Laura Gonçalves

Em entrevista exclusiva ao Compromisso Campinas pela Educação (CCE), Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direto à Educação, bacharel em ciências sociais e mestre em ciência política pela USP, fala sobre a atuação social e política da rede que comanda; o desafio do financiamento frente às políticas públicas educacionais do país ressaltando a importância da aprovação do Sistema Nacional de Educação e a importância de se investir na qualidade da educação de crianças e jovens.

CCE – O que é e quais os principais objetivos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação?

DC – É uma rede que tem atuação no Brasil, mas coligada com organizações em todo o mundo, existem campanhas equivalentes em mais de 100 países atualmente. No Brasil, ela se notabilizou pela incidência no Congresso Nacional e nossa última grande pauta foi o Plano Nacional pela Educação (PNE).
Nossa missão é garantir que todo cidadão brasileiro tenha uma educação pública de qualidade e essa qualidade precisa ser expressada no direito pela educação, pautada numa educação laica, gratuita, que respeite o processo de ensino e qualidade e uma educação que seja significativa para a vida dos estudantes e colabore com o desenvolvimento do país, não só em termos econômicos, mas também em justiça social.

CCE – Como vocês realizam a articulação da Campanha com os demais órgãos e instituições?

DC – Temos três níveis de articulação. O primeiro é interno da Campanha com seus membros. Reunimos pessoas e instituições que fazem a diferença, temos na nossa rede o Instituto C&A, a Fundação Abrinq, o Sindicatos dos Professores, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação e temos o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). A campanha hoje tem a composição de atores que de fato são diferentes, mas que acordam no mesmo trabalho.
Outro grupo é formado pelas autoridades públicas, em que temos uma relação sempre de interlocução crítica, e o terceiro grupo é a imprensa, que é para nós um espaço fundamental de construção de relações.

CCE – Como você analisa o atual cenário da educação no país?

DC – É preciso ter a maturidade de fazer a análise correta do filme e da foto. A foto da educação nacional não é boa, porque se visitarmos uma escola pública temos a clareza de que aqueles alunos precisam e merecem aprender mais, precisam ter uma educação mais significativa; professores devem ter mais condições de trabalho; escola não tem infraestrutura adequada. Enfim, conseguiríamos verificar uma série de problemas. Mas se formos analisar o filme, o Brasil na década de 50 era um país com 70% da sua população analfabeta, quer dizer, melhoramos no filme, mas a foto ainda não está boa. O erro dos governos é que quando estão na oposição, eles analisam a foto e quando estão no governo, analisam o filme. Precisamos ter maturidade para analisar os dois processos. Melhoramos muito e isso é um fato, mas precisamos tentar buscar o que de fato a educação necessita para dar um salto de qualidade. É importante dar esse salto de qualidade hoje porque vivemos no Brasil a última população de jovens e crianças altamente representativa. Daqui uns cinco ou seis anos o Brasil será um país majoritariamente de adultos e logo depois de idosos. Vamos viver uma situação equivalente à da Europa, só que com um problema: a Europa vive nessa situação com uma economia dinâmica e uma capacidade produtiva por alta escolarização também; e o Brasil vai se tornar um país de idosos seguindo a tendência atual, sem ter sequer uma população com boa escolarização. Assim, nossas possibilidades futuras ficam em risco.
O cenário da educação nacional traz elementos de esperança, mas também de muita preocupação. A gente não pode ficar letárgico, temos que começar a agir já!

CCE – Pensando em educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, qual está mais fragilizado atualmente?

DC – A educação infantil! Porque tem a maior demanda de matrículas, não tem vagas. Temos que criar 3,4 milhões de matrículas até 2024. É uma demanda avassaladora. Hoje a educação infantil para quem tem acesso é de boa qualidade, mesmo se comparado a países desenvolvidos. Perdemos muito no ensino fundamental e ensino médio. Temos uma educação infantil restrita, mas com um bom projeto. Já o médio tem uma razoável expansão se comparado com a infantil, mas com um projeto muito ruim. Eu acredito que tem que se investir na educação infantil e repensar o ensino médio, ouvindo os estudantes.

CCE – E quais os maiores desafios das políticas públicas educacionais e em especial, para que as metas do Plano Nacional de Educação sejam cumpridas?

DC – Atualmente, o principal desafio é o de financiamento. A crise de financiamento no setor vem atingindo patamares mais graves a partir do ajuste fiscal posto em prática pelo ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, que fez um corte na Meta 1 do PNE. Precisamos expandir matrículas e qualificar as mesmas. Além disso, não é possível expandir escola e reconhecer o trabalho do professor sem recurso.
Então, hoje, o que estrangula o Plano é basicamente o financiamento, porque precisamos expandir matrícula e qualificar as existentes. E essa qualificação se faz tornando a profissão docente mais atraente. Não tem como expandir escola sem recurso novo e hoje tem esse limite financeiro.
A questão pedagógica também é central. Hoje no Brasil se discute a educação sem discutir a pedagogia e isso não é possível. Isso precisa mudar.

CCE – Quais são os desafios e perspectivas para implementação dessa nova proposta de financiamento da educação pública?

DC – O principal desafio hoje é aprovação do Sistema Nacional de Educação (SNE), que é uma lei complementar que tramita no Congresso. A ausência do SNE faz com que os governantes federais, estaduais e municipais não tenham suas responsabilidades e papéis definidos. Permanece a tradição de cada um fazer sua própria política educacional, sem se articular com os demais. A lei tem poder de efeito vinculante.

CCE – Como garantir que as metas do PNE sejam alcançadas em todos os Estados e regiões, diminuindo as desigualdades?

DC – A cada dia que passa isso está mais difícil porque o início da implantação do PNE está sofrível. Uma política pública tem que ter desempenho de trajetória, ou seja, quando se começa a implementar uma política, esse início é decisivo para o sucesso final da mesma. Temos que reverter isso.
Mas o fato de existir um Plano gera uma pressão sobre governantes e também é bom que exista essa agenda pública sobre a educação, então a regra está posta para ser cumprida.

CCE – O que é o CAQi e CAQ e qual será o impacto sobre os estados e municípios com as mudanças propostas?

DC – Temos o Custo Aluno Qualidade Inicial, que é o padrão mínimo de qualidade; e o CAQ (padrão de qualidade). A Constituição fala em “padrão mínimo de qualidade”, que, segundo a LDB (Lei de Diretrizes e Bases), são os insumos indispensáveis para o ensino e aprendizagem: salário inicial do professor, política de carreira, formação continuada que faça sentido ao professor, número de aluno por turma, infraestrutura. O CAQi se refere ao que é indispensável e o CAQ vai além do padrão mínimo.
Qual a diferença entre os dois? Se a gente prevê uma escola em tempo parcial, a de tempo integral seria padrão de qualidade; se prevemos uma quadra poliesportiva coberta, a tendência é que os materiais da escola se diversifiquem, o que já é padrão de qualidade. É como se fosse um aperfeiçoamento, uma lapidação que, nesse caso, é referente ao processo escolar.
Acreditamos que esse mecanismo tem maior capacidade de organizar a gestão pública porque o pai do aluno vai saber quanto custa a matrícula do filho dele ao ano e a partir do momento que ele tem essa consciência, ele vai poder cobrar e exigir. O CAQi tem a capacidade de estruturar o controle social a partir do que é mais sagrado: a matrícula da criança.

CCE – Atualmente, qual o foco da Campanha?

DC – Nesse momento o foco é tentar inviabilizar a aprovação de proposta de uma emenda (PEC 241), que irá tirar muitos recursos da área social, especialmente da educação. Nosso foco, em geral, é muito positivo, no sentido de aprovar uma lei que faça muita diferença na vida das pessoas em termos de oferta de um bom ensino, como a Lei do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) – um fundo que hoje gera algo em torno de R$ 130 bilhões/40 milhões de matrículas; também incidimos sobre a emenda constitucional 59/2009, que estendeu a obrigatoriedade do ensino; atuamos sobre a lei das cotas, que é um mecanismo importante de distribuição e democratização de matrículas; lei dos royalties e agora o Plano Nacional de Educação (PNE), que por decorrência gerou planos estaduais e municipais.

Saiba mais sobre a Campanha Nacional Pelo Direito à Educação: http://campanha.org.br/