Por Jair Resende e Juliana Thomazo*
As medidas de combate à Covid-19 levaram ao fechamento das escolas em março do ano passado. Muitos municípios ficaram mais de um ano sem aulas presenciais. Para os alunos da educação infantil, que não conseguem aproveitar o ensino virtual, os danos são incontáveis. O retorno demanda um amplo debate sobre medidas pedagógicas para lidar com o problema. Mas há outra discussão a ser feita. Qual é, afinal, o melhor espaço para receber essas crianças?
O passado nos traz lições. Em 1904, numa Alemanha assolada pela tuberculose, especialistas sugeriram melhorar a ventilação das escolas e criar mais espaços a céu aberto, como playgrounds. Em alguns casos, chegou-se a propor que as aulas deveriam ser feitas ao ar livre. A ideia se espalhou pela Europa e chegou até aos Estados Unidos.
Já no presente, a melhor evidência científica descreve que é baixa a probabilidade de contaminação pelo novo coronavírus em espaços abertos. Entre as diretrizes da OMS para escolas há, inclusive, o incentivo a atividades ao ar livre.
Não há momento melhor, portanto, para se discutir ações de “desemparedamento” das escolas. A ideia é que elas criem espaços naturais, com terra, plantas e até animais, com os quais seus alunos possam interagir. No lugar de brinquedos industrializados, elementos como galhos, folhas, pedras e argila podem ser usados para estimular a imaginação das crianças durante o brincar.
Essa é uma medida amparada pela Constituição Federal que, em seu artigo 225, fala no “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Já a Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil reconhece a importância de as crianças estarem expostas a fenômenos naturais que lhes estimulem a curiosidade sobre o mundo físico.
Há evidências de que atividades ao ar livre estimulam todos os sentidos das crianças, propiciam uma melhor experiência de aprendizado e favorecem o fortalecimento de vínculos sociais.
Numa pesquisada Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, iniciada em setembro de 2020, 78% dos professores entrevistados relataram que crianças entre 4 e 5 anos sofreram impacto negativo no desenvolvimento da expressão oral, corporal e no relacionamento interpessoal na ausência das aulas presenciais. Lidar com essas questões é também criar espaços mais estimulantes.
É factível, porém, tentar avançar uma pauta como essa num país como o Brasil, no qual escolas públicas têm grandes problemas estruturais? Segundo o último Censo Escolar da Educação Básica, do Ministério da Educação (MEC), em 2020, mais de 26% dos estabelecimentos escolares no país não tinham nem coleta de esgoto.
A experiência de alguns municípios brasileiros mostra que sim. É possível trabalhar o “desemparedamento”, desde que haja comprometimento do poder público. Faz mais de 10 anos que Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, iniciou o movimento de recolocar suas crianças em contato com a natureza. Hoje, suas 37 escolas municipais de educação infantil têm espaços abertos, com elementos naturais. Jundiaí, em São Paulo, é o exemplo mais recente e bem-sucedido de que o “desemparedamento” é possível nas instituições públicas.
É com a prefeitura de Campinas que a Fundação FEAC está trabalhando em uma proposta-piloto de “desemparedamento”. Nosso projeto Caminhos do Brincar busca a qualificação de espaços públicos em territórios vulneráveis para se tornarem receptivos a crianças. A proposta é que se tornem também extensões das escolas, resolvendo em parte a questão estrutural, ainda mais em áreas de grande adensamento urbano. Ressalte-se, não estamos falando de contraturno, e sim de atividades escolares regulares.
Em algum momento, as aulas presenciais voltarão. Depois de meses fechados em suas casas, expostos a telas por muito mais tempo do que o recomendável, para qual escola queremos que essas crianças retornem? É possível pensar em um modelo diferente, estimulante. Elas precisam.
*Jair Resende é superintendente socioeducativo da Fundação FEAC.
*Juliana Thomazo é líder do Programa Primeira Infância em Foco da Fundação FEAC.