira terminavam em troca de insultos.

A organização sentiu a necessidade de trabalhar o comportamento das crianças e adolescentes e promover um convívio harmônico. Diante disso nasceu o Projeto Aprendendo e Convivendo sem Violência, com apoio da Fundação FEAC.

Sílvia Octaviano, coordenadora do projeto e voluntária do CEI, aponta que os alunos retornaram ao presencial com muita ansiedade. “As crianças pequenas e os adolescentes mais novos se desenvolveram por dois anos em isolamento, sem o convívio social com outros da mesma idade, o que gerou dificuldades de socialização”, afirma.

Sílvia explica que a proposta do projeto é que as crianças e os adolescentes possam “nomear” o que estão sentindo e entender que eles têm opções de reação. “Eles não precisam reagir de maneira agressiva. Eles podem ter aquele segundo para pensar e reagir de um jeito que construa a relação e não que destrua”, explica Sílvia.

A Fundação FEAC acredita em iniciativas que promovem o bem-estar comunitário por meio do fortalecimento de vínculos familiares e sociais. “A nossa expectativa [com o projeto] era de ter espaços seguros e inclusivos de escuta, de diálogo e de aconselhamento. Com crianças e adolescentes convivendo de forma saudável, desenvolvendo a empatia para ressignificar situações de violência e reconhecendo seu lugar no mundo”, diz Hellen Gama, analista de projetos do Programa Fortalecimento de Vínculos da FEAC.

Conhecendo novas formas de expressão

O Projeto Aprendendo e Convivendo sem Violência realizou duas oficinas para trabalhar as emoções e a comunicação das crianças e adolescentes, uma de artes e outra de processos circulares. Para atender melhor de acordo as necessidades de cada faixa etária, foram criados dois grupos: um para crianças de 6 a 10 anos e outro para adolescentes de 11 a 14 anos.

Na oficina de arte, as crianças e adolescentes desenvolveram a criatividade e o lado artístico. Desenharam, pintaram quadros e produziram esculturas de biscuit e carimbos de argila. Durante a oficina, elas compartilharam materiais, trocaram ideias e realizaram exercícios em conjunto. Foi uma oportunidade de aprender sobre as relações e o que é dividir. “Por meio da expressão artística as crianças se conectam melhor com elas mesmas. É um espaço onde a criança deixa fluir sua inspiração”, diz Sílvia Octaviano.

Já a oficina de processos circulares trabalhou outras linguagens e formas de expressão como gestos com corpo, olhar, som e elementos visuais. Graduada em ciências sociais e mestre em educação física, a oficineira Anaí Pigatto propôs rodas de conversa, danças, movimentos de capoeira e cirandas. Além de brincadeiras que estimularam as crianças a movimentar o corpo como pular corda, jogar peteca e corre-cotia.

Os pais e os responsáveis também participaram de rodas de conversa sobre comunicação, empatia e violência, e interagiram com os filhos em algumas brincadeiras. “Com a correria, pais e filhos quase não passam tempo juntos. Esse foi um reforço que a gente quis apresentar como uma prática positiva”, diz Sílvia.

Por uma comunicação não violenta na escola

Outra frente do Projeto Aprendendo e Convivendo sem Violência foi trabalhar a redução desse comportamento agressivo no ambiente escolar. O CEI notou que muitas crianças e adolescentes que frequentam a organização são alunos da Escola Estadual Carlos Gomes, com maioria nas turmas do 6º ano do turno da tarde.

A organização e a escola firmaram uma parceria para levar as rodas de conversa do projeto a esses alunos. Foram realizados dois encontros com as turmas e Sílvia Octaviano observou que eles gostaram da dinâmica.

“Nossa proposta ali era que todos pudessem falar e ser escutados. Um ponto que a Anaí trabalhou, que é muito interessante, é chamar a atenção deles para o que é possível ser feito no ambiente escolar em relação ao tema da violência. Tentar trazer um pouco do protagonismo para eles”, diz.

Os funcionários e os professores da escola e a equipe do CEI também se reuniram em uma conversa sobre convivência escolar. Sílvia conta que a escola já estava planejando reforçar a importância da comunicação não violenta no espaço e que a presença do projeto foi um ótimo pontapé inicial.

Ouvir as crianças e os adolescentes também é importante

O comportamento das crianças e dos adolescentes no CEI melhorou depois do projeto. Eles reconhecem que há outras formas de demonstrar suas emoções além da hostilidade e estão dispostos a escutarem mais. No entanto, é um aprendizado que precisa ser exercitado a cada dia.

“É desafiador, nossa sociedade está violenta. Esse problema da violência nas escolas deixou estudantes traumatizados. Temos crianças cujos pais possuem comportamento agressivo. É uma sociedade que vai ter que reaprender”, reflete Sílvia Octaviano.

No encerramento das ações, a equipe aconselhou os pais para que esse exercício da comunicação continue dentro de casa com os filhos. Sílvia aponta que os responsáveis precisam escutar mais e não apenas falar. “Ouvir as crianças é uma parte importante da comunicação não violenta. Você exercitar ouvir o outro”, conclui.

Uma nova relação familiar

Klaudineya Isabela Franke foi uma das adolescentes que participou do projeto Aprendendo e Convivendo sem Violência. Suas atividades favoritas foram pintura e argila. “O que eu mais gostei foi a parte artística, sabe? Aprendi com o projeto a pensar antes de agir e falar com respeito. Eu gostei muito”, diz.

Depois do projeto, Ana Paula Franke diz que Klaudineya está se sentindo melhor e mais tranquila. Mas não foi apenas a filha que melhorou, ela também tirou aprendizados dessa jornada.

“A gente passou por coisas muito complicadas. Eu me via sempre estressada, cansada, sem paciência. Nós tivemos uma conversa lá [no projeto] e eu refleti bastante sobre isso. Temos que ser chamados para olhar para nós mesmos, porque somos as primeiras referências para as crianças”, fala.

Pequenos artistas

Em abril O Projeto Aprendendo e Convivendo sem Violência realizou uma exposição das obras produzidas nas oficinas de arte. A mostra aconteceu no Espaço Marco do Valle, ao lado do CEI. (Veja a galeria no fim do texto)

Na exposição, também foi exibido um vídeo que conta com mais detalhes as ações do projeto e apresenta depoimentos da equipe, das famílias e das crianças e dos adolescentes que participaram. Assista abaixo:

 

Por Pietra Bastos