Por Frederico Kling

No início da década de 2010, a praça Pastor Alessandro Monaro, no bairro DIC 5, Campinas (SP), servia de palco para a chamada batalha da luz. Tratava-se de uma luta de rimas improvisadas entre jovens, que acontecia debaixo de um poste de iluminação, daí o nome. Era, na época, uma das escassas opções de lazer num espaço que de praça só tinha o nome, pois tratava-se, na verdade, de um descampado onde se despejavam entulhos. Em nada se parecia com o que é hoje: há quadras, pista de corrida e arborização. Nessa transformação, o Conselho Municipal da Juventude (CMJ) foi fundamental. 

Criado em Campinas pela Lei Complementar 115, de 2015, o conselho tem entre suas atribuições deliberar sobre políticas públicas para a juventude, bem como fiscalizar sua aplicação. Também deve fomentar “o associativismo juvenil, estimulando a participação da juventude nos organismos públicos e movimentos sociais populares”. É paritário, ou seja, divide suas 24 cadeiras titulares igualmente entre sociedade civil (representada por pessoas ligadas a OSC) e poder público. 

Tanto a história quanto as funções do conselho, que é ligado à Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, mostram como ele é importante para a formulação de iniciativas voltadas ao interesse dos jovens, que, segundo o Estatuto da Juventude, são pessoas entre 15 e 29 anos. No entanto, o órgão deixou de se reunir durante toda a pandemia, período em que essa faixa etária foi especialmente atingida tanto pelo acesso precário à educação e lazer, quanto pela questão do desemprego. 

Mesmo sem as reuniões, Felipe Gonçalves, presidente interino do conselho desde 2020, avalia que o órgão conseguiu suprir as demandas, pois “cada um ficou tocando seus projetos e conversando sobre o que estava acontecendo”.  

Outros membros do conselho e OSC, porém, discordam dessa visão. Edson Ramon Ferreira da Silva, representante do Progen no órgão, afirma que a paralisação “prejudicou muito os jovens, pois era um momento em que eles precisavam demais de novos projetos”.  

Apesar  de ter sido uma decisão do colegiado, a paralização das reuniões impediu um processo de análise, avaliação e possíveis deliberações no âmbito das juventudes.

Um grupo de jovens levou a Gonçalves, em 4 de novembro de 2020, uma carta pedindo a retomada imediata dos trabalhos do órgão. O documento foi entregue por Guilherme Henrique Cintra Alves, de 14 anos, educando do projeto Jovens Conectados, do Progen, que incentiva a participação social e política dos jovens. Entre outras coisas, o texto lista várias questões urgentes decorrentes da pandemia, como a saúde mental, o aumento de casos de violência policial e a empregabilidade. 

A pressão surtiu efeito. “A carta provocou uma discussão, começamos a preparar a volta das reuniões, e o conselho vai se reunir novamente no final de fevereiro”, diz Gonçalves. 

Democracia participativa

Os jovens lutaram pela retomada das reuniões do conselho, e foi deles também que surgiu a demanda por um órgão que tratasse de seus interesses. “Em meados de 2011, foi feito um grupo pró-conselho, formado por pessoas interessadas em sua criação”, explica Felipe Gonçalves, que também é coordenador de Políticas Públicas para a Juventude da Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos. 

A origem do Conselho Municipal da Juventude de Campinas remete à Constituição Federal de 1988, que pela primeira vez falou em democracia participativa. “Antes, havia a ideia de que a população só se expressava pelo voto, ou por instrumentos clássicos como plebiscito e referendo”, explica o procurador de Justiça Paulo Afonso Garrido de Paula. 

Ele fala não apenas como jurista, mas também como um dos responsáveis pelo primeiro documento a criar um instrumento jurídico para o exercício da democracia direta: o Estatuto da Criança e do Adolescente. “Já existiam conselhos, mas eles eram consultivos e ligados ao Executivo. O artigo 204 da Constituição, no entanto, diz que ações da assistência social devem ter participação da sociedade, e isso nos inspirou.” 

O CMJ de Campinas atende aos três princípios que Paulo Afonso considera fundamentais para ter força: é deliberativo, paritário e instituído por lei. 

O procurador ressalta que, enquanto órgão de Estado, conselhos permitem uma visão mais ampla das necessidades sociais. Foi exatamente essa função que o CMJ cumpriu quando, em 2016, pautou com a prefeitura de Campinas a retomada das obras da praça Pastor Alessandro Monaro. “Os jovens se debruçaram sobre a planta do local para saber o que daria para fazer ali. Foi um processo de muito diálogo e paciência”, conta Gonçalves. 

Houve um longo caminho entre a Constituição de 1988 e a inauguração do espaço, agora rebatizado de Praça da Juventude, em 2018. Esses 30 anos permitiram que os jovens lutadores de rima saíssem debaixo de um poste e ganhassem, ali mesmo, um palco para suas batalhas. 

 

Texto atualizado em 12/2/2021 às 16:46.