A estudante paulista Andressa Vitória de Oliveira, 21 anos, cresceu no bairro de São José, periferia de Campinas. Estudou em colégios públicos e, até os seus 13, 14 anos, não sabia o que era a Unicamp, a Universidade Estadual de Campinas, uma das maiores da América Latina.
Na sua família, ela é a primeira a se formar no ensino médio e ir para o ensino superior. Desafiando as estatísticas, hoje Andressa cursa o terceiro ano da graduação em Biologia, na Unicamp, e é professora bolsista da universidade no cursinho popular Malunga Thereza Santos, um dos seis cursinhos que integram o Projeto Colmeia de Cursinhos Populares.
Aliás, foi no Malunga que tudo começou, cinco anos atrás, quando ela frequentou o cursinho como aluna. “Um mundo de oportunidades começou a surgir. Porque eu comecei a ver que eu tinha possibilidade de realmente mudar a realidade da minha família”, conta Andressa. Além de seu próprio esforço e dedicação, ela diz que o cursinho foi determinante para que ela conquistasse uma vaga na Unicamp.
“O cursinho transformou minha vida completamente”
O depoimento é de Andressa, que se diz “apaixonada por cursinhos populares”. “É um tipo de educação que transformou a minha vida completamente. Porque eu só fui saber o que era Unicamp e sentir que eu tinha uma oportunidade na vida, depois que eu conheci o Malunga”, reconhece.
O Malunga Thereza Santos é um cursinho popular oferecido pela Unicamp e que tem finalidade social: o público-alvo são estudantes de escolas públicas, alunos bolsistas de colégios particulares e a população de baixa renda em geral. “Desde os primeiros anos da escolaridade, os mais vulneráveis estão expostos a defasagens de aprendizagem e isso contribui para que abandonem o curso e não busquem pelo ensino superior. A realidade socioeconômica desses estudantes tem impacto direto na trajetória escolar deles”, avalia Rafaela Canela, analista de projetos do Programa Juventudes, da Fundação FEAC, que apoia a iniciativa.
Entre outros diferenciais, os cursinhos populares são conhecidos por aprovarem muitos alunos das periferias em colégios técnicos e graduações, já que possuem uma didática e um suporte social que foca a permanência dos alunos no curso. Além dele, outros cinco cursinhos estão sendo apoiados pelo Programa Colmeias, atendendo um total de 1.100 alunos na cidade (confira, abaixo, os cursinhos populares que estão no programa)*.
Os cursinhos do programa Colmeias |
Cursinho Malunga (Barão Geraldo): 100 alunos Cursinho Marielle Franco – (centro de Campinas): 150 alunos Cursinho Herbert de Souza (Barão Geraldo): 450 alunos Cursinho PROCEU (Unicamp, Barão Geraldo): 150 alunos Cursinho Pré-vestibulinho Responsa (Campo Grande, Campinas): 50 alunos Cursinho Dandara (São Marcos, Campinas): 150 alunos |
FEAC investe na garantia da mobilidade e alimentação dos estudantes
Desde 2022, o Malunga e outros cinco cursinhos populares de Campinas integram o Programa de Extensão Colmeias de Cursinhos Pré-Vestibulares e Pré-Vestibulinhos, ligado diretamente à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, da Unicamp. Este upgrade garante alocação de recursos para financiar o transporte e alimentação dos estudantes e bolsa auxílio aos professores, o que traz maior estabilidade aos cursos, tanto no pagamento dos professores, quanto na manutenção da infraestrutura necessária.
“Com isso, a gente também fornece bolsas para alunos da Unicamp atuarem como professores em cada um destes cursinhos. E tem uma pequena verba para material de consumo, como toner, material de limpeza e material permanente, como notebook e projetores para os cursinhos. Isso não é suficiente. Nós estamos dando 8 bolsas, e cada cursinho precisa de 20 professores – mas já é uma ajuda”, aponta um dos articuladores do Colmeias, o professor Marcelo Zoega Maialle, da Faculdade de Ciências Aplicadas, da Unicamp (leia entrevista no quadro).
Em 2022, a Fundação FEAC passou a apoiar financeiramente o programa, com um investimento de R$ 330 mil para subsidiar despesas com alimentação, transporte e insumos de informática utilizados nos cursinhos. O foco da FEAC é apoiar o estudante e garantir seu direito à educação.
“O programa Colmeias visa fortalecer uma rede de cursinhos já existentes e criar condições para novos cursinhos populares em regiões vulneráveis da cidade. Surge em Campinas numa fase pós pandemia, como uma ação para estimular jovens a continuarem os seus estudos em um momento de acentuada evasão escolar”, explica Rafaela, da FEAC.
E, de fato, a evasão é um dos grandes desafios dos cursinhos populares. Andressa quase abandonou o curso por questões familiares e socioeconômicas. Ela acordava às 5h da manhã e precisava de três conduções para chegar na escola e, depois, voltar.
“Eu acho que a maior dificuldade que os alunos encontram e que eu encontrei foi conseguir administrar tudo. Eu sou de uma periferia de Campinas, lá do São José, que é bem distante. Tinha vezes que eu não tinha dinheiro para passagem”, conta. “Também tinha dificuldade por conta da alimentação. Não dava tempo de almoçar na escola, porque a gente chegava em cima da hora, era outro dinheiro que geralmente desembolsava”.
Hoje, Andressa vive na moradia estudantil da universidade. “O meu sonho era morar aqui, especificamente. Eu queria muito morar aqui por conta da qualidade de vida, que é bem diferente lá do meu bairro. Eu gosto muito de lá, mas aqui tem outro tipo de acesso, a outras formas de lazer. Tem a natureza, coisas que eu não tinha lá. E acabou se tornando meu sonho estudar biologia, né?”, diz Andressa, que fez um estágio no Projeto Tamar em educação ambiental, e está desenvolvendo um projeto na graduação, que envolve biologia marinha em escolas públicas e cursinhos populares.
Outro sonho realizado foi o de dar aulas no cursinho onde estudou: “O que eu mais gosto de ser professora no Malunga é saber que eu estou fazendo diferença na vida de alguém que, de certa forma, se parece muito comigo. É uma sensação muito de dever cumprido. De saber que realmente isso pode mudar a vida de alguém assim como mudou a minha”, diz Andressa.
“Se você põe um aluno da periferia na universidade, você muda a vida dele, da família e o futuro”, diz Marcelo |
O professor Marcelo Zoega Maialle, da Faculdade de Ciências Aplicadas, da Unicamp, participa do projeto Colmeias desde o seu início, no município de Limeira. Professor de Física, Marcelo leciona há 30 anos e, atualmente, dá aulas de física a estudantes de Engenharia. Ele conversou com a Fundação FEAC sobre este importante trabalho, criado há pouco mais de uma década, e que beneficia milhares de estudantes. Qual a história do Colmeias? Marcelo Zoega Maialle – Esse cursinho começou em Limeira, na Faculdade de Ciências Aplicadas, quando alguns alunos da Engenharia começaram a fazer isso com apoio da professora Joseli Rimoli. Foram dois anos de trabalho voluntário, em 2012 e 2013. Pouco tempo depois, o professor Zeza, da Unicamp, foi ser secretário de Educação, em Limeira, e convidou a professora Joseli para fazer uma parceria com a prefeitura do município. Foi quando eu entrei como sub-executor deste projeto. Tínhamos cerca de R$ 400 mil por ano para pagar os professores, atendendo até 350 alunos no total. O trabalho começou a se profissionalizar. Com a pandemia, expandimos o on-line. E aí percebemos que poderíamos ampliar, atendendo o país todo, e com turmas voltadas às comunidades quilombolas, indígenas e para adolescentes da Fundação Casa, que estão indo muito bem. No ano passado, a Fundação Casa aprovou jovens em Faculdades de Tecnologia (Fatecs), Institutos Federais e Universidades. Neste momento começa a parceria com Campinas? Sim, começamos a conversar com os cursinhos de Campinas. São todos cursinhos populares que têm alguma ligação com a Unicamp. A ideia era fazer um programa de extensão Colmeias para que a gente desse um mínimo de suporte e estabilidade a estes cursinhos. O programa Colmeias é financiado pela Unicamp, pela pró-reitoria de extensão e cultura. Foi aprovado no ano passado e, com isso, a gente fornece 8 bolsas para alunos da Unicamp atuarem como professores nestes cursinhos. E tem uma pequena verba para material de consumo, como toner, material de limpeza e material permanente, como notebook e projetores para os cursinhos. Isso não é suficiente para um cursinho, nós estamos dando 8 bolsas, e cada cursinho precisa de 20 professores – mas já é uma ajuda. Cada cursinho tem sua identidade, sua independência, escolhem seus professores. Não interferimos. A única coisa que pedimos é transparência no uso dos recursos, já que são recursos públicos. E qual a participação da FEAC no projeto? A FEAC entrou no ano passado, em 2022, quando os cursinhos estavam funcionando, mas estávamos com a verba retida na Unicamp, aguardando a conclusão dos trâmites burocráticos e sem recursos para realizar pagamento da bolsa dos professores e outras despesas. A FEAC nos ajudou a sanar esse problema e a partir disso o foco da FEAC é o aluno. Ela financia a alimentação (lanche aos alunos), passes de ônibus – e isso é muito importante, porque em Campinas alunos não têm desconto no passe para fazer cursinho. A ida e volta são R$ 11,00 por pelo menos 20 dias e pensando que a maioria pega mais de uma condução, é um dinheiro que muitos desses alunos não têm. Está sendo muito importante. Todos os professores são bolsistas da Unicamp, como funciona? Cada cursinho tem direito a 8 bolsas para alunos da Unicamp serem professores. São bolsas de graduação e de pós-graduação. É o cursinho que escolhe os seus professores bolsistas. E estas bolsas também funcionam como apoio para a permanência estudantil, já que muitos desses professores que estudam ainda na Unicamp precisam deste recurso para se manter na universidade. Muita gente quer usufruir destas bolsas. Tem o foco no aluno que está fazendo cursinho, mas é a maneira de garantir permanência estudantil na Unicamp. Quais os maiores desafios de um programa como o Colmeias? É sempre um desafio e o principal deles é a evasão. Eles iniciam e dois, três meses depois começam a sair. Tem a questão financeira, tem de trabalhar, essas coisas começam a pesar e eles saem. Outro motivo importante: a falta de base. Por mais que a gente vá devagar, o aluno que não tem base perde o fio da meada e acaba abandonando. Todos os cursinhos têm esse problema de evasão – o que a gente faz é abrir novas turmas. Vai indo, a gente junta três turmas em duas e abre uma nova. De tal forma que a gente vai sempre levantando o nível. Qual o impacto social desta iniciativa? Em Limeira (município vizinho onde o Colmeias existe há mais tempo) atendemos 350 alunos e a evasão é grande. Quando chegam os vestibulares, temos 100 alunos e 50 passam no vestibular. Ou seja, 50% dos que ficaram até o fim. Os limeirenses não sabiam que existia Unicamp aqui. A moçadinha achava que era universidade particular ou hospital. O cursinho veio quebrar isso. A gente coloca muitos alunos na Unicamp. Destes 50 aprovados, 40 vão para Unicamp. É o que eu sempre digo, 1 ou 2 alunos que você põe na universidade, você muda a vida dele, da família, o futuro. Depois dele, todos os descendentes dele vão ter curso universitário. |