Nove instituições que formam a Rede Abraço sonham, planejam e executam o projeto Caminhos da Escola, que vai beneficiar cerca de 1 mil crianças

(Por Ingrid Vogl)

Mobilização, união e fortalecimento de vínculos que potencializam a capacidade da comunidade para transformar o território e sua própria realidade. Foi nesse clima que aconteceu o Festival de Talentos que envolveu comunidades do Amarais (região Norte de Campinas) em uma semana cheia de atividades diversas. O objetivo foi revelar talentos dos moradores e assim aproximá-los, além de estimular as pessoas que irão ajudar no mutirão que pretende transformar dois trajetos e pontos de encontro, por onde passam cerca de 1 mil crianças da região, em locais lúdicos e seguros para que elas transitem livremente entre suas casas, escolas e instituições sociais que frequentam.

A atividade faz parte do projeto Caminhos da Escola, iniciativa do programa Desenvolvimento Local da Fundação FEAC e que tem como objetivo oportunizar a vivência da criança no espaço público, com o intuito de disseminar a cidadania e o aprendizado infantil por meio da brincadeira. A iniciativa tem parceria da Rede Abraço e da Acupuntura Urbana, responsável por aplicar a metodologia que está mobilizando a comunidade para sonhar, planejar, executar e cuidar das intervenções que serão realizadas.

Segundo Renata Laurentino, mobilizadora comunitária da Acupuntura Urbana, o projeto possui seis etapas: Pré-Diagnóstico, Diagnóstico, Detalhamento das Atividades, Forma, Transforma e Acompanhamento.

O Festival de Talentos fez parte da fase Forma, quando houve a aproximação e integração de comunidades que frequentam e fazem parte de nove instituições que englobam Organizações da Sociedade Civil (OSC) e escolas que estão na região dos Amarais: Movimento Assistencial Espírita Mãe Maria Rosa, Associação Beneficente Direito de Ser, Serviço Social da Paróquia São Pedro Apóstolo (SPES), Associação Beneficente Campineira (ABC), Grupo Primavera, Centro de Educação Infantil Dr. Roberto Telles Sampaio, Vedrona, Centro de Referência de Assistência Social Vila Esperança (CRAS) e União Cristã Feminina.

Etapas

Há cerca de um mês, a equipe do projeto realizou as etapas de Pré-Diagnóstico e Diagnóstico, em que esteve nas instituições para trabalhar junto às crianças e educadores quais os aspectos positivos e de atenção dos trajetos e pontos de encontros frequentados todos os dias. Além disso, foi trabalhada a sensibilização dos envolvidos com o projeto.

Durante a etapa Forma, as Organizações reuniram crianças da comunidade para que construíssem os projetos de intervenção urbana que irão transformar o entorno de suas instituições. Em uma rede conectada, o mutirão, que será a próxima fase chamada Transforma, irá readequar os trajetos e pontos de encontros no entorno das instituições contemplando um total de oito intervenções, e assim completar os dois caminhos propostos.

“Os espaços de brincar são lúdicos e divertidos e configuram um importante elemento urbanístico dentro da estratégia de transformação do território. Com a inserção de elementos destinados às crianças, a proposta é criar um ponto de encontro que atrai os pequenos e os agrupa até que possam seguir juntos, pelos trajetos demarcados”, explicou Dione Barbieri, arquiteto da Fundação FEAC.

Talentos

Paralelamente aos sonhos e desejos que foram sendo construídos durante  a fase Forma, os talentos convidados pelas instituições foram se revelando: o pai pintor que ensinou as crianças a usarem tinta e pincel, a moradora que ensinou as crianças a fazerem bolo em seu quintal, o pasteleiro que se revelou mágico e encantou as crianças na praça. Cada uma das nove instituições realizou uma oficina com seus talentos locais.

O último dia do Festival de Talentos foi reservado para o planejamento da realização do mutirão, que irá ocorrer na semana do dia 22 de abril. Para isso, os grupos das nove instituições envolvidas discutiram e definiram o que irão fazer em determinado trecho e espaços do trajeto, quais os materiais e talentos profissionais necessários e como conseguirão mobilizar tudo que precisam para colocar a mão na massa.

Até lá, as instituições têm como meta correr atrás de tudo que será necessário para a realização da ação. Serão sete dias de mutirão para a realização de nove sonhos. Vários outros setores estão sendo envolvidos para que tudo saia conforme o planejado. A Emdec, por exemplo, está sendo acionada para providenciar faixas de pedestres e outros tipos de sinalização para aumentar a segurança de quem passará pelos trajetos.

A comunidade inteira está se mobilizando e isso também acontece graças à Rede Abraço, que é a união dessas instituições que já realizam diversas ações que buscam a união das comunidades. “Desenvolver esse projeto nesta região foi um presente porque já existe uma articulação da rede no território e muita coisa já é construída coletivamente nas instituições e consequentemente, as crianças já estão inseridas nesse contexto de coletividade. Para nós é um sonho de educação essa possibilidade das crianças saírem dos muros e terem liberdade e o direito de usarem a cidade. Porque muitas crianças, de certa forma, estão trancadas dentro das casas ou instituições já que os pais têm medo da insegurança nas ruas”, disse Renata.

A etapa do projeto que acontece após o mutirão para transformar os trajetos, é o Acompanhamento, no qual a equipe do Caminhos da Escola irá monitorar durante 1 ano a preservação dos trajetos e espaços e também identificar e valorizar vizinhos, comerciantes e moradores que, de alguma maneira, acompanham e cuidam  das crianças em seus percursos, seja oferecendo água enquanto aguardam a abertura da instituição ou uma conversa enquanto aguardam no ponto de ônibus. O objetivo é que se forme uma rede de apoio às crianças e que essas pessoas sejam conhecidas e reconhecidas pelas famílias e instituições, fortalecendo assim a formação de um bairro educador.

Segundo Dione, por trás das intervenções sonhadas pela comunidade e facilitadas pela Acupuntura Urbana, existe uma complexidade no trabalho de mapeamento e desenho dos trajetos. “Desde os anos 1960, urbanistas do mundo todo vêm destacando a importância da cidade construída para as pessoas, valorizando a vida em sociedade e fundamentalmente reforçando a importância dos olhos da rua. Esse é papel do comerciante que observa o vai e vem das crianças, dos vizinhos que se revezam para acompanhá-los no deslocamento escolar, dos alunos mais velhos que zelam pelos mais novos. Em resumo, a obrigação da comunidade em garantir a segurança e bem-estar de todos”, analisou o arquiteto.

Engajamento

Durante toda a semana em que o Festival de Talentos foi desenvolvido, as instituições convidadas a participar abraçaram o projeto com muita dedicação. “Para a comunidade e a Rede Abraço, o projeto movimentou todos os laços. Os usuários das instituições puderam reconhecer melhor seu território e decidir qual é o lugar que eles vão transformar e viver em uma nova possibilidade e perspectiva.  Houve também o olhar para o outro, das pessoas se conhecerem melhor, porque as atividades envolveram famílias, crianças e as pessoas que passaram a se encontrar e perceber a força de cada um e de todos nós juntos. E isso fez com que enxergássemos a possibilidade de recriar nossas realidades e a força e o potencial que temos nas mãos”, avaliou Ismênia Aparecida Santos, coordenadora do CRAS Espaço Esperança.

Para Ismênia, o projeto mostrou a possibilidade da comunidade utilizar as capacidades diversas a partir dos serviços oferecidos pelas instituições e assim legitimou ainda mais a rede de instituições que existem no território.

“O projeto também deixa como legado a metodologia usada, que trabalha com técnica, sutilidade de sentimentos e a possibilidade de transformar uma realidade de fato.  A FEAC como parceira nos deixa algo que não é pontual e nos uniu enquanto potência de serviço público e na possibilidade de usar em outros momentos essa metodologia com várias técnicas lúdicas que permitem que as pessoas possam se unir e abraçar os caminhos escolhidos para transformação”, disse a coordenadora do CRAS.

Para Edite Maria de Sousa, educadora social do Maria Rosa, participar do projeto está sendo gratificante porque é um retorno de tudo aquilo que a equipe da OSC procura plantar todos os dias, com questões relacionadas ao autocuidado e o cuidado com a comunidade.

“A gente vê nesse projeto a parte prática de uma teoria que é aplicada todos os dias dentro das instituições. Além disso, conseguimos fazer com que crianças, adolescentes e idosos atendidos pelo Maria Rosa se integrassem, ouvissem uns aos outros e partilhassem sonhos. O Festival de Saberes reuniu todo mundo em torno do propósito que é aquilo que a gente sonha, que é trabalhar a questão do espaço, do caminho que se faz todos os dias. Além disso, não conhecíamos algumas instituições da região e essa troca de saberes foi rica. A gente está fazendo com que uma comunidade que se sentia esquecida seja vista e por isso, a gente sente a vontade de todos para fazer dar certo”, afirmou.

Focadas na lista de planejamento para o mutirão, Iorrana Rodrigues de Almeida e Caroline Nascimento, do Movimento das Minas, estão empolgadas com a participação no grupo do Caminhos da Escola. “O legal é que por mais que a gente more aqui, não somos próximos de todo mundo, e fazer parte dessa ação acabou aproximando a comunidade”, disse Iorrana. “Essa é uma experiencia diferente, eu nunca tinha tido a oportunidade de participar de algo assim. Me sinto feliz de ver algo novo no bairro dando certo e valorizada de poder participar”, disse Caroline.

Planejando o sonho

Criar bancos, arrumar o banheiro, instalar lixeiras e um bebedouro e conscientizar as pessoas para que não joguem lixo na praça. Tudo isso foi planejado pela turma do Maria Rosa, que participou do último dia da fase Forma, do Caminhos da Escola. No grupo, pessoas de 8 a 66 anos decidiam como seria a participação no mutirão de transformação.

“É muito legal participar. A gente até já fez isso na escola, mas não saiu do papel. Vamos cuidar da praça e ensinar que o lixo não pode ser jogado lá. Queremos também colocar livros para as pessoas poderem ler enquanto esperam para pegar o ônibus. Vai ficar mais bonito e divertido ir para escola e para a instituição”, planejou Ester Santana Bertolino, 8 anos.

Vitoria Laís de Sousa, 9 anos, não parava de dar ideias para o planejamento do mutirão. “Quem cuidava da praça eram idosos e a gente precisa continuar a cuidar de lá para ela voltar a ser o que era, bonita e alegre. Vamos criar mais brinquedos e cores para todo mundo usar e cuidar mais da praça”, disse enquanto mostrava as fotos da praça e a lista de desejos para o local.  

Entrosada em meio às crianças, Vilma Brandão, 66 anos, estava animada com a tarefa de planejar as mudanças na comunidade. “É gostoso estar no meio da criançada, me sinto como se fosse avó delas. Ainda mais participando de um projeto que vai deixar o bairro mais bonito. Vamos cuidar da melhoria que nós mesmos estamos fazendo na comunidade”, disse.

Trajeto

Para a escolha dos dois trajetos que serão transformados, foram levados em conta os caminhos que perpassam os bairros do entorno com maior fluxo de pessoas. A decisão levou em conta as opiniões de crianças e dos representantes da Rede Abraço, que fizeram todo o percurso junto com a equipe do projeto para que fossem identificadas as intervenções necessárias.

Pelo caminho, estão previstas muitas cores nos muros, arte em árvores, calçadas brincantes que convidam os pedestres a se divertirem enquanto fazem o trajeto, e toda estrutura que torne o local lúdico e seguro. Os dois trajetos somam 2.027 metros, sendo o primeiro com ponto inicial no Maria Rosa e ponto final na praça que fica na Avenida Maria Luísa Pompeo de Camargo, 527 (779 metros) e o segundo trajeto parte do Grupo Primavera, passa pela passarela em cima da rodovia Dom Pedro até a mesma praça, com extensão de 1.248 metros.

Desenvolvimento Local

O projeto Caminhos da Escola tem como objetivo incentivar a vivência da criança no espaço público, estimulando assim a cidadania. A iniciativa faz parte do programa Desenvolvimento Local, da Fundação FEAC, que investe na mobilização comunitária com o objetivo de transformar territórios gerando bases para uma cidade mais inclusiva, acolhedora, eficiente e sustentável. Mais informações: https://www.feac.org.br/desenvolvimentolocal/